Alberto Paulo Neto: ‘Apesar de você, amanhã há de ser outro dia’ - 35
anos do fim da censura no Brasil
A censura é definida como um ato proibitivo de um
órgão estatal, na esfera do executivo ou do judiciário. Hoje, é bastante
recorrente a discussão sobre a censura ou a proibição da livre manifestação da
liberdade de expressão, um tema que também passa pela análise histórica do
nosso país, tendo em vista que ocorre desde o período colonial até o período da
redemocratização e se tornou mais explícita durante a ditadura militar.
Na prática, censurar alguém, um órgão ou uma
instituição, é proibi-lo de se manifestar seja por meio de um texto, de uma
música, de uma expressão artística ou de qualquer outro modo que alguém possa
pronunciar suas ideias ou convicções. Na história do Brasil, nós tivemos
diversos tipos de censura. Por exemplo, a censura no período colonial sobre
alguns livros e obras que não correspondiam à religião oficial da época e, mais
recentemente, a censura institucionalizada pelo governo ditatorial militar.?
No período de 1964 a 1983, o Departamento de Ordem
Política e Social, o DOPS, atuava na censura e proibiu determinadas atuações,
livre manifestação de ideias, músicas ou expressões artísticas, que
contrariavam o interesse do estado vigente. Em qualquer estado ditatorial ou
totalitário em que órgãos estatais, seja por meio do agente executivo,
judiciário ou legislativo, proíbe que os cidadãos e cidadãs manifestem suas queixas
ao governante ou que façam críticas, constitui-se a censura. Então, ser
censurado é ser impedido de usufruir da sua liberdade, seja política, religiosa
ou cultural. Não é bom que qualquer estado democrático tenha um órgão que atue
continuamente censurando seus cidadãos, porque isso impede o processo de
aprendizagem democrática e da compreensão da diversidade e da pluralidade de
opinião.?
Em um cenário onde se fala muito sobre liberdade de
pensamento, de expressão e de que maneira a atuação do judiciário favorece ou
impede o uso da nossa liberdade, conhecer mais sobre a censura é de suma
importância. Na sociedade em que vivemos, uma sociedade tecnológica, muitas
vezes se faz necessário que a figura do poder judiciário atue de forma
extraordinária restabelecendo a ordem democrática para? impedir que falsas
notícias, as fake news, sejam propagadas, já que podem causar maior dano do que
sua livre permissão.
O desenvolvimento democrático de um Estado não deve
ser cerceado, deve ser favorecido com a liberdade, mas devemos ter certeza e
conhecimento, porque há regras a serem seguidas também no que se refere a
fornecer e propagar informações não-verídicas ou usar os meios de comunicação
de modo indevido. Isso se refere sobretudo às redes sociais na propagação de ideias,
de convicções, que devem ter como objetivo sempre o entendimento com o outro.
Então, se nós avaliarmos o contexto de
redemocratização que estamos vivendo hoje, nós temos muito a caminhar. O Brasil
ainda tem que aprender por meio dos seus representantes, nós, brasileiros, a
como agir democraticamente, como permitir que o outro tenha seu espaço de fala,
sem medo ou repressões. Nós temos debates políticos que envolvem censura no
país, mas se olharmos o tema da censura de forma mais ampla, podemos usar para
outros espaços: religioso, étnico-racial, que também são censuradas ou
proibidas determinadas manifestações públicas ou mesmo privadas. Pensar a longo
prazo no desenvolvimento do Estado democrático de Direito é pensar o uso da
nossa liberdade para o bem coletivo, o bem comum, social, não para a
perpetuação de uma determinada perspectiva ideológica, um viés político,
religioso, porque a democracia se nutre pelo uso da nossa liberdade para o bem
comum.?
Juridicamente, a censura foi encerrada, saiu da ordem,
mas é possível observarmos, na prática, agentes do estado de uma maneira mais
veemente coibindo determinadas manifestações, até mesmo órgãos policiais. O que
resta a partir do horizonte da constituição nos seus 35 anos é ter um espírito
democrático em que possamos dar espaço àqueles que possuem opiniões diferentes
para que se manifestem no espaço público, mas que tenham o mesmo compromisso de
ouvir os que discordam e tentar chegar a um consenso, a um entendimento sobre
princípios comuns.?
No mês em que relembramos os 35 anos do fim da
censura estabelecida pela nossa Constituição Federal, é importante refletirmos
sobre a ideia jurídica, as normas e as leis que fazem acontecer, na prática, um
relacionamento mais democrático entre os cidadãos de maneira que as pessoas não
se? sintam proibidas de exercer sua liberdade, desde que não seja de forma
desrespeitosa, preconceituosa, discriminatória ou que impeça outra pessoa de
usar sua livre expressão, liberdade de pensamento ou de consciência.
Carrascos
de Dilma caíram no esquecimento
Há exatos sete anos, o Senado determinava o
afastamento definitivo de Dilma Rousseff (PT) do cargo de presidente da
República. Três meses antes, a petista já havia sido retirada do cargo em
caráter temporário, em mais uma etapa do processo iniciado ainda em dezembro de
2015, quando o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, deu
prosseguimento ao pedido apresentado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale
Júnior e Janaína Paschoal.
Além de Cunha e Janaína, que chegou a trocar o
Direito pela política, o impeachment Dilma também envolveu vários outros
personagens marcantes, parte deles envolvida até hoje, direta ou indiretamente,
com os bastidores dos três Poderes. Aparecem nesta lista nomes como o ex-presidente
Michel Temer, que era vice da petista e a substituiu no cargo, e o ainda
senador Renan Calheiros, que presidia a mesma casa à época.
Alvo do processo, a então presidente passou a ser
investigada após ser acusada de ter atrasado o repasse a bancos públicos para
melhorar artificialmente as contas do governo federal, as chamadas “pedaladas
fiscais”. Dilma foi afastada da presidência, cargo que ocupou entre 2011 e
2016, por força de votações realizadas na Câmara e no Senado, sendo substituída
por seu vice, Michel Temer.
Atualmente, ela preside o Novo Banco de
Desenvolvimento, o Banco dos BRICS, em Xangai, na China. Neste mês, o Tribunal
Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) manteve a decisão que arquivou uma ação
de improbidade administrativa contra a ex-presidente no caso das pedaladas. A
decisão foi tomada pela 10ª Turma do TRF-1, que rejeitou um recurso do
Ministério Público Federal (MPF) contra uma decisão da primeira instância que
havia arquivado a ação.
Após a decisão do TRF-1, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) afirmou que era preciso discutir uma forma de reparar Dilma
Rousseff pela perda do cargo. Na última segunda-feira, o deputado federal
Lindbergh Farias (PT-RJ) apresentou uma resolução que pede a devolução
simbólica do mandato da ex-presidente.
Vice-presidente da República, Temer (MDB) não se
posicionou ao lado de Dilma durante a crise política. Diante da iminente
derrubada da petista, o peemedebista chegou a se descrever como um “vice
decorativo” em uma carta endereçada a ela. Após o afastamento da presidente,
Temer assumiu o cargo.
No ano passado, em entrevista ao Uol, o político,
que hoje dá palestras em instituições no exterior, rejeitou que o impeachment
contra Dilma tenha sido um golpe.
— Não houve golpe. Eu quero dizer que a
ex-presidente é honesta. Eu sei, e pude acompanhar, que não há nada que possa
apodá-la de corrupta. Ela é honestíssima. Mas houve problemas políticos. Ela
teve dificuldades no relacionamento com a sociedade e com o Congresso Nacional.
Esse conjunto de fatores levou multidões às ruas — afirmou.
Como presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha (MDB) foi o responsável por acolher o pedido de impeachment contra Dilma,
em dezembro de 2015. O parlamentar autorizou a abertura do processo em
retaliação ao PT, que se declarou favorável à cassação de seu mandato no
Conselho de Ética da Casa. O processo contra Cunha, acusado de quebra de decoro
parlamentar por negar ser o dono de recursos na Suíça, havia sido apresentado
por PSOL e Rede, mas só prosperou quando o PT decidiu endossar a investigação.
Com muito poder de articulação, Cunha foi o
principal responsável pela negociação para que o Centrão desembarcasse do
governo Dilma. No entanto, o parlamentar perdeu capital político e viu seu
poder se esvair ao ser cassado, três meses após o impeachment de Dilma.
Sem mandato, ele foi preso durante a operação Lava
Jato, permanecendo em regime fechado por mais de três anos e em domiciliar por
um. Sete anos após perder seu cargo, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha voltou
a cruzar o plenário, desta vez como coadjuvante. O ex-parlamentar passou a
acompanhar sua filha e herdeira política, Dani Cunha (União-RJ), eleita em 2022
e de quem é conselheiro.
Presidente do Senado Federal, cargo que ocupou
entre 2013 e 2017, Renan Calheiros (MDB) foi o responsável por determinar o
rito do processo de impedimento. Desde o início, tentou se posicionar de forma
neutra diante do impeachment.
Atualmente, ainda como senador, tenta uma
aproximação de Lula e da ala lulista do MDB. Após selar acordo de apoio com o
atual presidente, durante a campanha eleitoral no ano passado, seu herdeiro,
Renan Filho (MDB), foi escolhido para assumir o cargo de Ministro dos
Transportes no governo do petista.
Uma das signatárias do pedido que culminou no impeachment
de Dilma, Janaina Paschoal aproveitou o capital político adquirido para se
tornar, dois anos depois, em 2018, a deputada estadual mais votada da história
do país. A passagem pela Assembleia Legislativa de São Paulo, no entanto, foi
curta.
No ano passado, ela tentou uma vaga no Senado, mas,
enfraquecida após críticas ao então presidente Jair Bolsonaro, não obteve
sucesso. Com cerca de 450 mil votos — menos de 20% dos mais de 2 milhões
recebidos quatro anos antes —, Paschoal amargou o terceiro lugar na disputa,
vencida por Marcos Pontes, apoiado por Bolsonaro.
Sem um cargo político, ela voltou, em 2023, a dar
aula na Faculdade de Direito da USP. O retorno à instituição, porém, foi
marcado pelo protesto de alunos.
Embora Dilma Rousseff não tenha sido um dos alvos
diretos da Lava Jato, que começou oficialmente em 2014, a operação teve
reflexos no enfraquecimento do PT. Os relatos de desvios de dinheiro público,
guiados pelo personagem principal da investigação, o ex-juiz federal e hoje
senador Sergio Moro, extrapolaram o âmbito processual e foram o estopim de
manifestações anti-corrupção.
O enfraquecimento da operação teve início pela
reação dentro do Congresso Nacional, que questionou os métodos da investigação,
e se consolidou a partir da divulgação de conversas privadas entre os
integrantes da força-tarefa, em episódio que ganhou o nome de Vaza Jato, em
2019.
Depois de abrir mão do cargo de juiz e assumir o
posto de ministro da Justiça de Bolsonaro, fortalecendo as indagações sobre
suas motivações políticas, Moro decidiu deixar o governo em meio a atritos com
o então presidente. Nas últimas eleições, foi eleito senador pelo estado do
Paraná.
Coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato
em Curitiba, o então procurador da República Deltan Dallagnol também foi um dos
protagonistas da trama. Após deixar o cargo, que ocupou entre 2003 e 2021,
filiou-se ao Podemos e se candidatou ao cargo de deputado federal pelo Paraná.
Eleito em 2022, exerceu o cargo até junho deste
ano, quando o registro de sua candidatura foi cassado por decisão do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), por fraude à Lei da Ficha Limpa. Os magistrados
entenderam que o ex-parlamentar deixou o Ministério Público para escapar de
punições referentes à Operação Lava-Jato.
Durante a votação do impeachment de Dilma na
Câmara, o então deputado Jair Bolsonaro protagonizou um dos momentos mais
marcantes da sessão ao opinar a favor do afastamento da petista. A homenagem a
Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel condenado por tortura durante a
ditadura militar, rendeu críticas ao parlamentar dentro e fora do plenário.
Em meio ao crescimento do sentimento antipetista,
fenômeno que se acentuou pós-impeachment, Bolsonaro acabou elegendo-se
presidente em 2018, superando Fernando Haddad (PT) no segundo turno — Lula, à
época condenado e preso pela Lava-Jato, estava impedido de disputar eleições
por força da Lei da Ficha Limpa. O próprio Lula, após a anulação de suas
condenações no Supremo Tribunal Federal (STF), bateria Bolsonaro na disputa
pela reeleição, no ano passado.
Fora da chefia do Executivo, o ex-presidente foi
declarado inelegível em julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que
avaliou uma reunião com embaixadores na qual ele fez ataques infundados ao
sistema eleitoral brasileiro. Bolsonaro também é investigado pela Polícia
Federal (PF) em diferentes frentes, que vão de supostas fraudes em cartões de
vacina até suspeitas de transações ilegais envolvendo presentes oficiais
recebidos enquanto ele esteve na Presidência.
Afastado de Dilma, que a sucedeu no Planalto a
partir de 2011, Lula só se reaproximou da pupila quando a crise política já
chacoalhava o governo petista. Na busca por amenizar a relação com o Congresso,
a então presidente chegou a tentar nomear o antecessor como ministro, mas a
tática acabou derrubada pelo juiz Sergio Moro, que viu no movimento uma
estratégia para que Lula ganhasse foro privilegiado, saindo da mira da
Lava-Jato.
Em abril de 2018, já com Michel Temer na
Presidência, Lula foi preso no âmbito da operação. Ele permaneceu atrás das
grades por 580 dias, até que o STF derrubasse as sentenças, em novembro de
2019. No passado, venceu Bolsonaro em uma disputa apertada e voltou ao Planalto
para seu terceiro mandato.
Fonte: Agencia Estado/O Globo
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