Juros: o perigoso consenso do Copom
A 257ª reunião do Comitê de Política Monetária
(Copom) transcorreu exatamente de acordo com as recomendações apresentadas pela
nata do financismo em nosso país. Na verdade, o encontro ordinário do colegiado
nada mais é do que uma reunião diferenciada da própria diretoria do Banco
Central (BC). Ao longo da terça e da quarta-feira da semana passada, os nove
integrantes do corpo diretivo do órgão regulador e fiscalizador do sistema
financeiro trocaram de boné. Assim, na condição de membros do comitê,
discutiram à exaustão a respeito da conjuntura econômica e decidiram pela
redução de apenas 0,5% na taxa Selic. Atualmente ela está em 12,75%.
O comunicado divulgado ao final do encontro
registra que a deliberação foi adotada por unanimidade. Isso significa que os
dois novos diretores indicados recentemente por Lula, a partir da recomendação
do ministro da Fazenda, se esquivaram de apresentar alguma proposta mais ousada
para que a taxa retornasse ao nível de alguma normalidade e racionalidade.
Deveriam ter sugerido algo que apontasse para as reais necessidades de um
projeto de governo voltado para a retomada do crescimento e do desenvolvimento.
Apesar da minúscula diminuição no patamar da taxa referencial de juros, o
Brasil segue ocupando o primeiro lugar mundial no quesito taxa real de juros.
Tal fenômeno se explica pelo fato de a inflação estar em queda, de forma que os
cálculos a respeito da rentabilidade real dos ativos recomendam subtrair a
perda monetária derivada do crescimento dos preços.
A aprovação da Lei Complementar nº 179/21
sacramentou, durante a tragédia representada pelo binômio Bolsonaro &
Guedes, a independência do BC. Na verdade, tratava-se de uma proposta antiga do
próprio sistema financeiro, para evitar que a chegada de um governo com um
programa mais progressista e desenvolvimentista pudesse provocar alguma mudança
na linha da austeridade e do incentivo ao rentismo. Assim, Lula está convivendo
desde o início de seu terceiro mandato com um coletivo responsável pela
política monetária cuja maioria foi nomeada pelo genocida. Falta a Roberto
Campos Neto e aos demais colegas bolsonaristas um pouco de vergonha na cara –
para dizer o mínimo – e renunciarem ao cargo. Afinal, além de terem servido ao governo
anterior e feito campanha aberta para sua reeleição, eles incorporam uma
abordagem da economia que é totalmente antagônica ao programa de governo para o
qual Lula foi eleito em outubro do ano passado.
·
Independência do BC: Copom a
serviço do financismo
Mas mesmo do alto de sua arrogância conservadora e
liberaloide, eles ainda encontram espaço para alguma forma de pragmatismo.
Durante o período que vai do segundo semestre de 2020 até o início de 2021, por
exemplo, esse mesmo coletivo manteve por cinco reuniões consecutivas do Copom a
Selic em 2%. Ou seja, na hora de colaborar com um governo que lhes é simpático
na opção político-ideológica, que se dane o dogmatismo da ortodoxia neoliberal.
Mas a partir de então, o colegiado optou por uma escalada crescente da taxa,
com 12 reuniões consecutivas de alta, até chegar aos 13,75% em agosto de 2022.
Uma vez atingido esse ápice, o comitê assim manteve a Selic nas alturas por
oito novas reuniões. Apenas nas duas últimas oportunidades eles optaram por uma
redução homeopática de 0,5% em cada uma delas.
É interessante observar que o Copom quase sempre
adota o resultado que é proporcionado por uma enquete semanal realizada pelo
próprio BC junto às elites dirigentes do financismo. Trata-se da pesquisa
Focus, divulgada religiosamente às segundas-feiras na página do órgão na
internet. Ali se manifesta o desejo agregado do sistema financeiro
relativamente a variáveis macroeconômicas relevantes, tais como a inflação, o
crescimento do PIB e outras. Mas dentre elas, ganha relevo aquela que reflete a
expectativa de seus participantes quanto ao patamar da Selic. Assim, o Copom
segue absolutamente refém da vontade do povo das finanças.
Lá se vão quase nove meses de governo e a taxa de
juros oficial segue praticamente inalterada. A perpetuação do espírito do
rentismo parasitário em um governo que prometeu “fazer 40 anos em 4” é uma
verdadeira contradição. Afinal, frente a uma rentabilidade financeira tão
elevada, torna-se praticamente proibitiva qualquer iniciativa de empreendimento
produtivo. O mais preocupante, contudo, é que os dois diretores nomeados por
Lula não tenham apresentado até agora nenhuma proposta alternativa para – pelo
menos que fosse – marcar posição no interior do colegiado.
·
Elite do sistema financeiro
dita as regras
Por outro lado, o surpreendente é que o Copom siga
baseando suas decisões nos resultados da Pesquisa Focus. Trata-se de um punhado
de dirigentes de bancos e instituições similares umbilicalmente vinculados aos
interesses de suas empresas – qual seja, opinam e operam com o intuito de
maximizar os seus ganhos financeiros. Não há nenhuma voz dissonante nesse
universo: não são ouvidos pesquisadores, economistas e professores de economia
vinculados ao movimento social, aos sindicatos, às universidades ou aos
institutos de pesquisa. Nada! Só quem responde ao questionário semanal são
banqueiros. E ponto final.
O histórico das pesquisas está disponível para
consulta na página do BC na internet. E ali pode-se perceber claramente que se
trata exclusivamente de opinião de torcida uniformizada e de desejo de ganhos
financeiros. No ano passado, às vésperas das eleições, por exemplo, a pesquisa
transparecia ao pessimismo que as elites financistas deixam exalar por conta de
uma possível vitória de Lula no pleito. A possível saída de seu queridinho
Paulo Guedes do comando da economia assustava os dirigentes do setor. Daí
divulgavam uma avaliação de que a economia iria afundar mesmo, não tinha jeito.
Eles projetavam um crescimento do PIB de apenas 0,37% em 2023. A pesquisa desta
semana já aponta para um aumento das atividades econômicas da ordem de 3% até o
encerramento do ano. Ou seja, erraram feio. Como quase sempre ocorre, aliás.
Ora, qual a seriedade que deve ser conferida a esse
tipo de avaliação e de projeção do cenário econômico? Nesse caso em particular,
houve um erro de mais de 700% entre a previsão e o resultado verificado.
Imaginemos o que teria ocorrido se algum cliente destes senhores tivesse
sofrido uma perda patrimonial de tal monta em suas aplicações financeiras. Pois
esses mesmos indivíduos que são levados muito a sério pelo Copom e pelos
“especialistas” do setor, pois os líderes do financismo estariam embasando suas
opiniões pela abordagem “técnica” e não “política”. Haja paciência para tamanha
mentira e hipocrisia.
·
0,5% é muito pouco: Selic
precisa cair muito mais
A ata do Copom aponta para mais duas possíveis
reduções de mesmo montante para as reuniões previstas até o final do ano. Caso
esse cenário se concretize, encerraríamos 2023 no patamar de 11,75%. Apesar da
queda de 2%, ainda assim a Selic continuaria em um patamar muito elevado.
Afinal, essa taxa impacta diretamente o volume dispendido com juros sobre o
estoque de dívida pública. Atualmente, a União gasta por volta de R$ 700
bilhões a esse título a cada 12 meses. Por outro lado, a complacência e a cara
de paisagem dos dirigentes do BC quanto aos spreads praticados
pelas instituições financeiros fazem com que o custo financeiro efetivamente
bancado por empresas, famílias e indivíduos seja também altíssimo.
A sociedade brasileira não pode permitir que essa
distorção permaneça no interior do Estado brasileiro. A diretoria bolsonarista
do BC não tem a mínima legitimidade para seguir criando obstáculos à
implementação do programa de um Presidente da República eleito pela maioria.
Não basta uma atitude conformista pelo fato da recente redução. É fundamental
que o governo recupere seu total controle da política monetária.
Fonte: Por Paulo Kliass, em Outras Palavras
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