sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Cidades sofrem com o “overtourism” e turistas enfrentam retaliação de residentes e governos locais

O turismo é frequentemente considerado benéfico para as cidades, pela geração de empregos e aumento do comércio. Entre janeiro e julho deste ano, 700 milhões de pessoas viajaram internacionalmente, 43% a mais do que no mesmo período do ano passado. Em 2022, o número de turistas internacionais atingiu quase 1 bilhão.

Os números ainda não alcançaram os do período pré-pandêmico, mas muitas cidades estão sofrendo os efeitos do grande número de visitantes. “Cidades antes tranquilas, agora enfrentam uma invasão de turistas, o que pode trazer problemas ambientais, de infraestrutura e conflitos sociais”, diz Lúcia Silveira Santos, doutoranda em Turismo pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. A Europa é uma das mais afetadas pelo overtourism – a saturação de turistas. 

Na região central da Áustria é localizada uma pequena cidade, Hallstatt. Com cerca de 740 residentes, virou um destino popular e recebeu 1,2 milhão de turistas em 2019. Dubrovnik, na Croácia, enfrenta o mesmo problema: a cidade tem 41 mil moradores e recebeu 1,4 milhão de turistas em 2019. Por conta disso, as autoridades locais restringiram o número de cruzeiros que podem aportar por dia,  com até 4 mil passageiros por barco.

Em 2022, o número de turistas caiu para pouco mais de 1 milhão. Para aqueles que vivem nessas cidades, a situação é insustentável. São ruas lotadas, horas de espera em filas, preços exorbitantes para produtos e serviços básicos, entre outros. Até as paisagens não podem ser aproveitadas por conta do número de turistas. O resultado é uma crescente turismofobia, que é a rejeição aos turistas.

Cidades como Veneza e Amsterdã já estão tomando medidas para restringir o acesso a pontos turísticos e tentando diminuir o número de visitantes. Em Veneza, as ruas e pontes estreitas estão cada vez mais cheias de turistas: em 2019, foram 5,5 milhões. A cidade tem 50 mil habitantes. Para conter o overtourism, vai ser cobrada taxa de 5 euros para a entrada na cidade. É uma medida provisória ainda, mas pode virar regra. Além disso, já barrou navios de cruzeiro. Machu Picchu, Hong Kong e Barcelona enfrentam problemas parecidos. Na capital da Catalunha, foram 9,7 milhões de turistas em 2022. 

Em Amsterdã, um terminal de navios de cruzeiro foi fechado e foi proibido fumar cannabis nas ruas do bairo De Wallen, mais conhecido como Red Light District. Também foi emitido pedido para que jovens homens britânicos não visitassem mais a cidade por conta da má conduta. A cidade tem menos de 1 milhão de habitantes, mas atrai mais que esse total de turistas por mês. 

·         E no Brasil?

Não só no exterior esse problema é notado. No Brasil, o aumento de turistas em períodos de férias de verão gera engarrafamentos, blecautes, falta ou encarecimento de insumos e poluição. Porto de Galinhas (PE), Pipa (RN) e outras cidades do litoral paulista, como Santos, Praia Grande e Ilhabela também sofrem com o overtourism

“A infraestrutura desses lugares não foi projetada para suportar a quantidade de pessoas que os visitam”, diz a doutoranda. Apartamentos de aluguel como os da plataforma Airbnb ficam mais caros, priorizando os turistas e afastando os moradores para regiões periféricas.

Em 2022, mais de 3,6 milhões de turistas internacionais visitaram o Brasil. A Ilha de Fernando de Noronha (PE), um dos destinos mais procurados, restringiu o número de visitantes: são no máximo 132 mil por ano e 11 mil por mês. Também em Pernambuco, Porto de Galinhas teve um aumento de 19% no número de passageiros neste ano em comparação com 2022, segundo um levantamento da Azul Viagens. Apenas pela empresa, foram mais de 20 mil passageiros embarcados até julho deste ano. 

·         Soluções 

Segundo a Organização Mundial do Turismo, o número de turistas internacionais foi de 25 milhões em 1950 para 1,3 bilhão em 2017. As estimativas da OMT são de que o mundo atinja 1,8 bilhão de turistas internacionais em 2030. Isso deve piorar a situação de vários destinos.

Mário Beni, professor da ECA-USP e cientista do turismo, diz que nem tudo está perdido e que há algumas soluções para esse problema. “Uma delas é o uso de instrumentos de controle que abarquem todo o trade de turismo para que seja possível, por exemplo, emitir alertas a agentes de viagem sobre a saturação das vendas de determinados destinos quando um limite de comercialização for atingido”, diz. Outra possibilidade levantada pelo professor é investir em destinos menos conhecidos, buscando o turismo sustentável, que procura equilibrar as necessidades dos turistas com a preservação do meio ambiente e a qualidade de vida dos residentes locais. 

Para Lúcia, porém, o turismo sustentável não é responsabilidade apenas das autoridades locais: “Como viajantes, também desempenhamos um papel fundamental. Ao escolher destinos menos conhecidos, respeitar a cultura local, optar por meios de transporte sustentáveis e apoiar pequenas empresas locais, podemos contribuir para a redução do overtourism e promover um turismo mais consciente”.

 

Fonte: Jornal da USP

 

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