Ministro do STF não pode ser ignorante em relação ao tema julgado
O Supremo Tribunal Federal (STF) pode ter ministros
progressistas, conservadores. Não pode ter ministros ignorantes em relação aos
temas que julgam. Não podem se guiar pelo palpitômetro, especialmente em temas
que afetam milhões de pessoas. Esse exercício superficial da opinião, nesses
casos, pode ser tachado de irresponsabilidade.
A questão da guerra às drogas há muito deixou de
ser uma questão meramente moral. Trata-se de um caso de saúde pública, não de
segurança pública. Como saúde pública, salva pessoas. Como segurança, legitima
a violência policial, o punitivismo doentio de procuradores, o
super-encarceramento, atingindo majoritariamente pretos e pobres. É tema para o
qual existe vasta bibliografia e inúmeros casos concretos recentes,
Qual a semelhança entre o Ministro Cristiano Zanin,
que votou pela manutenção da criminalização da maconha e a promotora Rosemary
Azevedo Porcelli da Silva, do Ministério Público em Campinas, e a juíza
Corregedora dos Presídios da Região de Campinas, Carla dos Santos Fullin Gomes,
que intimou o cientista Elisaldo Carlini, 88 anos, referência mundial no estudo
das qualidade medicinais da cannabis, por ter organizado um simpósio sobre o
tema? Consideraram apologia às drogas.
A resposta é simples: a ignorância sobre o tema
tratado. O argumento de Zanin é que a descriminalização aumentaria a exposição
da juventude às drogas. Sem estudar o assunto, é mero palpite com uma dose de
preconceito moralista.
• Um
estudo de 2017 do Instituto RAND, nos Estados Unidos, descobriu que a
descriminalização da maconha não levou a um aumento no uso da droga entre
adolescentes. O estudo também descobriu que a descriminalização reduziu a
população carcerária e os custos associados ao encarceramento por crimes
relacionados à maconha.
• Um
estudo de 2016 do Centro de Pesquisa de Políticas da Universidade de Colorado,
nos Estados Unidos, descobriu que a descriminalização da maconha não levou a um
aumento no uso da droga entre adultos. O estudo também descobriu que a
descriminalização reduziu as taxas de prisão por crimes relacionados à maconha.
• Um
estudo de 2015 do Instituto de Pesquisa em Drogas da Universidade de
Washington, nos Estados Unidos, descobriu que a descriminalização da maconha
não levou a um aumento no uso da droga entre motoristas. O estudo também
descobriu que a descriminalização reduziu as taxas de prisão por crimes
relacionados à maconha.
Muitos acadêmicos e pesquisadores em todo o mundo
se dedicam ao estudo da descriminalização da maconha e de suas implicações.
Abaixo, recorro às minhas fontes e listo algumas áreas de estudo relacionadas a
esse tema e alguns pesquisadores notáveis em cada uma delas:
No plano internacional:
1. **Saúde Pública e Efeitos na Saúde:
– Dr. Ziva
Cooper – Pesquisadora especializada em canabinoides e seus efeitos na saúde.
– Dr. Mark
Ware – Especialista em dor crônica e canabinoides.
2. **Política de Drogas e Jurisdição:
– Dr. Beau
Kilmer – Diretor do Programa de Política de Drogas do RAND Corporation.
– Dr.
Amanda Reiman – Pesquisadora em políticas de drogas e uso medicinal da maconha.
3. **Impacto na Justiça Criminal:
– Dr.
Michelle Alexander – Autora de “The New Jim Crow,” que explora questões de
justiça racial relacionadas à guerra às drogas.
– Dr. Carl
Hart – Neurocientista e autor que estuda vícios e políticas de drogas.
4. **Economia da Cannabis:
– Dr.
Jeffrey Miron – Economista que analisou os impactos econômicos da legalização
da maconha.
– Dr.
Rosalie Liccardo Pacula – Economista de saúde que estuda os efeitos econômicos
das políticas de maconha.
5. **Uso Medicinal da Maconha:
– Dr.
Raphael Mechoulam – Químico orgânico israelense que isolou o THC, o principal
composto psicoativo da maconha.
– Dr. Sue
Sisley – Psiquiatra que pesquisa o uso medicinal da maconha, especialmente no
tratamento do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
6. **Impactos Sociais e Comportamentais:**
– Dr.
Rosanna Smart – Socióloga que examina as implicações sociais da legalização da
maconha.
– Dr. Jodi
Gilman – Neurocientista que investiga os efeitos da maconha no cérebro e no
comportamento.
Repararam nas especialidades dos cientistas?
Trata-se de um tema interdisciplinar, que exige soma de conhecimento em várias
áreas.
Zanin poderia também consultar especialistas
brasileiros:
• Elisaldo
Carlini: Doutor em Farmacologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (USP), Carlini é um dos pioneiros no estudo da maconha no Brasil. Ele
já publicou mais de 300 artigos científicos sobre o tema e é autor de vários
livros, incluindo “Maconha: A Verdade Revelada”.
• Sergio
Saldanha: Professor de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),
Saldanha é especialista em saúde pública e políticas de drogas. Ele é um dos
coordenadores do Grupo de Estudos de Políticas sobre Drogas (GEPOD), que
defende a descriminalização da maconha no Brasil.
• Marcelo
de Sá: Professor de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sá
é especialista em direito penal e direito constitucional. Ele é autor de
diversos artigos sobre a descriminalização da maconha e é um dos principais
defensores dessa medida no Brasil.
• Renato
Filev: É professor de Psiquiatria da UNIFESP e tem pesquisado os efeitos da
maconha na saúde mental, além de políticas de drogas.
• Drauzio
Varella: Médico e escritor, Drauzio Varella escreveu extensivamente sobre o uso
de drogas, incluindo a maconha, e suas implicações para a saúde pública.
• Braulio
Maia: É pesquisador na área de políticas de drogas e co-fundador do Instituto
THC, uma organização dedicada à pesquisa e educação sobre cannabis no Brasil.
• Rodrigo
Mesquita: Advogado especializado em direito à saúde, Rodrigo Mesquita tem
trabalhado na defesa do uso medicinal da maconha e no debate sobre políticas de
drogas no Brasil.
• Margarete
de Castro Coelho: Professora e pesquisadora da UFRJ, Margarete tem estudado as
políticas de drogas no Brasil, com foco na descriminalização e legalização da
maconha.
• Paulo
Teixeira: Deputado Federal e advogado, Paulo Teixeira é um defensor da
descriminalização da maconha e tem trabalhado em projetos de lei relacionados a
políticas de drogas.
Ou, então, organizações que estudam o tema.
• Câmara
Brasileira de Municípios (CMB): A CMB é uma organização que representa os
municípios brasileiros. Em 2022, a CMB aprovou uma resolução que recomenda que
os municípios brasileiros descriminalizem a maconha para uso adulto.
• Fórum
Nacional de Segurança Pública (FNSP): O FNSP é uma organização que reúne
representantes de diversas organizações de segurança pública brasileiras. Em
2023, o FNSP publicou um documento em que defende a descriminalização da
maconha para uso adulto.
• Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM): O IBCCRIM é uma organização sem
fins lucrativos que trabalha na promoção da justiça criminal. Em 2023, o
IBCCRIM publicou um estudo que aponta que a descriminalização da maconha pode
reduzir a violência relacionada ao tráfico de drogas.
Não se exige de um Ministro do Supremo um curso de
pós-graduação para cada tema tratado. Exige-se apenas que entenda a relevância
do caso julgado e, a partir daí, se cerque de especialistas. Faça o que fez
Luiz Edson Fachin e Rosa Weber, ao julgar questões ligadas à educação
inclusiva: convocaram especialistas para entender o tema e aprofundar os votos.
Para um tema que passa por políticas de saúde,
economia, sociologia, psicologia, segurança, Zanin trocou todo o conhecimento
acumulado ao longo de décadas por um palpite de fundo moral.
"Burguesia
usa identitarismo para ter maior controle do STF", aponta editorial do DCO
As recentes discussões sobre Cristiano Zanin
continuam a deixam claro por que a ideologia identitária pode ser prejudicial
para a esquerda e para a sociedade como um todo. De forma mais direta, ela se
apresenta como uma influência reacionária dentro da esquerda, promovida pelo
imperialismo sob a fachada progressista.
Inicialmente, os identitários, muitas vezes
impulsionados pela imprensa conservadora, criticaram Lula por indicar Zanin,
alegando que ele não era negro, mulher, gay, ou de outra minoria
sub-representada para a vaga no Tribunal. Lula, sabiamente, não cedeu a essa
pressão. Ele compreende que o golpe de Estado foi iniciado por um negro, Joaquim
Barbosa, e que as mulheres no STF (Supremo Tribunal Federal) não fizeram a
menor diferença, politicamente falando, dos outros ministros em relação ao
golpe e à sua própria prisão.
A recente controvérsia em torno do voto de Zanin
sobre a “homotransfobia” demonstra ainda mais como a ideologia identitária pode
ser reacionária. Zanin foi o único a votar contra a equiparação do crime de
“injúria racial” ao de “homofobia” e “transfobia”, o que é um grande sinal
positivo. Até mesmo um ministro indicado por Bolsonaro votou a favor da medida.
No entanto, a esquerda muitas vezes não questiona por que todos os ministros de
direita apoiaram essa lei, pois está claro que a intenção não é defender os
direitos LGBT.
Essas leis repressivas não beneficiam os grupos que
afirmam defender. Na verdade, elas prejudicam negros, LGBT, mulheres e os
pobres e servem para ocultar a raiz dos problemas. A resposta à postura de
Zanin foi cinicamente distorcida. A imprensa golpista e seus colunistas
trataram o voto de Zanin como conservador, refletindo uma estratégia para minar
a confiança em Lula e pressioná-lo a nomear algum identitário.
A ideologia identitária, apoiada pela burguesia,
busca minar a confiança de Lula em figuras de sua confiança, como Zanin, e
promover a idéia de que o STF precisa de uma mulher negra só para disfarçar as
atrocidades cometidas pelo tribunal. No entanto, o foco deveria ser na atuação
técnica e não partidária de um ministro, como a de Zanin. Um ministro
progressista não deveria buscar criar leis pelo STF, mas sim avaliar se uma
determinada lei ou julgamento é constitucional, somente.
Zanin, ao votar contra a descriminalização da
maconha e resistir à manipulação do STF como órgão legislativo, demonstra uma
postura normal e alinhada com uma visão técnica e jurídica da posição que
ocupa. A descriminalização do porte da maconha da maneira que está sendo
aprovada no STF não vai mudar nada de significativo. Os pobres vão continuar
sofrendo nas mãos da polícia. Sua atitude levou a críticas da esquerda
identitária, que insiste na diversidade nas cortes superiores, sem compreender
que a raiz do problema não é a identidade do ministro, e sim a política levada
adiante.
A reação da esquerda identitária aos votos de Zanin
apenas revela como essa pressão é influenciada pela burguesia e como ela pode
ser prejudicial para a esquerda e para os direitos democráticos. A questão é
muito mais complexa do que simplesmente colocar uma mulher negra no STF, um
tribunal anti-democrático, que só atua contra o povo. Por pior que seja o Congresso
Nacional, o papel de legislar deve ficar exclusivamente com ele.
Zanin
diz que pode reajustar seu voto; placar é de 5 a 1 pela descriminalização
O único membro que expressou um voto desfavorável
até o momento à proposta de descriminalização da posse de substâncias ilícitas
para uso pessoal foi o ministro Cristiano Zanin, pertencente ao Supremo
Tribunal Federal (STF).
Ele sugeriu à instância judicial a possibilidade de
reconsiderar sua decisão, com o propósito de elevar o limite mínimo de droga
que estabelece a distinção entre um indivíduo consumidor de maconha e um
envolvido com o tráfico.
O processo de julgamento foi temporariamente
suspenso devido a uma solicitação de revisão mais aprofundada do caso pelo
ministro André Mendonça, que dispõe de um período de até 90 dias para restituir
o processo ao plenário.
No dia 24 desta semana, o Supremo Tribunal formou
uma maioria em apoio à ideia de definir um limite mínimo que estabeleça a
distinção entre as duas circunstâncias. Até o momento, os seis ministros que
emitiram seus votos se mostraram favoráveis a essa medida.
Zanin, cujo voto argumentou a favor da consideração
de alguém como usuário caso esteja portando até 25 gramas de maconha, desde que
não haja outros elementos que indiquem atividades de tráfico, reconheceu a
possibilidade de elevar esse limite para 60 gramas. Essa quantia mínima foi
proposta pelo ministro Alexandre de Moraes.
O relator do processo, Gilmar Mendes, e a
presidente do Supremo Tribunal, Rosa Weber, adotaram o mesmo critério estabelecido
pelo colega.
O ministro Luís Roberto Barroso, que originalmente
sugeriu a quantidade de 25 gramas, revisou sua posição e aumentou o limite para
100 gramas. Por outro lado, Edson Fachin não determinou uma quantidade mínima
específica.
Zanin enfrentou críticas por parte dos apoiadores
do presidente Lula nas redes sociais, devido à sua divergência em relação aos
colegas no tocante à descriminalização da posse de drogas para uso pessoal.
Na opinião do ministro, o Supremo não teria
autoridade para modificar a Lei das Drogas, promulgada em 2006, a qual eliminou
a possibilidade de prisão para indivíduos que fazem uso de substâncias
ilícitas, porém manteve o entendimento de que a posse permanece como um delito.
Isso resulta, na prática, em sanções penais para os usuários, ainda que de
natureza menos severa e distinta da prisão.
A visão do ministro é de que qualquer alteração
nesse sentido deveria ser conduzida pelo Congresso. Essa perspectiva também é
compartilhada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
No começo deste mês, ele expressou a opinião de que
o Supremo estava ultrapassando os limites de competência do Poder Legislativo
ao debater a questão da descriminalização da posse de drogas.
Em sua argumentação, Zanin declarou que estava
aderindo à interpretação jurídica do próprio Supremo Tribunal. Em 2007, a corte
concordou com o que é chamado de despenalização da posse de drogas, mas optou
por manter o caráter criminal da conduta.
Durante o processo de julgamento, o ministro
reconheceu, contudo, que ocorre uma interpretação equivocada e deturpada da lei
no Brasil, na qual o sistema judiciário classifica usuários como traficantes,
levando a prisões injustas e em larga escala.
Na visão do ministro, nesse cenário, é imperativo
integrar a quantidade de substância ilícita aos critérios já estabelecidos, a
fim de diferenciar entre aqueles que são usuários e os envolvidos com o tráfico
de drogas.
Fonte: Por Luís Nassif, no Jornal GGN/Brasil 247/O
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