'Nesara Gesara': o que se sabe sobre golpe que prometia um 'octilhão'
de reais de lucro a fiéis
A Polícia Civil do Distrito Federal deflagrou, na
última quarta-feira (20), uma operação contra um grupo suspeito de enganar mais
de 50 mil pessoas no Brasil e no exterior. Os investigados aplicavam golpes
financeiros dentro de igrejas, prometendo lucros de até um "octilhão"
de reais.
De acordo com a investigação, o grupo criminoso agiu
por mais de 5 anos e era composto por cerca de 200 pessoas — entre elas,
pastores e líderes religiosos que induziam fiéis a pensar que eram
"abençoados a receberem grandes quantias".
Para justificar os grandes valores que viriam como
lucro dos investimentos, o grupo usava uma teoria da conspiração, chamada de
"Nesara Gesara".
>>>> Veja o que sabe até agora sobre o
golpe:
• Como
funcionava o esquema?
Segundo a Polícia Civil do Distrito Federal, o
grupo criminoso é composto por 200 integrantes, incluindo dezenas de pastores.
Dentro das igrejas, os fiéis eram incentivados a investir as economias em
falsas operações financeiras ou projetos de ações humanitárias que não
existiam.
Os criminosos prometiam "retorno imediato e
rentabilidade estratosférica". Conforme a investigação, os fiéis eram
induzidos a pensar que eram "abençoados por Deus para receber grandes
quantias".
As redes sociais também eram usadas para cometer os
golpes. O grupo anunciava ganhos de até um "octilhão" de reais e 350
"bilhões de centilhões" de euros.
A Polícia Civil do DF diz que o grupo movimentou R$
156 milhões em 5 anos, além de criar 40 empresas fantasmas e movimentar mais de
800 contas bancárias suspeitas.
• O que
é "Nesara Gesara"?
Para convencer os fiéis de investirem, o grupo
usava uma teoria da conspiração chamada "Nesara Gesara". A ideia, no
entanto, começou com uma tese de doutorado no início dos anos 90, nos Estados
Unidos.
Conforme um podcast da BBC, que foi ao ar em agosto
de 2021, em um dos seus estudos, Harvey Francis Barnard propôs um pacote de
reformas econômicas que previam abolição de impostos, perdão de dívidas de
consumidores e mudança radical no sistema monetário. A ideia foi batizada de
National Economic Security and Recovering Act (Nesara) — inglês para Ato para
Recuperação e Segurança da Economia Nacional. Porém, foi só nos anos 2000 que a
teoria ganhou força com ares de teoria da conspiração, a partir da blogueira
estadunidense Shaini Goodwin.
Segundo ela, o Nesara já havia sido aprovado pelo
ex-presidente dos EUA Bill Clinton — que governou o país entre 1993 e 2001 —, o
que não é verdade. Goodwin defendia ainda que os ataques do dia 11 de setembro
haviam sido armados pelo também ex-presidente George W. Bush, com o objetivo de
barrar a implementação do Nesara.
• Lucros
prometidos não são possíveis
O grupo oferecia lucro de até um
"octilhão" de reais e 350 "bilhões de centilhões" de euros
para "investidores". Os valores, no entanto, são fantasiosos e sequer
existem financeiramente, conforme explicado por especialistas ouvidos pelo g1.
O economista e professor Cesar Bergo, da
Universidade de Brasília (UnB), explica que, ainda que fossem reunidas as
riquezas de todos os países do mundo, não chegaria nem perto dos valores
prometidos pelos golpistas.
De acordo com o economista Marcelo Botelho, da
Universidade de São Paulo (USP), "um octilhão de reais" seria
equivalente a 1 seguido de 9 conjuntos de três zeros ou 27 zeros no total.
"Hoje existe no mercado mundial 10 trilhões,
620 bilhões, 833 milhões de euros. Para se ter uma ideia, 350 bilhões de
centilhões de euros, seria equivalente a 350 seguido por 87 conjuntos de três
zeros, algo inimaginável", explica Botelho.
O economista aponta que o valor prometido pelos
golpistas em euro é 19 mil vezes mais do que existe da moeda do mundo.
>>> Veja quem são os alvos
No dia em que a operação da Polícia Civil foi
deflagrada, os agentes cumpriram dois mandados de prisão preventiva e 16 de
busca e apreensão no DF e em quatro estados — Goiás, Mato Grosso, Paraná e São
Paulo.
Os dois alvos de prisão foram:
• Pastor
Osório José Lopes Júnior
Pastor Osório José Lopes Júnior foi preso em
Tocantins — Foto: PCTO/Reprodução
Suspeito de participar do esquema, Osório foi preso
em um rancho em Sucupira, em Tocantins, nesta quinta-feira (21), após passar
mais de um dia foragido. Até a última atualização desta reportagem, ele ainda
não havia sido transferido para Brasília.
Osório é acusado de aplicar golpes em fiéis de
Goianésia, no centro de Goiás, e demais pessoas de vários estados do país, em
2018. À época, ele e outro pastor alegavam que haviam ganhado um título de R$ 1
bilhão, mas precisavam reunir fundos para conseguir recebê-lo. O líder
religioso chegou a lucrar cerca de R$ 15 milhões com o golpe.
Em 2018, ele chegou a ser preso, mas responde ao processo
em liberdade. A sentença ainda não foi proferida pela Justiça. Após ser
liberado da prisão, Osório se mudou para São Paulo.
• Pastora
Maria Aparecida Gomes Barbosa
Natural de Patos, na Paraíba, a religiosa foi
localizada na casa da filha em Jaraguá do Sul, no Norte de Santa Catarina.
Segundo a Polícia Civil, ela teria relação próxima com o pastor Osório José
Lopes Júnior.
A mulher é apontada pela Polícia Civil como uma das
responsáveis por captar investimentos e vítimas para o esquema.
"Ela assumiu uma função de administradora. Era
como se fosse uma 'mula da fraude', em um termo bem grosseiro. Ela seria
responsável por coordenar os grupos sociais, angariar as vítimas e ajudar os
líderes a captar mais investimentos", disse o delegado Marco Aurélio Sepúlveda.
O pastor Osório José Lopes Júnior usou seu canal no
YouTube para explicar como viriam os lucros prometidos por ele nos
investimentos feitos pelos fiéis (veja vídeo acima).
O líder religioso afirma que participa do chamado
"Projeto Redenção", que teria sido criado aproximadamente em 1940,
pelos Estados Unidos e na China. Em seguida, 209 países se uniram — incluindo o
Brasil — para agregar bens de alto valor, como ouro, prata, diamante, pedras
preciosas.
Ainda de acordo com Osório, à época, cada país recebeu
uma quantidade de letras de câmbio, de acordo com o total de bens acumulados.
No entanto, nem todas as letras tiveram seus valores recuperados.
As letras de câmbio teriam, então, sido unificadas
em um único documento, atribuindo a responsabilidade de todas as posses também
a uma só pessoa. Segundo Osório, esse responsável seria ele e as contribuições
feitas pelos fiéis garantiriam uma parte da renda se contribuíssem com o que
ele chama de "operação".
O pastor não explica o que seria KSR. Diz apenas que
acredita que os valores serão liberados ainda em 2022, o que não acontece, já
que os vídeos publicados por ele neste ano continuam pedido os valores de
contribuição aos fiéis.
Como
funcionava golpe baseado em teoria de conspiração que prometia lucro de um
"octilhão" de reais
Uma organização criminosa teria feito 50 mil
vítimas no Brasil e no Exterior, convencendo-as a investir dinheiro com a
promessa de retornos financeiros exorbitantes. O esquema, que tinha como base
uma teoria de conspiração, oferecia supostos ganhos de um "octilhão"
de reais, ou 350 "bilhões de centilhões" de euros. Além dos valores
absurdos, o golpe se diferencia por ser majoritariamente aplicado contra fiéis
de igrejas evangélicas. Muitos dos suspeitos se identificam como pastores.
A Polícia Civil do Distrito Federal realizou na
quarta-feira (20) a Operação Falso Profeta, para cumprir dois mandados de
prisão preventiva e 16 mandados de busca e apreensão, na investigação deste
esquema. Uma pastora foi presa em Jaraguá do Sul, Santa Catarina. O nome dela
não foi divulgado. Os crimes investigados são falsificação de documentos,
lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e estelionato por meio de redes sociais
(fraude eletrônica).
Segundo a polícia, os golpistas se aproveitam das
crenças religiosas das vítimas para manipulá-las, convencendo-as,
frequentemente por meio de mensagens em redes sociais, a investirem suas
economias em operações financeiras fictícias ou projetos falsos de caridade,
com a promessa de retornos financeiros.
A investigação aponta que eles afirmavam que com um
depósito de apenas R$ 25 as pessoas poderiam receber de volta a quantia de um
octilhão de reais — 1 seguido de 27 zeros, valor maior que a soma das economias
de todos os países do mundo. O convencimento das vítimas tinha como base uma
teoria conspiratória, baseada em notícias falsas, chamada "Nesara
Gesara" (saiba mais abaixo).
A Polícia Civil do DF investiga o esquema há cerca
de um ano e afirma que este é um dos maiores golpes já investigados no Brasil,
com mais de 50 mil vítimas de diversas camadas sociais e localizadas em quase
todos os Estados do país. O grupo teria cerca de duzentos membros, incluindo
dezenas de supostos líderes evangélicos.
"O grupo é composto por cerca de duzentos
integrantes, incluindo dezenas de lideranças evangélicas intitulados pastores,
que induzem e mantêm em erro as vítimas, normalmente fiéis que frequentam suas
igrejas, para acreditar no discurso de que são pessoas escolhidas por Deus para
receber a 'bênção', ou seja, as quantias milionárias", diz nota da polícia
sobre a operação.
• Empresas
falsas
Os criminosos usariam empresas fictícias, com altos
valores de capital declarados, que eles diziam ser instituições financeiras
digitais. Estas companhias seriam responsáveis por distribuir as supostas
fortunas. Para dar aparência de legalidade às operações, os suspeitos também
assinavam contratos falsos com as vítimas.
A investigação revelou que o grupo movimentou R$ 156
milhões nos últimos cinco anos. Foram identificadas ao menos 40 empresas falsas
usadas pelos estelionatários, e mais de 800 contas bancárias suspeitas.
• Nesara
Gesara
A teoria "Nesara Gesara" tem como base
uma tese de doutorado publicada nos Estados Unidos no início dos anos 90.
Harvey Francis Barnard propôs o National Economic Security and Recovering Act
(Nesara) (Ato para Recuperação e Segurança da Economia Nacional, em tradução
literal), que previa uma revisão da política econômica estadunidense, com o fim
do imposto de renda, por exemplo. Ele tentou convencer o congresso a adotar a
proposta, mas não teve sucesso.
Já nos anos 2000, as ideias de Barnard foram usadas
em uma teoria de conspiração, com a difusão de notícias falsas de que o
ex-presidente dos EUA Bill Clinton havia aprovado a Nesara e que os atentados
de 11 de setembro tinham sido planejados pelo próprio governo americano para
impedir a implementação das medidas.
Durante a pandemia de covid-19, a teoria voltou a
se espalhar e foi transformada em Gesara, ou Global Economic Security and
Recovering Act. As fake news afirmam que a proposta vai unificar as moedas de
todos os países e promover uma "redistribuição de renda" global. Os
golpistas usam esta história inverídica para convencer as pessoas a apoiarem,
financeiramente, o projeto de implantação da Gesara, prometendo que elas serão
as primeiras beneficiadas pela nova organização da economia, recebendo os
valores exorbitantes prometidos.
Fonte: g1/gaúchazh
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