Presentes desviados: No Paquistão, joias e Rolex levaram ex-premiê à
prisão; relembre
O suposto esquema de venda ilegal de joias e
presentes oficiais concedidos ao Estado brasileiro durante o governo de Jair
Bolsonaro não é um caso inédito no mundo.
No Paquistão, um ex-premiê foi condenado por vender
joias do acervo oficial do país que ele ganhou. E, anos antes, um ex-ditador do
Paquistão também foi acusado de levar um Rolex, joias e diamantes ao deixar o
poder.
O ex-premiê Imran Khan, um ex-jogador de críquete
que era ídolo no país antes de assumir o governo, foi condenado no início deste
mês a três anos de prisão por ter vendido, sem declarar, joias que recebeu
quando era líder do país.
Khan, que foi destituído do poder no fim de 2022
após perder uma moção de desconfiança no Congresso, levou do acervo do Estado
itens como um anel, um par de abotoadoras e relógios Rolex, estimados, no
total, em cerca de R$ 3 milhões.
O ex-premiê negou as acusações, mas áudios de sua
mulher revelados pela imprensa registraram o casal falando sobre a venda de
relógios retirados do acerto.
O caso não é único no país. Pelo contrário: tem
sido tão recorrente que, no fim do ano passado, uma alta Corte do país, o
Tribunal Superior de Lahore (LHC), abriu uma série de audiências para tentar
rastrear e encontrar joias levadas por ex-líderes do poder e que nunca foram
encontradas.
Um dos mais marcantes é o do general Pevez
Musharraf, ex-ditador que comandou o país entre 1999 e 2008. Naquele ano,
Musharraf foi acusado por promotores de retirar ilegalmente uma série de joias
dadas de presente ao Estado ao deixar o poder e se exilar em Londres.
O general, que chegou ao poder após um golpe de
estado e era aliado do Ocidente, teve de pagar uma taxa imposta pelo governo
por ter levado as joias, após o esquema ser revelado pela imprensa local.
Mas os relógios da marca Rolex e o restante do
acervo, ainda segundo a imprensa paquistanesa, jamais foram devolvidos ao
acervo oficial do país.
Segundo revelou uma reportagem do jornal "The
Daily" da época, o general levou ilegalmente 168 itens do acervo de
presentes dados por líderes de outros países ao Paquistão.
Este ano, o governo paquistanês divulgou um
relatório no qual descreve os presentes que Musharraf nunca devolveu. Desde o
ano passado, uma Corte do país tenta encontrar e resgatar os presentes.
Todos os itens levados pelo ex-ditador, segundo a
publicação, eram joias como colares, brincos e pulseiras de pérola, ouro e
diamante, dois Rolex e até dois revólveres dados pelos Estados Unidos —
Musharraf, que chegou ao poder como um militar moderado, era aliado de
Washington na luta contra grupos terroristas como a Al-Qaeda.
Na ocasião, a imprensa paquistanesa apontou que uma
das caixas de joias que o ex-líder levou foi dada de presente pelo então
presidente norte-americano George W. Bush.
• De
aliado do Ocidente a autocrata e repressor
A gestão do então líder foi elogiada e bem-vista
por boa parte dos paquistaneses e de líderes do Ocidente. Ele prometia aumentar
a democracia do país — que se tornou independente do Reino Unido em 1947, mas
passou décadas sob comando direto e indireto das Forças Armadas.
No fim de seu governo, no entanto, Musharraf
começou a tomar medidas de caráter autocrata e foi acusado de usar o Exército
para massacres e repressão violenta a dissidentes em protestos e atos
religiosos.
Em 2019, um tribunal do Paquistão chegou a
condená-lo à morte por alta traição e por manter um estado de exceção
prolongado no país, quando todas as liberdades civis, direitos humanos e
processos democráticos foram suspensos.
A sentença foi anulada meses depois sob a alegação
de inconstitucionalidade, mas, como Musharraf já estava exilado em Dubai, a
condenação ocorreu à revelia, e ele nunca cumpriu pena. O ex-ditador morreu em
fevereiro deste ano no exílio.
Mas Musharraf também foi apontado por promotores
paquistaneses como um possível envolvido no assassinato da ex-primeira-ministra
Benazir Bhutto, em 2007, em um atentado que chocou o país e o mundo, quando o
ex-ditador comandava o país.
Uma investigação nos anos seguintes chegou a
apontar que Musharraf ameaçou por telefone a ex-premiê quando ela estava no exílio,
na tentativa de mantê-la fora do país — Benazir Bhutto foi morta após voltar ao
Paquistão e anunciar que concorreria novamente ao cargo de premiê.
Musharraf negou em diversas entrevistas a acusação.
Ele disse achar que, por Bhutto ser próxima ao Ocidente, políticos radicais
contrários à interferência constante dos Estados Unidos no país podem ter
planejado o atentado com membros dos Talibã.
Mas, até hoje, filhos de Benazir Bhutto dizem
acreditar que o ex-premiê teve participação na morte da mãe e que sabotou a
segurança dela no Paquistão para facilitar o atentado, o que ele também nega.
Ø Começou a campanha para que Bolsonaro não seja preso
De fato, nem todo mundo em Brasília vê a prisão de
Bolsonaro com bons olhos. Fora de Brasília, nem todo mundo vê. E fora do
Brasil, também não. Em Orlando, onde Bolsonaro se refugiou antes da tentativa
de golpe do 8 de Janeiro, quase todos os seus vizinhos não veriam com bons
olhos uma eventual prisão dele.
A unanimidade é burra. Pode-se dizer que todos, ou
praticamente todos, os devotos de Bolsonaro são contra sua prisão. Não importa
o crime que lhe imputem. Roubo de joias presenteadas ao Estado brasileiro por
governos amigos? Ora, não foram presenteadas ao Estado, mas a Bolsonaro e à sua
encantadora mulher.
Golpe? Que golpe? O que aconteceu em 8 de janeiro
foi o livre exercício do direito de se expressar. Sim, baderneiros infiltrados
em meio aos manifestantes aproveitaram a ocasião para atacar prédios públicos.
Devem ser punidos. Mas deve ser investigada a possível participação de
elementos de esquerda a serviço do governo.
Michelle, por sinal, parece ser mais inteligente do
que o marido. Ou então é mais bem assessorada. Enquanto Bolsonaro tenta
explicar por que surrupiou as joias, ela brinca com o surrupio das joias. Em
mais um evento do PL, o partido que paga as contas do ex-primeiro casal,
Michelle disse, ontem, no Recife:
“Tem
um povo tão atrapalhado, que fica assim: ‘cadê as joias, você não vai
entregar?’. Querida, a joia está na Caixa Econômica Federal. Mas vocês pediram
tanto, falaram tanto de joias que em breve teremos um lançamento: ‘Mijoias pra
vocês’.”
Michelle não é uma graça? Costumo ser
condescendente com as primeiras-damas. O papel delas é ingrato. Ruth Cardoso,
mulher de Fernando Henrique, não gostava de Brasília nem de ser tratada como
dama de companhia. Socióloga respeitada, tocou a vida como levava antes, dando
aulas e escrevendo.
Ruth evitava se meter com política. Michelle está
metida até o talo, e aparentemente contra a vontade do marido. Tem falado mais
do que ele. Se Bolsonaro permitir, poderá candidatar-se a senadora por Brasília
ou outro Estado.
É vasto seu estoque de frases feitas por
marqueteiros:
“Eu
vou fazer uma limonada docinha desse limão. E eu vou falar para vocês que quem
me colocou aqui e vai me fortalecer é Deus.”
Bolsonaro e Michelle irão depor à Polícia Federal
sobre o esquema de venda ilegal das joias. O celular do tenente-coronel Mauro
Cid já fala, e o que ele tem contado deverá tirar Michelle de sua zona de
conforto. Numa troca de mensagens, Mauro Cid diz que um conjunto de joias “já
sumiu com a dona Michelle”. Será?
É cedo para saber se Cristiano Zanin, a sensação do
Supremo Tribunal Federal, é um dos ministros da mais alta Corte que é contra a
prisão de Bolsonaro. Há outros ali que são contra. Alegam que a prisão poderá
fazer de Bolsonaro “um mártir”, e dividir ainda mais o país. Não será surpresa
se Zanin pensar assim.
Adiante-se, porém, que mesmo dentro do PT tem gente
contrária à prisão, e pelos mesmos motivos. Da Justiça, diz-se que ela é cega,
ou que deveria ser, aplicando a lei sem fazer distinção. Mas com frequência, a
Justiça levanta a venda, olha ao redor, e distingue. Bolsonaro poderá ser
absolvido por excesso de provas contra ele.
No caso, a absolvição se daria com a transferência
para a primeira instância da Justiça dos processos a que ele responde. Se isso
acontecer, anote: ao invés de condenado, ele poderá ser condecorado. Alguma
dúvida? Não duvide. Nunca duvide.
Ø Além de joias e ataque às urnas, Bolsonaro tem mais preocupações na PF
A investigação mais antiga contra Jair Bolsonaro (PL) na Polícia Federal (PF) pode ganhar novas direções em setembro, com a troca do
procurador-geral da República. O inquérito que apura a suposta interferência na
PF completou três anos em abril e foi rejeitado pelo atual PGR, Augusto Aras, que já pediu o arquivamento do caso. Agentes próximos à investigação
apostam que as apurações podem avançar com um novo procurador escolhido
por Lula (PT).
O caso teve origem em abril de 2020, quando o então
ministro da Justiça, Sergio Moro, se demitiu e acusou
Jair Bolsonaro de interferir na PF. Segundo o Moro
da época, o ex-presidente buscava acesso às investigações em andamento para
“beneficiar aliados”.
O ministro Alexandre
de Moraes é o relator do caso no Supremo Tribunal Federal. Em setembro de 2022, ele recebeu de Lindôra Araújo, a
vice-procuradora-geral da República, um pedido para arquivar o inquérito,
alegando que não era possível imputar a prática de crimes a Bolsonaro —ou a
Moro.
A substituição do chefe da Procuradoria-Geral da República poderia dar um novo impulso ao caso, conforme ponderam agentes da
PF, uma vez que não haveria “obstáculos” vindos do Ministério Público.
A esperança é que o presidente Lula não reconduza
Aras ao cargo. As chances, hoje, são consideradas pequenas, mas mesmo dentro do
governo já houve preferência pelo baiano, como já demonstraram o ministro Rui Costa e o senador Jaques Wagner (PT-BA).
Lula deverá escolher o vice-procurador-geral
eleitoral, Paulo
Gonet —tido como favorito. Correm por fora os
subprocuradores-gerais da República Antonio Carlos Bigonha e Mário Bonsaglia.
Ø A antiga conversa de Bolsonaro e Eduardo sobre Jair Renan e a prisão
O nome de Jair Renan, o filho mais novo de
Bolsonaro, voltou à tona após 04 ser alvo de um mandado de busca e apreensão
por um possível envolvimento com um esquema de lavagem de dinheiro e corrupção.
Mas desde muito jovem, Renan chama atenção da
imprensa. Em fevereiro de 2017, o fotógrafo Lula Marques - atualmente na
Agência Brasil - clicou uma conversa constrangedora do então deputado Jair
Bolsonaro com seu filho, Eduardo Bolsonaro.
Na ocasião, o futuro presidente critica gravemente
o filho, afirmando que ele é irresponsável. “Papel de filho da puta que você
está fazendo comigo. Tens moral para falar do Renan? Irresponsável. Mais ainda,
compre merdas por aí. Não vou te visitar na Papuda. Se a imprensa te descobrir
aí, e o que está fazendo, vão comer seu fígado e o meu. Retorne imediatamente”,
disse Jair.
Eduardo, então, respondeu de maneira surpreendente:
“Quer me dar esporro tudo bem. Vacilo foi meu. Achei que a eleição só fosse
semana que vem. Me comparar com o merda do seu filho, calma lá”, disse. O
“merda do seu filho” era Jair Renan, à época com 19 anos de idade.
·
Processo contra a Fórum
Em 2019, Jair Bolsonaro e seu filho
processaram a Fórum e o fotógrafo Lula Marques pela publicação da
conversa, em um claro ataque à liberdade de imprensa.
O parlamentar pediu indenização por danos morais
por conta da exposição da conversa, que foi republicada em outros diversos
veículos. Somente a Fórum e Lula foram processados.
Cid
movimentou R$ 367 mil após atos de 8 de janeiro e R$ 160 mil dos EUA para o
Brasil após ser preso
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens
de Jair Bolsonaro (PL), transferiu, no dia 12 de janeiro, R$ 367.374,56 para
uma conta que também pertence a ele nos Estados Unidos, no banco BB Americas.
A conversão, considerando a taxa de câmbio de R$
5,21, resultou em US$ 70.500. A movimentação aconteceu quatro dias após os
ataques de 8 de janeiro.
Veja também — Moraes proíbe Cid de se comunicar com
Bolsonaro
Os dados constam em documentação enviada esta
semana à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro, complementando
informações da quebra de sigilo bancário de Cid enviadas anteriormente, aos
quais a CNN teve acesso.
No dia 25 de julho, quando o ex-ajudante de
Bolsonaro já estava preso, aparece outra movimentação internacional, no valor
de US$ 34.391,11, o equivalente a R$ 161.664,92, que saiu de uma conta no banco
Wells Fargo Bank, dos EUA, para sua conta no Brasil.
Na documentação compartilhada com a comissão
parlamentar de inquérito, também é possível verificar diversas aplicações
financeiras de Cid ao longo da gestão Bolsonaro. O Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf) apontou as movimentações como “atípicas”.
O tenente-coronel esteve com Bolsonaro nos Estados
Unidos, foi preso no dia 3 de maio devido à investigação por suspeita de
fraudes em cartões de vacinação e foi flagrado em conversas golpistas, após
quebras de sigilo telefônico.
O caso mais recente aponta que ele integrou um
esquema de venda de presentes de luxo, dados ao governo brasileiro quando Jair
Bolsonaro era presidente da República.
Na quinta-feira (24), a CPMI aprovou um novo
requerimento para ouvir Mauro Cid. A data, porém, ainda não foi marcada.
Na sexta-feira (25), o ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Alexandre de Moraes proibiu Mauro Cid de se comunicar com o
ex-presidente e com a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
A decisão foi assinada na última quarta-feira (23),
mas, conforme apurou a CNN, as intimações começaram a ser transmitidas na noite
de sexta.
Além disso, Cid depôs, por mais de duas horas, à
Polícia Federal também na sexta-feira (25). Ele foi ouvido para esclarecer
pontos de uma conversa entre Bolsonaro e o hacker Walter Delgatti em agosto do
ano passado.
Fonte: g1/Metrópoles/IstoÉ/Fórum/CNN Brasil
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