sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Alberto Paulo Neto: ‘Apesar de você, amanhã há de ser outro dia’ - 35 anos do fim da censura no Brasil

A censura é definida como um ato proibitivo de um órgão estatal, na esfera do executivo ou do judiciário. Hoje, é bastante recorrente a discussão sobre a censura ou a proibição da livre manifestação da liberdade de expressão, um tema que também passa pela análise histórica do nosso país, tendo em vista que ocorre desde o período colonial até o período da redemocratização e se tornou mais explícita durante a ditadura militar.

Na prática, censurar alguém, um órgão ou uma instituição, é proibi-lo de se manifestar seja por meio de um texto, de uma música, de uma expressão artística ou de qualquer outro modo que alguém possa pronunciar suas ideias ou convicções. Na história do Brasil, nós tivemos diversos tipos de censura. Por exemplo, a censura no período colonial sobre alguns livros e obras que não correspondiam à religião oficial da época e, mais recentemente, a censura institucionalizada pelo governo ditatorial militar.?

No período de 1964 a 1983, o Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, atuava na censura e proibiu determinadas atuações, livre manifestação de ideias, músicas ou expressões artísticas, que contrariavam o interesse do estado vigente. Em qualquer estado ditatorial ou totalitário em que órgãos estatais, seja por meio do agente executivo, judiciário ou legislativo, proíbe que os cidadãos e cidadãs manifestem suas queixas ao governante ou que façam críticas, constitui-se a censura. Então, ser censurado é ser impedido de usufruir da sua liberdade, seja política, religiosa ou cultural. Não é bom que qualquer estado democrático tenha um órgão que atue continuamente censurando seus cidadãos, porque isso impede o processo de aprendizagem democrática e da compreensão da diversidade e da pluralidade de opinião.?

Em um cenário onde se fala muito sobre liberdade de pensamento, de expressão e de que maneira a atuação do judiciário favorece ou impede o uso da nossa liberdade, conhecer mais sobre a censura é de suma importância. Na sociedade em que vivemos, uma sociedade tecnológica, muitas vezes se faz necessário que a figura do poder judiciário atue de forma extraordinária restabelecendo a ordem democrática para? impedir que falsas notícias, as fake news, sejam propagadas, já que podem causar maior dano do que sua livre permissão.

O desenvolvimento democrático de um Estado não deve ser cerceado, deve ser favorecido com a liberdade, mas devemos ter certeza e conhecimento, porque há regras a serem seguidas também no que se refere a fornecer e propagar informações não-verídicas ou usar os meios de comunicação de modo indevido. Isso se refere sobretudo às redes sociais na propagação de ideias, de convicções, que devem ter como objetivo sempre o entendimento com o outro.

Então, se nós avaliarmos o contexto de redemocratização que estamos vivendo hoje, nós temos muito a caminhar. O Brasil ainda tem que aprender por meio dos seus representantes, nós, brasileiros, a como agir democraticamente, como permitir que o outro tenha seu espaço de fala, sem medo ou repressões. Nós temos debates políticos que envolvem censura no país, mas se olharmos o tema da censura de forma mais ampla, podemos usar para outros espaços: religioso, étnico-racial, que também são censuradas ou proibidas determinadas manifestações públicas ou mesmo privadas. Pensar a longo prazo no desenvolvimento do Estado democrático de Direito é pensar o uso da nossa liberdade para o bem coletivo, o bem comum, social, não para a perpetuação de uma determinada perspectiva ideológica, um viés político, religioso, porque a democracia se nutre pelo uso da nossa liberdade para o bem comum.?

Juridicamente, a censura foi encerrada, saiu da ordem, mas é possível observarmos, na prática, agentes do estado de uma maneira mais veemente coibindo determinadas manifestações, até mesmo órgãos policiais. O que resta a partir do horizonte da constituição nos seus 35 anos é ter um espírito democrático em que possamos dar espaço àqueles que possuem opiniões diferentes para que se manifestem no espaço público, mas que tenham o mesmo compromisso de ouvir os que discordam e tentar chegar a um consenso, a um entendimento sobre princípios comuns.?

No mês em que relembramos os 35 anos do fim da censura estabelecida pela nossa Constituição Federal, é importante refletirmos sobre a ideia jurídica, as normas e as leis que fazem acontecer, na prática, um relacionamento mais democrático entre os cidadãos de maneira que as pessoas não se? sintam proibidas de exercer sua liberdade, desde que não seja de forma desrespeitosa, preconceituosa, discriminatória ou que impeça outra pessoa de usar sua livre expressão, liberdade de pensamento ou de consciência.

 

       Carrascos de Dilma caíram no esquecimento

 

Há exatos sete anos, o Senado determinava o afastamento definitivo de Dilma Rousseff (PT) do cargo de presidente da República. Três meses antes, a petista já havia sido retirada do cargo em caráter temporário, em mais uma etapa do processo iniciado ainda em dezembro de 2015, quando o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, deu prosseguimento ao pedido apresentado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal.

Além de Cunha e Janaína, que chegou a trocar o Direito pela política, o impeachment Dilma também envolveu vários outros personagens marcantes, parte deles envolvida até hoje, direta ou indiretamente, com os bastidores dos três Poderes. Aparecem nesta lista nomes como o ex-presidente Michel Temer, que era vice da petista e a substituiu no cargo, e o ainda senador Renan Calheiros, que presidia a mesma casa à época.

Alvo do processo, a então presidente passou a ser investigada após ser acusada de ter atrasado o repasse a bancos públicos para melhorar artificialmente as contas do governo federal, as chamadas “pedaladas fiscais”. Dilma foi afastada da presidência, cargo que ocupou entre 2011 e 2016, por força de votações realizadas na Câmara e no Senado, sendo substituída por seu vice, Michel Temer.

Atualmente, ela preside o Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco dos BRICS, em Xangai, na China. Neste mês, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) manteve a decisão que arquivou uma ação de improbidade administrativa contra a ex-presidente no caso das pedaladas. A decisão foi tomada pela 10ª Turma do TRF-1, que rejeitou um recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra uma decisão da primeira instância que havia arquivado a ação.

Após a decisão do TRF-1, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que era preciso discutir uma forma de reparar Dilma Rousseff pela perda do cargo. Na última segunda-feira, o deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) apresentou uma resolução que pede a devolução simbólica do mandato da ex-presidente.

Vice-presidente da República, Temer (MDB) não se posicionou ao lado de Dilma durante a crise política. Diante da iminente derrubada da petista, o peemedebista chegou a se descrever como um “vice decorativo” em uma carta endereçada a ela. Após o afastamento da presidente, Temer assumiu o cargo.

No ano passado, em entrevista ao Uol, o político, que hoje dá palestras em instituições no exterior, rejeitou que o impeachment contra Dilma tenha sido um golpe.

— Não houve golpe. Eu quero dizer que a ex-presidente é honesta. Eu sei, e pude acompanhar, que não há nada que possa apodá-la de corrupta. Ela é honestíssima. Mas houve problemas políticos. Ela teve dificuldades no relacionamento com a sociedade e com o Congresso Nacional. Esse conjunto de fatores levou multidões às ruas — afirmou.

Como presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB) foi o responsável por acolher o pedido de impeachment contra Dilma, em dezembro de 2015. O parlamentar autorizou a abertura do processo em retaliação ao PT, que se declarou favorável à cassação de seu mandato no Conselho de Ética da Casa. O processo contra Cunha, acusado de quebra de decoro parlamentar por negar ser o dono de recursos na Suíça, havia sido apresentado por PSOL e Rede, mas só prosperou quando o PT decidiu endossar a investigação.

Com muito poder de articulação, Cunha foi o principal responsável pela negociação para que o Centrão desembarcasse do governo Dilma. No entanto, o parlamentar perdeu capital político e viu seu poder se esvair ao ser cassado, três meses após o impeachment de Dilma.

Sem mandato, ele foi preso durante a operação Lava Jato, permanecendo em regime fechado por mais de três anos e em domiciliar por um. Sete anos após perder seu cargo, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha voltou a cruzar o plenário, desta vez como coadjuvante. O ex-parlamentar passou a acompanhar sua filha e herdeira política, Dani Cunha (União-RJ), eleita em 2022 e de quem é conselheiro.

Presidente do Senado Federal, cargo que ocupou entre 2013 e 2017, Renan Calheiros (MDB) foi o responsável por determinar o rito do processo de impedimento. Desde o início, tentou se posicionar de forma neutra diante do impeachment.

Atualmente, ainda como senador, tenta uma aproximação de Lula e da ala lulista do MDB. Após selar acordo de apoio com o atual presidente, durante a campanha eleitoral no ano passado, seu herdeiro, Renan Filho (MDB), foi escolhido para assumir o cargo de Ministro dos Transportes no governo do petista.

Uma das signatárias do pedido que culminou no impeachment de Dilma, Janaina Paschoal aproveitou o capital político adquirido para se tornar, dois anos depois, em 2018, a deputada estadual mais votada da história do país. A passagem pela Assembleia Legislativa de São Paulo, no entanto, foi curta.

No ano passado, ela tentou uma vaga no Senado, mas, enfraquecida após críticas ao então presidente Jair Bolsonaro, não obteve sucesso. Com cerca de 450 mil votos — menos de 20% dos mais de 2 milhões recebidos quatro anos antes —, Paschoal amargou o terceiro lugar na disputa, vencida por Marcos Pontes, apoiado por Bolsonaro.

Sem um cargo político, ela voltou, em 2023, a dar aula na Faculdade de Direito da USP. O retorno à instituição, porém, foi marcado pelo protesto de alunos.

Embora Dilma Rousseff não tenha sido um dos alvos diretos da Lava Jato, que começou oficialmente em 2014, a operação teve reflexos no enfraquecimento do PT. Os relatos de desvios de dinheiro público, guiados pelo personagem principal da investigação, o ex-juiz federal e hoje senador Sergio Moro, extrapolaram o âmbito processual e foram o estopim de manifestações anti-corrupção.

O enfraquecimento da operação teve início pela reação dentro do Congresso Nacional, que questionou os métodos da investigação, e se consolidou a partir da divulgação de conversas privadas entre os integrantes da força-tarefa, em episódio que ganhou o nome de Vaza Jato, em 2019.

Depois de abrir mão do cargo de juiz e assumir o posto de ministro da Justiça de Bolsonaro, fortalecendo as indagações sobre suas motivações políticas, Moro decidiu deixar o governo em meio a atritos com o então presidente. Nas últimas eleições, foi eleito senador pelo estado do Paraná.

Coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, o então procurador da República Deltan Dallagnol também foi um dos protagonistas da trama. Após deixar o cargo, que ocupou entre 2003 e 2021, filiou-se ao Podemos e se candidatou ao cargo de deputado federal pelo Paraná.

Eleito em 2022, exerceu o cargo até junho deste ano, quando o registro de sua candidatura foi cassado por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por fraude à Lei da Ficha Limpa. Os magistrados entenderam que o ex-parlamentar deixou o Ministério Público para escapar de punições referentes à Operação Lava-Jato.

Durante a votação do impeachment de Dilma na Câmara, o então deputado Jair Bolsonaro protagonizou um dos momentos mais marcantes da sessão ao opinar a favor do afastamento da petista. A homenagem a Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel condenado por tortura durante a ditadura militar, rendeu críticas ao parlamentar dentro e fora do plenário.

Em meio ao crescimento do sentimento antipetista, fenômeno que se acentuou pós-impeachment, Bolsonaro acabou elegendo-se presidente em 2018, superando Fernando Haddad (PT) no segundo turno — Lula, à época condenado e preso pela Lava-Jato, estava impedido de disputar eleições por força da Lei da Ficha Limpa. O próprio Lula, após a anulação de suas condenações no Supremo Tribunal Federal (STF), bateria Bolsonaro na disputa pela reeleição, no ano passado.

Fora da chefia do Executivo, o ex-presidente foi declarado inelegível em julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que avaliou uma reunião com embaixadores na qual ele fez ataques infundados ao sistema eleitoral brasileiro. Bolsonaro também é investigado pela Polícia Federal (PF) em diferentes frentes, que vão de supostas fraudes em cartões de vacina até suspeitas de transações ilegais envolvendo presentes oficiais recebidos enquanto ele esteve na Presidência.

Afastado de Dilma, que a sucedeu no Planalto a partir de 2011, Lula só se reaproximou da pupila quando a crise política já chacoalhava o governo petista. Na busca por amenizar a relação com o Congresso, a então presidente chegou a tentar nomear o antecessor como ministro, mas a tática acabou derrubada pelo juiz Sergio Moro, que viu no movimento uma estratégia para que Lula ganhasse foro privilegiado, saindo da mira da Lava-Jato.

Em abril de 2018, já com Michel Temer na Presidência, Lula foi preso no âmbito da operação. Ele permaneceu atrás das grades por 580 dias, até que o STF derrubasse as sentenças, em novembro de 2019. No passado, venceu Bolsonaro em uma disputa apertada e voltou ao Planalto para seu terceiro mandato.

 

Fonte: Agencia Estado/O Globo

 

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