segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Ministro do STF não pode ser ignorante em relação ao tema julgado

O Supremo Tribunal Federal (STF) pode ter ministros progressistas, conservadores. Não pode ter ministros ignorantes em relação aos temas que julgam. Não podem se guiar pelo palpitômetro, especialmente em temas que afetam milhões de pessoas. Esse exercício superficial da opinião, nesses casos, pode ser tachado de irresponsabilidade.

A questão da guerra às drogas há muito deixou de ser uma questão meramente moral. Trata-se de um caso de saúde pública, não de segurança pública. Como saúde pública, salva pessoas. Como segurança, legitima a violência policial, o punitivismo doentio de procuradores, o super-encarceramento, atingindo majoritariamente pretos e pobres. É tema para o qual existe vasta bibliografia e inúmeros casos concretos recentes,

Qual a semelhança entre o Ministro Cristiano Zanin, que votou pela manutenção da criminalização da maconha e a promotora Rosemary Azevedo Porcelli da Silva, do Ministério Público em Campinas, e a juíza Corregedora dos Presídios da Região de Campinas, Carla dos Santos Fullin Gomes, que intimou o cientista Elisaldo Carlini, 88 anos, referência mundial no estudo das qualidade medicinais da cannabis, por ter organizado um simpósio sobre o tema? Consideraram apologia às drogas.

A resposta é simples: a ignorância sobre o tema tratado. O argumento de Zanin é que a descriminalização aumentaria a exposição da juventude às drogas. Sem estudar o assunto, é mero palpite com uma dose de preconceito moralista.

•        Um estudo de 2017 do Instituto RAND, nos Estados Unidos, descobriu que a descriminalização da maconha não levou a um aumento no uso da droga entre adolescentes. O estudo também descobriu que a descriminalização reduziu a população carcerária e os custos associados ao encarceramento por crimes relacionados à maconha.

•        Um estudo de 2016 do Centro de Pesquisa de Políticas da Universidade de Colorado, nos Estados Unidos, descobriu que a descriminalização da maconha não levou a um aumento no uso da droga entre adultos. O estudo também descobriu que a descriminalização reduziu as taxas de prisão por crimes relacionados à maconha.

•        Um estudo de 2015 do Instituto de Pesquisa em Drogas da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, descobriu que a descriminalização da maconha não levou a um aumento no uso da droga entre motoristas. O estudo também descobriu que a descriminalização reduziu as taxas de prisão por crimes relacionados à maconha.

Muitos acadêmicos e pesquisadores em todo o mundo se dedicam ao estudo da descriminalização da maconha e de suas implicações. Abaixo, recorro às minhas fontes e listo algumas áreas de estudo relacionadas a esse tema e alguns pesquisadores notáveis em cada uma delas:

No plano internacional:

1. **Saúde Pública e Efeitos na Saúde:

   – Dr. Ziva Cooper – Pesquisadora especializada em canabinoides e seus efeitos na saúde.

   – Dr. Mark Ware – Especialista em dor crônica e canabinoides.

2. **Política de Drogas e Jurisdição:

   – Dr. Beau Kilmer – Diretor do Programa de Política de Drogas do RAND Corporation.

   – Dr. Amanda Reiman – Pesquisadora em políticas de drogas e uso medicinal da maconha.

3. **Impacto na Justiça Criminal:

   – Dr. Michelle Alexander – Autora de “The New Jim Crow,” que explora questões de justiça racial relacionadas à guerra às drogas.

   – Dr. Carl Hart – Neurocientista e autor que estuda vícios e políticas de drogas.

4. **Economia da Cannabis:

   – Dr. Jeffrey Miron – Economista que analisou os impactos econômicos da legalização da maconha.

   – Dr. Rosalie Liccardo Pacula – Economista de saúde que estuda os efeitos econômicos das políticas de maconha.

5. **Uso Medicinal da Maconha:

   – Dr. Raphael Mechoulam – Químico orgânico israelense que isolou o THC, o principal composto psicoativo da maconha.

   – Dr. Sue Sisley – Psiquiatra que pesquisa o uso medicinal da maconha, especialmente no tratamento do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

6. **Impactos Sociais e Comportamentais:**

   – Dr. Rosanna Smart – Socióloga que examina as implicações sociais da legalização da maconha.

   – Dr. Jodi Gilman – Neurocientista que investiga os efeitos da maconha no cérebro e no comportamento.

Repararam nas especialidades dos cientistas? Trata-se de um tema interdisciplinar, que exige soma de conhecimento em várias áreas.

Zanin poderia também consultar especialistas brasileiros:

•        Elisaldo Carlini: Doutor em Farmacologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Carlini é um dos pioneiros no estudo da maconha no Brasil. Ele já publicou mais de 300 artigos científicos sobre o tema e é autor de vários livros, incluindo “Maconha: A Verdade Revelada”.

•        Sergio Saldanha: Professor de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Saldanha é especialista em saúde pública e políticas de drogas. Ele é um dos coordenadores do Grupo de Estudos de Políticas sobre Drogas (GEPOD), que defende a descriminalização da maconha no Brasil.

•        Marcelo de Sá: Professor de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sá é especialista em direito penal e direito constitucional. Ele é autor de diversos artigos sobre a descriminalização da maconha e é um dos principais defensores dessa medida no Brasil.

•        Renato Filev: É professor de Psiquiatria da UNIFESP e tem pesquisado os efeitos da maconha na saúde mental, além de políticas de drogas.

•        Drauzio Varella: Médico e escritor, Drauzio Varella escreveu extensivamente sobre o uso de drogas, incluindo a maconha, e suas implicações para a saúde pública.

•        Braulio Maia: É pesquisador na área de políticas de drogas e co-fundador do Instituto THC, uma organização dedicada à pesquisa e educação sobre cannabis no Brasil.

•        Rodrigo Mesquita: Advogado especializado em direito à saúde, Rodrigo Mesquita tem trabalhado na defesa do uso medicinal da maconha e no debate sobre políticas de drogas no Brasil.

•        Margarete de Castro Coelho: Professora e pesquisadora da UFRJ, Margarete tem estudado as políticas de drogas no Brasil, com foco na descriminalização e legalização da maconha.

•        Paulo Teixeira: Deputado Federal e advogado, Paulo Teixeira é um defensor da descriminalização da maconha e tem trabalhado em projetos de lei relacionados a políticas de drogas.

Ou, então, organizações que estudam o tema.

•        Câmara Brasileira de Municípios (CMB): A CMB é uma organização que representa os municípios brasileiros. Em 2022, a CMB aprovou uma resolução que recomenda que os municípios brasileiros descriminalizem a maconha para uso adulto.

•        Fórum Nacional de Segurança Pública (FNSP): O FNSP é uma organização que reúne representantes de diversas organizações de segurança pública brasileiras. Em 2023, o FNSP publicou um documento em que defende a descriminalização da maconha para uso adulto.

•        Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM): O IBCCRIM é uma organização sem fins lucrativos que trabalha na promoção da justiça criminal. Em 2023, o IBCCRIM publicou um estudo que aponta que a descriminalização da maconha pode reduzir a violência relacionada ao tráfico de drogas.

Não se exige de um Ministro do Supremo um curso de pós-graduação para cada tema tratado. Exige-se apenas que entenda a relevância do caso julgado e, a partir daí, se cerque de especialistas. Faça o que fez Luiz Edson Fachin e Rosa Weber, ao julgar questões ligadas à educação inclusiva: convocaram especialistas para entender o tema e aprofundar os votos.

Para um tema que passa por políticas de saúde, economia, sociologia, psicologia, segurança, Zanin trocou todo o conhecimento acumulado ao longo de décadas por um palpite de fundo moral.

 

       "Burguesia usa identitarismo para ter maior controle do STF", aponta editorial do DCO

 

As recentes discussões sobre Cristiano Zanin continuam a deixam claro por que a ideologia identitária pode ser prejudicial para a esquerda e para a sociedade como um todo. De forma mais direta, ela se apresenta como uma influência reacionária dentro da esquerda, promovida pelo imperialismo sob a fachada progressista.

Inicialmente, os identitários, muitas vezes impulsionados pela imprensa conservadora, criticaram Lula por indicar Zanin, alegando que ele não era negro, mulher, gay, ou de outra minoria sub-representada para a vaga no Tribunal. Lula, sabiamente, não cedeu a essa pressão. Ele compreende que o golpe de Estado foi iniciado por um negro, Joaquim Barbosa, e que as mulheres no STF (Supremo Tribunal Federal) não fizeram a menor diferença, politicamente falando, dos outros ministros em relação ao golpe e à sua própria prisão.

A recente controvérsia em torno do voto de Zanin sobre a “homotransfobia” demonstra ainda mais como a ideologia identitária pode ser reacionária. Zanin foi o único a votar contra a equiparação do crime de “injúria racial” ao de “homofobia” e “transfobia”, o que é um grande sinal positivo. Até mesmo um ministro indicado por Bolsonaro votou a favor da medida. No entanto, a esquerda muitas vezes não questiona por que todos os ministros de direita apoiaram essa lei, pois está claro que a intenção não é defender os direitos LGBT.

Essas leis repressivas não beneficiam os grupos que afirmam defender. Na verdade, elas prejudicam negros, LGBT, mulheres e os pobres e servem para ocultar a raiz dos problemas. A resposta à postura de Zanin foi cinicamente distorcida. A imprensa golpista e seus colunistas trataram o voto de Zanin como conservador, refletindo uma estratégia para minar a confiança em Lula e pressioná-lo a nomear algum identitário.

A ideologia identitária, apoiada pela burguesia, busca minar a confiança de Lula em figuras de sua confiança, como Zanin, e promover a idéia de que o STF precisa de uma mulher negra só para disfarçar as atrocidades cometidas pelo tribunal. No entanto, o foco deveria ser na atuação técnica e não partidária de um ministro, como a de Zanin. Um ministro progressista não deveria buscar criar leis pelo STF, mas sim avaliar se uma determinada lei ou julgamento é constitucional, somente.

Zanin, ao votar contra a descriminalização da maconha e resistir à manipulação do STF como órgão legislativo, demonstra uma postura normal e alinhada com uma visão técnica e jurídica da posição que ocupa. A descriminalização do porte da maconha da maneira que está sendo aprovada no STF não vai mudar nada de significativo. Os pobres vão continuar sofrendo nas mãos da polícia. Sua atitude levou a críticas da esquerda identitária, que insiste na diversidade nas cortes superiores, sem compreender que a raiz do problema não é a identidade do ministro, e sim a política levada adiante.

A reação da esquerda identitária aos votos de Zanin apenas revela como essa pressão é influenciada pela burguesia e como ela pode ser prejudicial para a esquerda e para os direitos democráticos. A questão é muito mais complexa do que simplesmente colocar uma mulher negra no STF, um tribunal anti-democrático, que só atua contra o povo. Por pior que seja o Congresso Nacional, o papel de legislar deve ficar exclusivamente com ele.

 

       Zanin diz que pode reajustar seu voto; placar é de 5 a 1 pela descriminalização

 

O único membro que expressou um voto desfavorável até o momento à proposta de descriminalização da posse de substâncias ilícitas para uso pessoal foi o ministro Cristiano Zanin, pertencente ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Ele sugeriu à instância judicial a possibilidade de reconsiderar sua decisão, com o propósito de elevar o limite mínimo de droga que estabelece a distinção entre um indivíduo consumidor de maconha e um envolvido com o tráfico.

O processo de julgamento foi temporariamente suspenso devido a uma solicitação de revisão mais aprofundada do caso pelo ministro André Mendonça, que dispõe de um período de até 90 dias para restituir o processo ao plenário.

No dia 24 desta semana, o Supremo Tribunal formou uma maioria em apoio à ideia de definir um limite mínimo que estabeleça a distinção entre as duas circunstâncias. Até o momento, os seis ministros que emitiram seus votos se mostraram favoráveis a essa medida.

Zanin, cujo voto argumentou a favor da consideração de alguém como usuário caso esteja portando até 25 gramas de maconha, desde que não haja outros elementos que indiquem atividades de tráfico, reconheceu a possibilidade de elevar esse limite para 60 gramas. Essa quantia mínima foi proposta pelo ministro Alexandre de Moraes.

O relator do processo, Gilmar Mendes, e a presidente do Supremo Tribunal, Rosa Weber, adotaram o mesmo critério estabelecido pelo colega.

O ministro Luís Roberto Barroso, que originalmente sugeriu a quantidade de 25 gramas, revisou sua posição e aumentou o limite para 100 gramas. Por outro lado, Edson Fachin não determinou uma quantidade mínima específica.

Zanin enfrentou críticas por parte dos apoiadores do presidente Lula nas redes sociais, devido à sua divergência em relação aos colegas no tocante à descriminalização da posse de drogas para uso pessoal.

Na opinião do ministro, o Supremo não teria autoridade para modificar a Lei das Drogas, promulgada em 2006, a qual eliminou a possibilidade de prisão para indivíduos que fazem uso de substâncias ilícitas, porém manteve o entendimento de que a posse permanece como um delito. Isso resulta, na prática, em sanções penais para os usuários, ainda que de natureza menos severa e distinta da prisão.

A visão do ministro é de que qualquer alteração nesse sentido deveria ser conduzida pelo Congresso. Essa perspectiva também é compartilhada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

No começo deste mês, ele expressou a opinião de que o Supremo estava ultrapassando os limites de competência do Poder Legislativo ao debater a questão da descriminalização da posse de drogas.

Em sua argumentação, Zanin declarou que estava aderindo à interpretação jurídica do próprio Supremo Tribunal. Em 2007, a corte concordou com o que é chamado de despenalização da posse de drogas, mas optou por manter o caráter criminal da conduta.

Durante o processo de julgamento, o ministro reconheceu, contudo, que ocorre uma interpretação equivocada e deturpada da lei no Brasil, na qual o sistema judiciário classifica usuários como traficantes, levando a prisões injustas e em larga escala.

Na visão do ministro, nesse cenário, é imperativo integrar a quantidade de substância ilícita aos critérios já estabelecidos, a fim de diferenciar entre aqueles que são usuários e os envolvidos com o tráfico de drogas.

 

Fonte: Por Luís Nassif, no Jornal GGN/Brasil 247/O Cafezinho

 

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