Glauco Faria: O chororô dos super-ricos e seus sabujos
Para
taxar o 0,001% dos brasileiros que acumulam centenas de bilhões em fundos e
paraísos fiscais… quanta comoção! Dinheiro sai da economia e não gera empregos,
só endividamento. Mas a reação quer imputar aos pequenos a culpa dos tubarões
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A atual discussão em torno das taxações sobre os
fundos exclusivos e o dinheiro brasileiro em paraísos fiscais fora do país traz
muito da história da formação do Brasil e também sobre como estamos fora de
debates no resto do mundo, onde se discute como reduzir a desigualdade tendo
como um dos instrumentos uma maior tributação dos mais ricos.
Na última segunda-feira (28), o governo federal
publicou uma medida provisória (MP) prevendo a aplicação de alíquotas de 15% a
20% de Imposto de Renda sobre rendimentos dos fundos exclusivos, e também foi
enviado um projeto de lei ao Congresso Nacional para tributar o capital de
residentes brasileiros nos paraísos fiscais, com alíquotas de 0% a 22,5%.
A primeira reação veio do próprio Legislativo, já
que originalmente as duas iniciativas estavam contempladas na MP do Salário
Mínimo, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), forçou um acordo para
retirar os dispositivos. Depois, vozes de sempre que costumam aproveitar os
holofotes da mídia para denunciar “aumento de impostos” e outros lugares-comuns
utilizados sempre para preservar privilégios.
Primeiro, é importante saber quem seria atingido
pelas mudanças. No caso dos fundos exclusivos, pertencentes a um único titular,
são 2,5 mil pessoas que acumulam R$ 756,8 bilhões nestas aplicações,
aproximadamente 12,3% do total dos fundos no Brasil. Mas com regras
diferenciadas em relação aos outros investidores de fundos: são tributados pelo
Imposto de Renda somente na hora do resgate, enquanto os demais são cobrados
duas vezes por ano, no sistema come-cotas. Trata-se simplesmente de estabelecer
uma isonomia de tratamento entre os grandes e os pequenos.
No caso dos paraísos fiscais, offshores e trusts,
mais uma vez apenas uma parcela pequena será afetada. Rendimentos menores do
que R$ 6 mil por ano não serão tributados, ganhos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil
terão alíquota de 15% e acima de R$ 50 mil serão taxados em 22,5%.
Este é um problema global. Os paraísos fiscais
respondem por uma perda de arrecadação global de US$ 480 bilhões por ano, ou R$
2,340 trilhões, segundo relatório da Tax Justice Network. No Brasil, são
responsáveis pela evasão de US$ 8 bilhões por ano, em torno de R$ 40 bilhões.
Como destaca
a Agência Brasil, para efeito de comparação este foi o orçamento do
ano inteiro aprovado para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica (Fundeb).
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Os defensores dos
super-ricos
São iniciativas pontuais importantes do ponto de
vista arrecadatório e que, na prática, mexem muito pouco na estrutura
regressiva do sistema tributário brasileiro, que castiga os mais pobres e é
generoso com os mais ricos. Mesmo assim, a reação é grande.
Houve jornalista dizendo, sem qualquer dado, que a
mudança diminuiria a base de arrecadação porque os donos do dinheiro retirariam
seu dinheiro dos fundos, recursos estes que ajudariam no “desenvolvimento do
país”. Alguns utilizaram como base para a afirmação um dado divulgado pela
Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima),
mostrando que entre janeiro e julho de 2023 teriam sido sacados R$ 71,4 bilhões
em resgates líquidos dos fundos exclusivos. Um “analista” mais afoito afirmou
que tal resultado era uma amostra da alegada inteligência dos endinheirados em
fugir da tributação que eles já imaginavam que seria implementada.
O fato é que a Anbima corrigiu a informação
(correção que, obviamente, recebeu menos destaque do que a desinformação
inicial). Houve, na verdade, captação líquida positiva de R$ 13,7 bilhões entre
janeiro e julho de 2023, ou seja, entrou mais dinheiro do que saiu. “Não se
tratou de um erro metodológico, de captura ou de consolidação de dados. A falha
ocorreu ao copiar números incorretos e encaminhá-los por engano”, disse a
nota da associação.
Muitos dos defensores dos super-ricos têm
interesses evidentes, com acessos e facilidades que reforçam sua “ideologia”.
Mas muitos o fazem por eventuais mitos que são propagados como este de que o
dinheiro depositado nos fundos fechados financiariam o desenvolvimento. Na
prática, são recursos esterilizados, que pouco ou nada contribuem para a
sociedade, como já ressaltou o economista e professor da PUC-SP Ladislau Dowbor,
em especial no seu livro A
Era do Capital Improdutivo, mas também neste
artigo em que diz:
“Hoje,
enriquecer os ricos não gera produção, empregos e receita para o Estado, e sim
aplicações financeiras, endividamento da população, das empresas e do setor
público. Quando as fortunas se tornam imensas, os gestores e proprietários
recorrem à evasão fiscal e, inclusive, aos paraísos fiscais. Em geral, são
suficientemente poderosos para fazê-lo impunemente.”
Assim, cai outro argumento recorrente de que os
bilionários ou grandes corporações “geram muitos empregos” e por isso
mereceriam proteção. Certamente não é o dinheiro imobilizado no sistema
financeiro que se transforma em trabalho. Em 2022, por exemplo, levantamento do
Sebrae feito com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostra
que, a cada dez postos de trabalho gerados no país, aproximadamente oito foram
criados pelas micro e pequenas empresas. Transnacionais e mega-corporações,
além de concentrar mercado e regular preços prejudicando consumidores,
fagocitam os menores e destroem empregos.
·
Mudança cultural
Muitos fatores podem explicar que pessoas da classe
média consigam se identificar mais com os super-ricos do que com pessoas que
estariam mais próximas no estrato social. Desde uma ilusão de que poderiam
viver uma espécie de “sonho americano” tropical, onde muito trabalho e
dedicação trariam sucesso financeiro, como a própria estrutura histórica
brasileira baseada em uma abolição ainda inconclusa que impede a mobilidade
social. Além disso, a teologia da prosperidade pregada pelas igrejas
neopentecostais, cada vez mais influentes e com maior alcance no país, servem
para justificar a riqueza de quem está no topo. A meritocracia a serviço
do status quo.
Nos Estados Unidos, a extrema-direita conseguiu se
servir de um discurso que culpabilizava os mais vulneráveis pela decadência
econômica da classe média, a exemplo do que fez e faz o bolsonarismo no Brasil.
O triunfo de Donald Trump – aliás, um bilionário – em 2016, não teria sido
possível sem vitórias em regiões fortemente afetadas pela desindustrialização.
Os alvos eram os migrantes, a China e os recursos destinados à assistência
social (com forte conotação racista), moldando uma política do ressentimento
que fornece soluções simples para questões complexas.
Na ótica trumpista, nada de discutir aquilo que
levou diversas cidades dos Estados Unidos à ruína: destruição do Estado,
excessiva concentração econômica, terceirização, automação e reengenharias de
empresas que precarizavam empregos. Assim preservam-se bilionários e os inimigos
passam a ser aqueles que já sofrem com a dinâmica socioeconômica.
A grita contra o Bolsa-Família à época de sua
criação e, de certa forma, até hoje, mostra que a direita e os extremistas
brasileiros sabem também quais inimigos escolher para preservar os privilégios
da casta de cima. Não à toa quase
toda a elite econômico-financeira topou o projeto bolsonarista.
Reverter a desigualdade histórica que caracteriza o
Brasil não é tarefa trivial, dados tantos interesses que estão arraigados
fortemente por setores que detêm muito poder e contam com aliados em toda
parte, além de um caldo cultural orientado pelo elitismo que os favorece. Por
isso, a estratégia política da esquerda precisa contemplar a denúncia a
respeito do papel predatório dos super-ricos, bilionários e das grandes
corporações, incluindo explicações didáticas e acessíveis. Como já se faz em
outros países, inclusive nos próprios Estados Unidos, onde o senador Bernie
Sanders tem sido personagem central na luta dos trabalhadores da Amazon ao
destacar o contraste entre os privilégios e lucros do fundador da corporação,
Jeff Bezos, e as condições de seus funcionários. Apontar a exploração do
trabalho é tarefa permanente.
Ø Proposta para 2024 sugere elevação de R$ 101 no salário mínimo,
chegando a R$ 1.421
O Executivo federal planeja encaminhar ao Congresso
uma proposta para elevar o salário mínimo para R$ 1.421 em 2024, um acréscimo
de R$ 101 em relação ao valor atual de R$ 1.320. A ministra do Planejamento,
Simone Tebet, foi a responsável pelo anúncio.
O novo valor está incluído no projeto da Lei
Orçamentária Anual, que será submetido ao Congresso ainda hoje pelos
ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento. A proposta está alinhada
com a política de valorização do salário mínimo estabelecida durante o governo
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já ratificada pelo Legislativo.
De acordo com a legislação atual, o aumento do
salário mínimo será determinado pela combinação do índice de inflação do ano
anterior e o crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos
antecedentes. O índice de inflação a ser utilizado será o Índice Nacional de
Preços ao Consumidor (INPC), acumulado nos doze meses até novembro do ano
anterior ao reajuste. Caso o PIB não apresente crescimento, o ajuste será
baseado unicamente na inflação.
O valor proposto ainda é preliminar. Se o INPC
acumulado até novembro de 2023 divergir das projeções, o governo deverá revisar
o montante. A definição final do salário mínimo para 2024 ocorrerá até o final
deste ano.
A política de ajustes baseada na inflação e no PIB
esteve em vigor entre 2011 e 2019, mas nem sempre resultou em aumentos do
salário mínimo acima da inflação. Em 2017 e 2018, por exemplo, o reajuste foi
feito apenas com base na inflação, devido à retração do PIB nos anos de 2015 e
2016.
Durante a administração do presidente Jair
Bolsonaro, os ajustes do salário mínimo seguiram apenas a variação da inflação,
conforme diretrizes da equipe econômica liderada pelo ministro Paulo Guedes.
Segundo dados divulgados em maio pelo Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário
mínimo é referência para cerca de 54 milhões de brasileiros.
Fonte: Outras Palavras
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