quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Governo Modi avança contra big techs na Índia e amplia censura da internet

A liberdade de expressão na Índia sofreu mais um revés, dessa vez com a aprovação da Lei de Proteção de Dados Pessoais Digitais, em agosto.

A legislação permite ao governo bloquear o acesso a determinadas plataformas online "quando for do interesse público" e enfraquece a Lei de Direito à Informação ao permitir que autoridades neguem fornecimento de dados considerados pessoais, como, por exemplo, salários de funcionários públicos.

Trata-se do mais recente capítulo da investida do primeiro-ministro Narendra Modi contra as liberdades digitais na Índia.

Especialistas e ativistas alertam para o que veem como crescente autoritarismo digital no país. Desde 2021, o governo do BJP, o partido de Modi, adotou uma série de leis e regulamentos para aumentar o controle sobre as plataformas digitais e a mídia online.

A Lei de Proteção de Dados obriga qualquer fiduciário empresas e órgãos que coletam, armazenam ou processam os dados a "fornecer informações" requeridas pelo governo. Como sites noticiosos podem ser considerados fiduciários, a legislação abre brecha para a violação de princípios como o sigilo de fontes e até a privacidade de assinantes e financiadores da publicação.

A mesma lei estabelece que, caso um veículo viole duas vezes as regras, ele pode ser bloqueado ao acesso público. Versões anteriores da lei previam exceções para veículos jornalísticos, tal como a Lei Geral de Proteção de Dados da União Europeia mas o texto final aprovado, não.

Trata-se, portanto, de mais uma via de censura de conteúdo online na Índia, que já se submetia à Lei de Tecnologia da Informação de 2000. Essa legislação já permitia ao governo bloquear conteúdo que fosse considerado uma ameaça "à soberania e à integridade da Índia, à segurança do Estado e à ordem pública".

O objetivo alegado da lei de proteção de dados é regular as big techs e punir vazamentos de dados sensíveis. No entanto, a legislação prevê isenção de responsabilidade para o governo e autoriza que o Executivo use dados dos cidadãos para finalidades para as quais não obteve consentimento explícito em casos de "segurança nacional" ou mesmo para para oferecer serviços públicos como benefícios sociais e subsídios.

Isso em um país onde o governo está fazendo uma coleta maciça de dados de seus cidadãos, com armazenamento de dados biométricos e informações sobre saúde, veículos e finanças de todos os cidadãos indianos.

"Como o governo pretende usar esses dados?", questiona Salman Waris, advogado especializado em tecnologia e sócio-diretor do TechLegis, escritório focado no setor. "A Índia está no mesmo caminho que a China, que está perfilando todos os seus cidadãos e usando essas informações do jeito que bem entende."

Em 2021, a Índia adotou as draconianas Regras de Tecnologia da Informação (TI). As plataformas passaram a ter novas obrigações para ter direito ao chamado "porto seguro" imunidade de responsabilização por conteúdo ilegal postado por terceiros, a não ser após descumprimento de ordem de remoção do governo, semelhante ao Marco Civil da Internet no Brasil.

As regras exigem que as plataformas removam conteúdo dentro de 36 horas após determinação do Estado e forneçam informações requeridas por órgãos de segurança. Também exigem que as big techs tenham representantes locais para responder a eventuais solicitações do governo. Essa última exigência chega a ser considerada uma forma de "fazer reféns", já que os funcionários indianos podem acabar na prisão se não cumprirem as ordens.

Também para garantir o "porto seguro", as plataformas são obrigadas a informar os usuários sobre conteúdos que cuja publicação é proibida, como postagens que ameaçam a soberania e integridade da Índia, que atrapalham o relacionamento com países amigos, que incitam a violência, que perturbam a ordem pública e que atentam contra a decência e moralidade.

Outra medida prevista nas regras, que está sendo questionada na Justiça, é a rastreabilidade de mensagens em aplicativos como WhatsApp, Telegram e Signal. Ela exige a identificação da primeira pessoa que enviou determinada mensagem, caso demandada pelo governo. Segundo as empresas, ela acaba com a criptografia e o sigilo das informações.

As regras vieram na esteira de crescentes embates entre o governo Modi e as big techs. Em fevereiro de 2021, o país foi tomado por protestos contra as novas leis agrícolas, e o governo determinou a derrubada de perfis e postagens críticas ao premiê. A princípio, as plataformas resistiram, o que irritou o governo Modi. Quando o Twitter rotulou uma postagem de um integrante do partido governista como "mídia manipulada", a empresa foi alvo de uma operação policial e seus funcionários receberam ameaças de prisão. A plataforma acabou cedendo e removeu 500 perfis.

Em 2022, uma emenda às Regras de TI apertou ainda mais o cerco. Além de informar os usuários sobre conteúdo proibido, as plataformas deveriam "fazer esforços razoáveis" para evitar essas publicações, o que implica em ativamente filtrar e derrubar conteúdo.

Em abril de 2023, uma nova emenda foi além e determinou que conteúdo relativo ao governo classificado como "falso" por um órgão estatal de checagem de fatos precisa ser removido das plataformas de internet na prática, dando poder de censura ao governo Modi.

"É uma ameaça à liberdade de imprensa, pois uma reportagem investigativa apontando atos de corrupção do governo pode ser removida com a desculpa de ser [considerada] 'fake news'", afirma Prateek Waghre, diretor de políticas da Internet Freedom Foundation.

Em janeiro deste ano, o governo Modi invocou as leis e determinou ao YouTube que retirasse do ar em 36 horas trechos do documentário da BBC "Índia: A Questão Modi". A obra trata da participação do premiê em conflitos violentos entre muçulmanos e hindus no estado de Gujarat, em 2002, quando ele era ministro-chefe (equivalente a governador). Modi também ordenou ao X (ex-Twitter) que removesse postagens que contivessem links para o documentário e indicou 50 dessas publicações.

Segundo um integrante do governo informou ao jornal The Hindu, o documentário deveria ser derrubado porque minava a "soberania e integridade da Índia" e tinha o potencial de impactar "a ordem pública".

Agora, o governo indiano se prepara para levar a voto a nova Lei Índia Digital, que determina que as big techs só terão imunidade caso ela seja concedida diretamente pelo governo, como se fosse uma licença.

"O governo está usando o tamanho do mercado da Índia [837 milhões de assinantes de internet, atrás apenas da China] como alavancagem para negociação. Se não seguirem as ordens, [as plataformas] estão fora do mercado", diz Waris, do TechLegis.

Enquanto isso, a Índia se mantém como o país que mais bloqueia a internet no mundo segundo a Access Now, foram 84 interrupções no ano passado. Em segundo lugar veio a Ucrânia, um país em guerra, com 22 bloqueios.

Jyoti Panday, pesquisadora do Projeto de Governança da Internet no Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA), diz entender a necessidade de regulação das big techs. "Sem a ameaça de legislação, elas não fazem nada, já vimos isso." Mas, para ela, a Índia está criando o pior tipo de regulação. "É preciso ter legislação focada em transparência. Do jeito que a lei evoluiu na Índia, concentrou todo o poder nas mãos do governo."

Waghre, da Internet Freedom Foundation, faz outra ponderação. "Não queremos que as plataformas tenham o poder de decidir o que é liberdade de expressão. Mas queremos que o governo tenha esse poder?"

Procurada, a embaixada da Índia não se pronunciou até a publicação desta reportagem. Nas redes sociais, o ministro de Estado para Tecnologia da Informação, Rajeev Chandrasekhar, defendeu a Lei de Privacidade de Dados. "A nova lei vai proteger os direitos de todos os cidadãos, permitir que a economia da inovação se expanda e autorizar que o governo tenha acesso legítimo [a dados] em casos de [ameaça] à segurança nacional e emergências".

Ele também rebateu as críticas contra as emendas de 2023. "Se [as plataformas] terão a imunidade, elas precisam obedecer. Não pode existir uma desculpa para escapar da responsabilidade. Não é uma tentativa de censurar conteúdo."

 

Ø  Canadá acusou Índia de matar ativista sikh com base na “inteligência ocidental”, diz embaixador dos EUA

 

A inteligência obtida pela rede Five Eyes fez o Canadá acusar publicamente o governo indiano de ter desempenhado um papel no assassinato de um ativista separatista Sikh em solo canadense, disse o embaixador dos EUA no Canadá no domingo (25).

Estou “confirmando que houve inteligência compartilhada entre os parceiros do Five Eyes que ajudou a levar o Canadá a fazer as declarações que o primeiro-ministro fez”, disse o embaixador dos EUA no Canadá, David Cohen, ao período de perguntas da CTV com Vassy Kapelos em uma entrevista de domingo.

Five Eyes é um pacto de compartilhamento de inteligência entre os Estados Unidos, o Reino Unido, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, embora o embaixador não tenha confirmado se essa inteligência partilhada veio dos EUA. “Eu não sou. Eu não faria isso em nenhuma circunstância”, disse Cohen.

·         Entenda o caso

As relações entre a Índia e o Canadá despencaram na semana passada, depois que o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, disse que as autoridades estavam investigando “alegações plausíveis” de que Nova Delhi estava potencialmente por trás do assassinato de Hardeep Singh Nijjar, um ativista separatista sikh, que foi morto a tiros por dois homens mascarados em Surrey, na Colúmbia Britânica, em junho.

A Índia negou veementemente as alegações, chamando-as de “absurdas e motivadas”. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia, Arindam Bagchi, disse que o Canadá “não forneceu nenhuma informação específica” para apoiar as alegações.

Ambas as nações expulsaram diplomatas seniores em movimentos recíprocos, levantando a perspectiva de um conflito estranho entre os principais parceiros dos EUA.

A briga agravou-se ainda mais na semana passada, quando a Índia suspendeu os serviços de vistos para cidadãos canadenses devido ao que considerou serem “ameaças à segurança” contra diplomatas no Canadá.

Em declarações à CTV, Cohen disse que os EUA expressaram a sua preocupação à Índia sobre as alegações e pediram a Nova Dheli que cooperasse com o Canadá na sua investigação.

“Se [as alegações] se provarem verdadeiras, é uma violação potencialmente muito grave da ordem internacional baseada em regras”, disse o embaixador.

No domingo, o ministro da Defesa canadense, Bill Blair, procurou mudar o foco das questões sobre sua inteligência para a investigação criminal do assassinato de Nijjar.

Numa entrevista à CBC, Blair disse que a parceria Five Eyes é “extremamente importante” e que o Canadá tem “inteligência muito plausível que nos deixa profundamente preocupados”, mas recusou-se a identificar as fontes dessa informação.

“É outra razão pela qual coloco tanta ênfase na investigação que está decorrendo, que conseguiríamos ir além da inteligência credível para provas, provas fortes, de exatamente o que aconteceu, para que nós e o governo indiano saibamos a verdade, ter os fatos e depois trabalhar juntos para resolvê-lo de maneira apropriada”, disse ele.

Trudeau instou na quinta-feira (21) a Índia a “eliminar a total transparência e garantir a responsabilização e a justiça desta forma”.

“Apelamos ao governo da Índia para trabalhar conosco. Levar a sério estas alegações e permitir que a justiça siga o seu curso”, disse o primeiro-ministro na Missão do Canadá nas Nações Unidas.

Trudeau disse que o Canadá não pretende provocar ou causar problemas, mas disse que o seu sistema judicial, “e processos robustos seguirão o seu curso”, no que diz respeito à investigação da alegação.

Numa declaração forte aos jornalistas na quinta-feira, Bagchi chamou o Canadá de “porto seguro para terroristas” e que o Canadá precisava “se preocupar com a sua reputação internacional” na sequência das suas alegações explosivas.

Bagchi disse que a suspensão dos serviços de vistos para cidadãos canadenses foi devido ao “incitamento à violência” e à “inação” das autoridades canadenses.

“A criação de um ambiente que perturba o funcionamento do nosso alto comissariado e dos consulados é o que nos faz parar temporariamente a emissão de vistos ou a prestação de serviços de vistos”, disse Bagchi.

·         Militância ou campanha?

Faz tempo que o governo indiano acusa o Canadá de inação ao lidar com o que considera ser o extremismo separatista Sikh, que visa criar uma pátria Sikh separada, chamada Khalistan e incluiria partes do estado indiano de Punjab.

Nijjar apoiou abertamente a criação do Khalistan. A Índia considera os apelos por Khalistan uma grave ameaça à segurança nacional.

Vários grupos associados à ideia de Khalistan estão listados como “organizações terroristas” sob a Lei de Atividades Ilícitas (Prevenção) da Índia (UAPA). O nome de Nijjar aparece na lista de terroristas da UAPA e, em 2020, a Agência Nacional de Investigação da Índia acusou-o de “tentar radicalizar a comunidade Sikh em todo o mundo em favor da criação do ‘Khalistan’”.

Várias organizações Sikh no exterior afirmam que o movimento está sendo falsamente equiparado ao terrorismo pelo governo indiano e afirmam que continuarão a defender pacificamente a criação do Khalistan, ao mesmo tempo que trazem à luz o que dizem ser anos de abusos dos direitos humanos enfrentados pela comunidade em Índia.

Segundo a polícia local, Nijjar foi morto a tiros em seu caminhão em junho por dois assassinos mascarados do lado de fora de um templo Sikh no oeste do Canadá.

A sua morte chocou e indignou a comunidade Sikh no Canadá, uma das maiores fora da Índia e lar de mais de 770 mil membros da minoria religiosa.

A polícia canadense não prendeu ninguém conectado com o assassinato de Nijjar. Em uma atualização de agosto, o órgão estava investigando três suspeitos e divulgou uma descrição de um possível veículo de fuga, pedindo a ajuda do público.

 

Fonte: FolhaPress/CNN Brasil

 

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