O que são os prédios 'sequestrados' como o de incêndio que matou
dezenas de imigrantes na África do Sul
Muitos edifícios no centro da cidade sul-africana
de Johanesburgo, onde um terrível incêndio matou mais de 70 pessoas, são
considerados impróprios para moradia.
No entanto, estes quarteirões antigos, abandonados
pelos seus proprietários ou pelas autoridades municipais, estão cheios de
famílias que muitas vezes pagam aluguel aos grupos criminosos que os controlam.
Os edifícios, que não têm água corrente, saneamento
ou ligação elétrica legal, foram basicamente "sequestrados".
Muitas pessoas vivem em apenas um quarto, que
muitas vezes costumavam ser escritórios. Incêndios são comuns nestes locais –
embora a escala do fogo que atingiu um prédio durante a noite desta
quinta-feira (31/8) nunca tenha sido vista.
Segundo as autoridades locais, 74 mortos foram
contabilizados até o início da tarde no Brasil – 24 mulheres, 40 homens e 10
não identificados.
Destes, 12 eram crianças. Muitos corpos foram
encontrados perto de um portão, que provavelmente impediu a fuga dos moradores.
A tragédia foi descrita como um dos piores
incêndios da história recente da África do Sul.
O prédio de cinco andares, localizado em uma área
chamada Marshalltown, pertencia à cidade.
Ele havia sido alugado para ser usado como abrigo
para mulheres vítimas de abuso, mas foi "sequestrado" pelas organizações
criminosas, segundo Floyd Brink, administrador de Johanesburgo.
Ele acrescentou que as autoridades iriam "agir
diligentemente" para investigar a causa do incêndio, e que um plano para
combater os edifícios "sequestrados" e a "ilegalidade" na
cidade será anunciado em breve.
·
Fogueiras e fogões a
querosene
Um bombeiro que estava no local do edifício disse
que estruturas semelhantes a barracos haviam sido erguidas no interior –
servindo como combustível para o fogo.
Em todos os prédios da região, os moradores tendem
a cozinhar em fogões a querosene e durante os meses frios de inverno - junho a
setembro - frequentemente acendem fogueiras em grandes tambores de metal.
Velas são frequentemente usadas e as inúmeras
conexões elétricas ilegais montadas para fornecer energia também representam
risco de incêndio. É comum ver ainda antenas parabólicas penduradas nas
janelas.
Uma pessoa que escapou do incêndio desta quinta
disse à BBC que o fogo começou durante um corte de energia – que acontece com
frequência em todo o país.
Ela disse que o corte no fornecimento de
eletricidade desencadeou uma série de sons semelhantes a tiros, seguidos por
uma enorme explosão.
A mulher pediu para não ser identificada - isto
porque os moradores destes edifícios estão lá ilegalmente e tendem a evitar as
autoridades e a imprensa.
Há dois anos, o fotógrafo Shiraaz Mohamed
conquistou a confiança de alguns moradores de um edifício na área de Hillbrow,
em Johanesburgo - e publicou um artigo na BBC sobre as suas vidas.
Eles lhe contaram sobre as condições insalubres em
que viviam - o cheiro de fezes permeava os corredores, pois os ocupantes faziam
suas necessidades nos espaços vazios do prédio ou às vezes na calçada.
Entre os que vivem ali, que fazem o seu melhor para
manter as suas próprias áreas limpas, estão sul-africanos pobres, bem como de
migrantes de toda a África - alguns dos quais não têm documentos e estão no
país ilegalmente.
O centro da cidade de Joanesburgo é um lugar
perigoso para se estar - com altos níveis de criminalidade. Ainda é conhecido
como Distrito Empresarial Central (CBD), embora muitas empresas já tenham saído
dali há muito tempo.
A mudança aconteceu por volta do fim do governo de
minoria branca, em 1994. Durante o Apartheid, o governo impôs uma segregação
racial rigorosa nas cidades - empurrando as comunidades negras e mestiças para
os subúrbios.
Quando o Apartheid foi desmantelado, aqueles que
tinham sido despachados para as periferias puderam voltar para o centro. As
pessoas pobres que procuravam habitação a preços acessíveis mudaram-se para
perto de onde trabalhavam para evitar elevados custos de transporte.
Já as empresas e residentes mais ricos do CBD,
incluindo a Bolsa de Valores de Johanesburgo, trocaram a região pelos subúrbios
mais ricos do norte. Os antigos edifícios comerciais no centro da cidade foram
transformados em apartamentos de baixa renda.
·
Impróprios pra habitação
A reforma também atraiu imigrantes, alguns
caçadores de fortuna e refugiados - muitos dos quais se estabeleceram nestas
habitações baratas no centro da cidade.
A África do Sul enfrentou e ainda enfrenta uma
grave escassez de habitação – um legado do Apartheid e um dos maiores desafios
do governo do Congresso Nacional Africano.
O país continua a ser uma das sociedades mais
divididas e desiguais do mundo.
Em Johanesburgo, a maior cidade do país,
estimava-se que 15 mil pessoas estavam desalojadas no início deste ano, segundo
informou o Departamento Provincial ao site de verificação de fatos Africa
Check.
Após o êxodo de empresas, o CBD tornou-se uma área
proibida com reputação de crime e violência, e alguns edifícios foram
alegadamente abandonados pelos proprietários, uma vez que as taxas devidas ao
município excederam o seu valor.
As autoridades da cidade de Johanesburgo iniciaram
esforços para restaurar a área há mais de uma década. Os edifícios foram
declarados impróprios para habitação humana e - muitas vezes após processos
judiciais - alguns de seus residentes foram realojados.
Por lei, os proprietários devem oferecer aos
moradores alojamento alternativo antes do despejo, mesmo que sejam imigrantes
sem documentos.
Algumas partes da CDB foram reconstruídas – com
investimento privado.
No entanto, à medida que os edifícios abandonados
proliferavam - alguns pertencentes ao município e envolvidos em disputas legais
- os sindicatos criminosos identificaram uma oportunidade para ganhar dinheiro,
explorando ainda mais aqueles que estavam desesperados por moradia.
O aluguel pode ser bastante alto - mas esse tipo de
proprietário ignora um histórico de crédito ruim ou o fato de os inquilinos não
possuírem documentos oficiais.
A vida de quem mora em um prédio sequestrado é
difícil. As drogas e a dependência proliferam – e os estrangeiros correm riscos
quando se aventuram.
No entanto, quando os moradores falam sobre suas
vidas, fica claro que os edifícios abandonados oferecem um teto sobre suas
cabeças e uma oportunidade de sonhar com um futuro melhor.
Fonte: BBC News Mundo
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