Denise Assis: Integrantes da CPMI estão convencidos de que já há
elementos robustos para incriminar Bolsonaro
Há uma corrente de forças dentro da Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os atos terroristas de 8 de
janeiro, que busca adiar o seu término. Puxando o cordão está o presidente
Arthur Maia (União-BA), que não esconde a sua posição mais para a direita. A
situação, no entanto, acredita que já há elementos suficientes para incriminar
o ex-presidente Jair Bolsonaro, com o material colhido até agora. Ainda assim,
apostam que as cinco sessões de depoimentos que restam podem agregar mais
elementos ainda, coroando os trabalhos dentro do prazo.
Enquanto isto, a defesa do general Augusto Heleno
que se dirigiu ao STF para tentar tirá-lo dos holofotes da CPMI, livrando-o do
depoimento de amanhã (26/09), em que ele certamente será espremido como uma
laranja, saiu derrotada. Heleno terá que comparecer. De acordo com o despacho
do ministro Zanin, publicado pelo 247, tento, no entanto, o direito de
permanecer calado sobre fatos que julgar, irão incriminá-lo.
Apesar de haver jurisprudência de situações de CPIs
anteriores – como a da Covid 19, em que o governador do Amazonas, Wilson Lima,
foi dispensado por ter foro privilegiado e, nesta de agora, em que a
subsecretária de Inteligência do então ministro da Justiça, Anderson Torres,
Marília Alencar, não precisou comparecer para depor, por decisão do ministro
(indicado por Bolsonaro), Kassio Nunes Marx -, Augusto Heleno não levou essa.
Terá de comparecer. O argumento usado por sua defesa foi o de que o general
está indo na condição de testemunha, mas o comportamento e a pressão dos
inquisidores podem colocá-lo no lugar de investigado.
Os integrantes da CPMI já fizeram um balanço dos
entraves e avanços conseguidos até agora e concluíram que estrategicamente é
importante robustecer um pouco mais o entendimento de “autoria intelectual”, as
agitações populares e o discurso mobilizador violento. Sobretudo no caso de
Bolsonaro. A CPMI está de posse de evidências de que ele foi o autor
intelectual e ajudou a insuflar as manifestações. Os integrantes trabalham
agora, nessa reta final, para intensificar a solidez desse entendimento.
Um dos trunfos com que contam é justamente o
depoimento do general Augusto Heleno, pois vieram dele vários sinais de
participação ativa e declarações do tipo:” Ladrão não sobe a rampa”. De acordo
com uma fonte ligada aos trabalhos, a ideia é entender esses “apitos de
cachorro” e de como isto se liga ao ex-presidente”.
Outro ponto é entender de uma vez por todas a
participação dos militares em prol do golpe. Por exemplo, ouvindo o ex-ministro
da Defesa neste epílogo, para entender “como o ministério da Defesa foi usado
como base para estudos golpistas”, reforçou a fonte. Como eles subsidiaram com
capital humano as ações do Bolsonaro? É o que resta saber.
Os integrantes estão convencidos de que nem sempre
o que ia pela boca de Bolsonaro eram declarações que saíam apenas da sua
cabeça. “Houve método”, disse a fonte. “Eram coisas que já vinham sendo
incorporadas nos discursos dos militares e de outros”.
Uma prioridade nessa reta final é elencar os
financiadores, incluindo o uso indevido da máquina pública. De acordo com a
fonte, “seria o caso agora de ver se o Estado patrocinou de alguma forma esses
atos golpistas”, diz. “A gente sabe, por exemplo, que o acampamento aqui de
Brasília usava a energia elétrica do QG, e a gente imagina que isso tenha sido
com a anuência do exército. Então o que se quer é entender, por exemplo, como o
Ministério da Justiça, a PRF, enfim, todas essas organizações, autarquias,
instituições governamentais foram utilizadas nessas ações golpistas. Essas são
as prioridades, de acordo com o balanço feito dos trabalhos da CPMI”, resume.
A estratégia nessa fase, quando ainda haverá cinco
oitivas a serem definidas, é não perder nenhuma oportunidade. Uma é a do
general Augusto Heleno, que se dará amanhã (terça-feira, 26/09, caso ele não
consiga faltar, com o aval do STF). Na quinta-feira será a vez de Alando dos
Santos, um dos três terroristas que colocaram a bomba no aeroporto – e já
condenado por isto. Restariam mais três oitivas a serem realizadas. Uma delas,
o presidente Arthur Maia faz questão que seja a do coronel Sandro, chefe da
Força Nacional.
Há poucas horas, (hoje, 25/09) em entrevista à CNN,
ele condicionou: só pautará a convocação de citados na delação de Mauro Cid se
governistas aceitarem também chamar Sandro Augusto Queiroz, coronel que
comandava a Força Nacional no dia dos ataques de 8 de janeiro. Os integrantes
da CPMI entendem que não há nenhuma necessidade de trazê-lo, porque a Força
Nacional apenas cumpre ordens, não tem papel de planejamento ou organização.
“Ela só vai lá colocar ordem no estado ou no território, mas já que se tem de
abrir mão para trazer nomes mais importantes, que seja”, conforma-se a fonte.
Não há necessidade, mas também não tem problema, argumentam. “A gente concorda
em nome de trazer outros nomes que são importantíssimos, na avaliação de
todos”, diz. “Então que venha o coronel Santos, satisfazendo um desejo maior da
oposição, para ouvirmos pessoas mais importantes, como o Almirante Almir
Garnier, o supremacista branco, Filipe Martins.... A exigência não é nem da
oposição. É Arthur Maia, que está irredutível. Essa seria a nossa moeda de
troca, esclarece a fonte.
“Dessas três
oitivas que ainda não estão marcadas, a do dia 3, a do dia cinco e a de 10 de
outubro, que são as que ainda estão em aberto, a gente já tem o Braga Netto, no
dia 5, que foi reagendada. Sobrariam apenas duas oitivas para marcar. Como já
tem esta da Força Nacional, sobraria apenas uma oitiva”. Ou seja, uma espécie
de bala de prata.
O que os membros terão de resolver agora é se
chamam de novo o Mauro Cid - que pouco vai poder acrescentar, já que
estabeleceu compromisso com a delação premiada -, se chamam o ex-ministro da
Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, ou se jogam uma última cartada na tentativa de
trazer Bolsonaro. A maior torcida é pelo Almirante Garnier. A avaliação é a de
que Bolsonaro fará “palquinho” na CPMI, enquanto o almirante Garnier,
abandonado pelos seus, talvez abrisse o bico. A conferir.
Força
Nacional alertou para violência no 8/1 em relatório mantido em sigilo pelo
governo
Um relatório de inteligência produzido pela Força
Nacional de Segurança Pública em 5 de janeiro alertou sobre a possibilidade de
atos violentos em Brasília contra o resultado das eleições por parte de CACs
(caçadores, atiradores e colecionadores).
O documento afirmou que havia preparativos em curso
para um atentado contra as instituições no dia 8 de janeiro (inclusive com o
uso de armas de fogo e explosivos artesanais) e sugeriu a existência de uma
"associação extremista criminosa com motivações
político-ideológicas".
O relatório listou uma série de mensagens trocadas
em um grupo de WhatsApp com 237 integrantes chamado "Rifas tiro e
pesca", e concluiu: "Alguns membros mais exaltados podem vir a
concretizar o que planejam e manifestam em suas postagens".
"No grupo em discussão, percebemos vários
diálogos onde integrantes instigam os demais a participarem de um ato que
ocorrerá em Brasília no próximo dia 08 de janeiro do corrente ano, não de forma
pacífica, mas com o uso de violência mediante a utilização de armas de fogo,
bem como explosivos artesanais", disse o texto.
Na conversa, os participantes --a maioria CACs,
grupo beneficiado pela política armamentista do ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL)-- reclamaram de medidas anunciadas pelo governo Lula (PT) para endurecer o
acesso a armas, trocaram informações sobre a fabricação de armamentos, e se
organizaram para uma ação violenta na capital do país.
"No informe apresentado, em sua grande
maioria, os membros do grupo mostram insatisfação com a nova Administração
Federal e com as medidas tomadas recentemente, que mudaram as regras de posse e
porte de armas em todo o território nacional", afirmou o relatório.
"Por esse motivo, alguns membros supostamente
fizeram postagens que mencionam fazer a fabricação e uso de explosivos em
manifestações que estão sendo planejadas, segundo os mesmos, para acontecer em
Brasília", concluiu.
A existência do relatório de inteligência da Força
Nacional é conhecida desde janeiro, mas, desde então, diferentes autoridades
questionadas pela Folha de S.Paulo afirmaram desconhecer o teor do documento.
A CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal
pediu cópia do relatório no início das investigações, sem sucesso. Em maio, a
Folha de S.Paulo solicitou a íntegra via LAI (Lei de Acesso à Informação), mas
a Força Nacional respondeu que o documento estava sob sigilo e negou o acesso.
A lista de destinatários do documento indicou que
uma cópia foi entregue ao diretor da Força Nacional de Segurança Pública e à
Diretoria de Inteligência do Ministério da Justiça, mas não citou nomes.
Questionado, o ministério afirmou que quem
respondia pelos órgãos na data, respectivamente, eram os delegados Ivair Matos
Santos e Tomás de Almeida Viana.
A pasta destacou que Tomás era "oriundo da
antiga gestão" e estava à frente da Diretoria de Inteligência no lugar da
antiga titular, Marília Alencar --braço direito de Anderson Torres, ex-ministro
de Bolsonaro. Marília acompanhou Torres de volta à Secretaria de Segurança
Pública do Distrito Federal após a vitória de Lula e era responsável pela
inteligência da pasta no dia 8 de janeiro.
Até o final do governo Bolsonaro, a Força Nacional
estava sob o comando do coronel José Américo Gaia, hoje secretário de Segurança
Pública do Acre. Ele foi exonerado em 2 de janeiro. O diretor atual, Fernando
Alencar Medeiros, só foi nomeado no dia 9, após os atentados golpistas.
Já a Diretoria de Inteligência do Ministério da
Justiça, àquela altura, estava sendo transformada em Diretoria de Operações
Integradas e de Inteligência. A organização atual do ministério passou a valer
no dia 24 de janeiro. Por isso, autoridades relatam que, nos primeiros dias do
ano, o organograma estava sendo reformulado e muitos cargos continuavam vagos.
Em nota, o Ministério da Justiça afirmou que não é
possível saber o que foi feito a partir do relatório. A pasta disse que o
documento foi entregue à Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, a
quem compete o policiamento da Esplanada dos Ministérios.
"Pelas informações levantadas, não há
registros na DIOPI [Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência] que
permitam saber que providências foram adotadas na então Diretoria de
Inteligência a partir da recepção desse relatório. O envio para a Secretaria de
Segurança Pública do Distrito Federal decorre do fato de este ser o órgão
competente legalmente para o policiamento ostensivo da Esplanada dos
Ministérios."
O documento da Força Nacional de Segurança Pública
é um dos únicos relatórios de inteligência produzidos sobre o risco de ataques
em 8 de janeiro, já que a própria Abin (Agência Brasileira de Inteligência)
admite ter enviado apenas "alertas" de inteligência por WhatsApp.
Além do documento da Força Nacional, só há registro
do relatório produzido pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal
dois dias antes do episódio. O teor do texto foi revelado pela Folha de S.Paulo
em 14 de janeiro.
Em um memorando de 25 de janeiro, a Secretaria de
Segurança Pública do Distrito Federal também afirmou ter recebido do próprio
Ministério da Justiça o documento da Força Nacional. A secretaria disse que
esse foi o único relatório de inteligência anterior ao dia 8.
Apesar de a segurança da Esplanada dos Ministérios
ser de responsabilidade do Governo do Distrito Federal, a oposição pressiona
pela convocação do diretor substituto da Força Nacional e do ministro da
Justiça, Flávio Dino (PSB), na CPI do 8 de janeiro.
Dino colocou os homens à disposição do governador
Ibaneis Rocha (MDB) na véspera dos ataques, mas eles só foram acionados no
próprio dia 8, quando o Congresso, o Palácio do Planalto e o STF (Supremo
Tribunal Federal) já tinham sido invadidos e depredados.
Fonte: Brasil 247/FolhaPress
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