sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Jeferson Miola: PEC militar já é ruim, mas líder do governo pode deixá-la ainda pior

A PEC – Proposta de Emenda Constitucional do ministério da Defesa e Forças Armadas é lastimável.

Representa uma reversão das expectativas mínimas sobre a necessidade urgente de se promover uma reforma militar no Brasil.

Além de não eliminar totalmente a hipótese de atuação política e partidária dos fardados, a PEC ainda mantém intacto o famigerado artigo 142 da Constituição, aquele que embasa a interpretação delirante sobre o Poder Moderador dos militares e a tutela deles sobre a democracia.

É, portanto, um arremedo que distrai a atenção sobre o essencial, ao mesmo tempo em que preserva a perspectiva estratégica das cúpulas conspiradoras e partidarizadas das Forças Armadas.

Caso, contudo, venha a prevalecer a opinião do senador Jaques Wagner, líder do governo no Senado, a PEC ficará ainda pior.

Ele é a favor da liberalização total. Defende que militares da ativa possam ocupar postos de ministros de Estado permanecendo no serviço ativo da carreira, o que significa que eles podem governar mantendo, simultaneamente, tropas sob seu comando.

O texto original da PEC, que já é ruim e insuficiente, mas que Wagner pode piorar ainda mais, pelo menos determinava que “ao tomar posse no cargo de Ministro de Estado, o militar da ativa das Forças Armadas fica, automaticamente, transferido para a reserva, nos termos da lei”.

A mudança proposta por Wagner significa inclusive um retrocesso em relação ao disposto hoje na Constituição.

Pelo texto atual, militares que ocuparam cargo, emprego ou função pública civil temporária, incluindo a administração indireta, por dois anos de afastamento [contínuos ou não], deverão ser transferidos para a reserva [inciso III, § 3º do artigo 142].

Jaques Wagner parece tratar o assunto como um “princípio republicano”. Ele expressa isso de maneira até simplória: “seria uma medida discriminatória” restringir o que ele considera como uma “igualdade de direito” militares serem ministros.

A explicação do senador seria só risível; não fosse, porém, também trágica.

Wagner não leva em consideração a singularidade da função militar, que faz com que democracias e regimes civis estabeleçam restrições a integrantes de carreiras militares no ambiente da política.

Ademais, o senador não valoriza a memória recente, das gestões desastrosas para o país e ruinosas para a democracia com altos oficiais à frente de ministérios – Etchegoyen, Luís Eduardo Ramos, Bento Albuquerque, Augusto Heleno, Paulo Sérgio, Braga Neto, Pazuello …

Governos são eleitos em eleições disputadas por partidos políticos, instituições às quais os militares são proibidos de se filiarem.

É uma decorrência óbvia, por isso, militares não serem considerados como atores com funções de mando em governos civis.

O entendimento do senador a respeito do papel dos militares não combina com a visão que seria esperada de alguém como ele, um quadro experimentado do establishment político e que tem acesso direto ao presidente Lula e ao centro do governo.

Wagner exerceu três mandatos de deputado federal, foi duas vezes governador do 4º estado mais populoso do país, foi ministro de Estado nos governos Lula e Dilma, e atualmente é senador da República – trajetória que lhe propiciou sólido conhecimento sobre as lógicas de poder e o papel nefasto dos militares ao longo da história republicana.

No Senado, Jaques Wagner desempenha a função de líder do governo Lula, eleito justamente para salvar a democracia.

Nesta posição, ele não pode atuar em sentido oposto e repetir José Múcio Monteiro como mais um porta-voz dos interesses das cúpulas fardadas que atentaram contra a democracia.

 

Ø  PEC dos Militares e a Página em Branco da Nossa História. Por Francisco Carlos Teixeira da Silva

 

Entendemos que o Governo Lula queira avançar em tópicos de interesse nacional, como o combate à fome ou ao Desemprego e a (Re)Industrialização do país. E assim, fugir da pecha de ser o Governo que sobreviveu ao golpe.

Por tal razão, evita-se o envolvimento nas apurações legítimas dos atos golpistas, antes e depois do 08/01/2023.

No entanto, quando o governo atua contra a oportunidade única de “reescrever” o “manual” das relações militares e política no Brasil, abolir a “Doutrina da Tutela ( as FFAAs como um “Poder Moderador” e a “missão” de combater o “Inimigo interno”), sinto que se perde o momento histórico.

A consolidação da Democracia no Brasil é uma pauta tão importante quanto a fome e o desemprego.

Sem Democracia a erradicação das posições de mando das elites antipovo será impossível e seremos sempre um país da fome cíclica e a República dos Privilégios.

Não lutar contra os golpistas em seus nichos é um baita desconhecimento da nossa História.

E, no limite, não fazer o enfrentamento didático das Direitas trabalha contra o fortalecimento da própria Democracia entre nós.

O núcleo político do governo, sua comunidade de Inteligência e seus órgãos, bem como o Ministério da Defesa, trabalham com um diagnóstico “equivocado” da natureza da atual crise brasileira, do momento nacional e da ascensão mundial da Extrema-Direita e dos Fascismos.

A Abin e o GSI mostraram-se incompetentes para construir um diagnóstico real das instituições brasileiras e do alcance do golpismo no interior do Estado.

Tal fragilidade transferiu para os acadêmicos e alguns jornalistas investigativos a faina de desvelar a ampla trama envolvendo políticos, magistrados e militares contra a República.

Vive-se ao “Deus dará” de confissões e delações, do trabalho incansável da PF, emergindo uma situação de “sustos” e alertas em busca de delações – o que não seria o fio condutor das investigações caso a Abin e o GSI cumprissem suas missões institucionais.

Bem ao contrário vemos que tais órgãos constituem-se em nichos privilegiados de golpistas, centro de construção de “narrativas” que buscam o apagamento do 8 de janeiro, seus antecedentes e consequências.

Ao contrário do núcleo político, palaciano, do governo, apenas o Ministério da Justiça, a Advogacia Geral da União, e o STF, avançam nas investigações.

O diagnóstico da crise institucional continua precário junto ao núcleo político, que insiste em que:

1. A eleição de Lula e a inegibilidade de Bolsonaro são evidências do fim da crise política e institucional;

2. Consideram o bolsonarismo, inclusive na Magistratura e nos quartéis, em refluxo confundindo personagem e as fontes profundas dos movimentos sociais das Direitas;

3. Nunca entenderam, por isso mesmo, o conceito de “Insurreição fascista”, como estabelecido com a “Marcha sobre Roma”, de 1922, e sua repetição midiática e reticular, em Kiev em 2014, em La Paz em 2019 ou no Capitólio em 2021;

4. Ao contrário de Lula da Silva, consideram o fascismo no Brasil como metáfora e hipérbole, mantendo-se na compreensão cinematográfica do fenômeno “fascismo histórico”, sem atentar para os movimentos mundiais de ascensão dos novos (neo)fascismo;

5. Acreditam que todo poder político se exerce no Congresso Nacional, desvalorizando a presença do povo nas praças, ruas, universidades e sindicatos como topoi de Resistência ;

6. Não entenderam o processo de unificação das Direitas brasileiras pela hegemonia fascista;

7. Consideram a oposição fascista com as mesmas lentes que enfrentaram antes a oposição do (quase)finado PSDB , não percebendo a “debacle” do Centro Histórico da política republicana;

8. Não consideram mobilizar, por não entender o caráter “de massas” do fascismo (amplas classes médias, funcionários civis e militares, as classes rentistas, o lumpenproletariat em busca de um líder substituto, mito e mistificação, da falsa concretização psicológica e histórica), os núcleos populares, trabalhadores, para se manifestarem nas ruas, praças, universidades e sindicatos contra o golpismo (sequer tivemos uma manifestação popular em condenação ao golpe);

9. A busca de base de apoio do governo leva a tratativas que poderiam ser melhor explicadas e balanceadas com a mobilização popular;

10. Estão “economizando” Lula , o único grande comunicador à Esquerda, nas suas relações com as bases trabalhadoras;

11. Não distinguem o bolsonarismo, uma forma de Neofascismo, do conservadorismo nato da sociedade brasileira , racista, misógina e patriarcal, combatendo só os personagens “Bolsonaro” e os chamados “patriotas”, que entalados em bandeiras depredaram as instituições da República, deixando de lado o núcleo duro do Bolsonarismo na política, magistratura, ministérios, inclusive o Ministério da Defesa, no afã de blindar militares golpistas;

12. Por fim, estão decididos a “deixar quieto” os núcleos radicais nas FFAAs , no intuito de “virar a página” da História.

Assim perde-se a percepção da profundidade e enraizamento do golpismo nas instituições da República e na cultura política brasileira, suas raízes históricas, no escravismo e no patrimonialismo, seus métodos sempre violentos, buscando “virar a página” de uma História ainda não escrita.

 

Ø  PEC dos Militares e extinção da GLO. Por Jorge Folena

 

Nos últimos anos dediquei-me a investigar o mecanismo da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), inclusive tendo tido a oportunidade de participar do Dicionário de História Militar do Brasil (1822-2022)2, com o verbete “Garantia da Lei da Ordem, o artigo 142 da Constituição e a tutela militar”. 

Esclareci que a garantia da lei e da ordem é uma invenção jurídica de origem monárquica, como forma de reação aos movimentos liberais do Século XIX, e foi introduzida no Brasil por Pedro I, na Constituição outorgada de 1824. 

Lembro que “um dos três erros fundamentais da Constituição de Weimar” foi permitir que o instituto da GLO, “uma herança da Constituição do Império”, fosse transposto para a ordem republicana, e foi um dos motivos que possibilitou a ascensão do nazismo na Alemanha, a partir de 1933.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

No caso brasileiro, com a Proclamação da República, os militares conseguiram manter a GLO na Constituição de 1891 e em todas as demais constituições, até a atual, de 1988, onde está prevista no artigo 142. 

Por isso os militares se consideram os “tutores da nação” brasileira, uma vez que podem ser convocados pelos poderes da República, por meio de GLO, para debelar crises institucionais ou convulsões sociais, quando as forças de segurança pública tenham se revelado incapacitadas para resolver.

Por força desta previsão constitucional (que vem se repetindo em todas as constituições republicanas), foi criado o mito de que os militares exercecem um “poder moderador”, que pode ser exercido sobre os demais poderes da República, como fazia o imperador, no período monárquico3.

Nos últimos anos, o país vivenciou a ascensão descarada do movimento fascista, cujos integrantes, em diversas oportunidades, pediram ao ex-presidente que convocasse a GLO, prevista no artigo 142 da Constituição, a fim de provocar uma intervenção militar, o que infelizmente culminou com o 8 de janeiro de 2023, quando se tentou um golpe de estado no Brasil, com muitos militares diretamente envolvidos, conforme está sendo apurado nas diversas investigações em curso.

Diante do atual cenário, em que os militares se encontram bastante enfraquecidos, e de modo nunca visto antes na história republicana, nasceu a oportunidade para a revisão da redação do artigo 142 da Constituição, a fim de se extinguir a GLO e, deste modo, ser posto um fim ao famigerado mecanismo monárquico, transposto indevidamente para a República, que tem alimentado o mito de que os militares são os “tutores” do país, quando seu papel constitucional deveria estar circunscrito à defesa contra ameaças estrangeiras, caso efetivamente ocorram.

Todavia, o governo, ao invés de propor o fim da GLO (tema que, pelo visto, os militares consideram inegociável, repetindo o comportamento do Ministro do Exército Leônidas Pires na constituinte de 1987/1988), encaminhará proposta de emenda à constituição apenas para impedir a participação de militares em cargos públicos, como estratégia para forçar uma “neutralização política” dos integrantes das Forças Armadas.

Na verdade, o governo perde a oportunidade de consertar esse grave erro e ainda  passa a ideia de que está a estimular um “acordão” com as Forças Armadas, de modo a poupar o alto comando, que se revelou incapaz de enfrentar as ameaças permanentes promovidas pelo governo do anterior presidente da República, que se dizia representante dos militares e de suas famílias e defendia a ditadura de 1964-1985, com todos os seus valores equivocados e antidemocráticos.

Espero que os políticos do país tenham a necessária maturidade para compreender a importância do período histórico que estamos vivendo e não façam mais nenhum acordo no sentido de anistiar os que atentaram contra a democracia, pois só por esse caminho sejamos capazes de superar o fascismo que nos ronda de perto.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Por isso, reitero que não basta impedir os militares de assumirem funções no governo. É primordial extinguir a GLO, extirpando-a para sempre da redação do artigo 142 da Constituição, pois somente assim daremos fim ao mito da “tutela” dos militares. 

 

Fonte: Viomundo/Brasil 247

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário