Maconha: veja países que derrubaram restrições e o que o cenário indica
como possível tendência para o Brasil
Mesmo ilegal em muitos países, a maconha é a droga
mais usada no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Na Europa,
por exemplo, é consumida por 8% da população.
O g1 compilou dados que mostram que, de 40 países
monitorados por entidades internacionais que acompanham o tema, mais da metade
deles não determinam mais punição para os usuários.
Além disso, o g1 ouviu ainda especialistas para
saber se, a partir da experiência dos que liberaram a posse, é possível ter uma
ideia dos possíveis impactos no Brasil caso medidas semelhantes sejam adotadas.
👉 Contexto: No Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros decidem se o
porte de maconha para uso pessoal é crime (o placar até agora é de 5 a 1 a
favor da descriminalização) e se é possível diferenciar usuário de traficante
com base na quantidade de droga encontrada (o placar é de 6 a 0, e já há
maioria para definir uma quantidade-limite). O julgamento foi suspenso após um
pedido de vista.
Mas será que a descriminalização do porte poderá
levar ao aumento do número de usuários ou ao agravamento do tráfico de drogas?
De acordo com pesquisadores, é provável que não.
Com base nos países que liberaram o consumo, foram
percebidos pontos positivos em saúde pública (queda no consumo entre
adolescentes no Canadá, por exemplo), segurança (no Uruguai, caiu o consumo por
meios ilegais, enfraquecendo o crime organizado), e conscientização, com a
adoção de políticas para educar a população sobre os riscos do consumo.
• Realidade
pelo mundo
O levantamento reúne informações do Escritório das
Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC); do Centro de Monitoramento Europeu
para Drogas e Dependência (EMCDDA), agência da União Europeia; e do Monitor de
Política de Drogas nas Américas do Instituto Igarapé.
Como não havia dados disponíveis sobre produção e
venda para todos os países, foram consideradas apenas informações acerca de
porte/consumo de maconha.
• Estados
Unidos, diferentes realidades
Nos Estados Unidos, não há uma legislação unificada
para o país. Por lá, cada estado tem uma regra, que varia desde a legalização
até a punição criminal para o consumo da droga. Em 23 dos 50 estados
americanos, é legal o consumo da droga, assim como a plantação e o comércio
regulado.
Além disso, o país está entre os maiores
fornecedores da droga, o que é um retrato do investimento de grandes empresas
no ramo. Segundo o relatório das Nações Unidas, empresas no estado de
Washington, por exemplo, atingiram um pico de US$ 1,4 bilhão em 2020.
Abaixo, o g1 conta como três países lidam com a
maconha e, em seguida, se é possível tirar lições para o Brasil.
• Portugal
Desde 2001, a posse de maconha até 25 gramas não é
crime no país. A posse de todas as drogas também foi descriminalizada.
O governo adotou campanhas educativas e
monitoramento sobre o uso. Segundo o relatório do Serviço Nacional de Saúde,
houve redução na prevalência do uso de drogas ao longo da vida e maior
percepção sobre os riscos da maconha. Ao todo, 9% da população usa maconha,
pouco acima da média da Europa, que é de 8%.
Paulo Pereira, coordenador na PUC-SP do grupo de
pesquisas internacionais sobre políticas de drogas, explica que o modelo
aplicado em Portugal foi focado em não judicializar o que era uma questão de
saúde pública.
“A ideia dessa política é a de tirar o usuário da
marginalização, dar acesso a políticas de saúde e fazer campanhas educativas.
Observando o que ocorreu em Portugal, foi possível abrir o debate,
principalmente entre os jovens. O foco foi educar para fazerem escolhas
conscientes. É um caminho para solução do problema de saúde pública”, explica.
• Uruguai
No país, toda a cadeia da maconha é legalizada
desde 2015. Apesar disso, é preciso ter licenças específicas aprovadas pelo
governo para cada uma das atividades.
Ao g1, o governo uruguaio disse que, desde a
mudança na legislação, houve queda no consumo da maconha por meios ilegais e
que as mortes associadas às drogas seguem no mesmo índice. Segundo o governo
uruguaio:
• De
2014 a 2018, o consumo de maconha vinda do tráfico passou de 58% para 11%.
• Não
houve aumento na demanda de tratamento em saúde pública por uso de maconha nos
últimos cinco anos.
• Não
houve casos de morte por intoxicação.
• Atualmente,
14,6% dos uruguaios usam maconha, e o número mantém a tendência de crescimento
desde 2011.
O professor Marcos Baudean, pesquisador na
Universidad ORT Uruguai e que atuou no Instituto de Regulação e Controle de
Cannabis (IRCCA), do governo uruguaio, explica quais foram os objetivos da
medida:
A legalização no Uruguai foi feita para estabelecer
regras claras em um consumo que já existia, minimizar os problemas de saúde -
porque há uma regulação da qualidade da droga - e impedir que as pessoas
precisassem acessar os traficantes e, com isso, se envolver em atividades
ilícitas.
— Marcos Baudean, professor e pesquisador
Para ele, o aumento no tráfico de drogas é improvável
porque a legalização justamente enfraquece o crime organizado.
"Os países latino-americanos enfrentam uma
situação muito difícil porque o crime domina territórios e o crime organizado
gera um dano importante em nossas economias e em nossas populações. Então, a
legalização das drogas é uma maneira de combater um dos negócios importantes
para o crime organizado", afirma.
• Canadá
O Canadá legalizou o uso recreativo da maconha em
2018. Segundo o último relatório do Ministério da Saúde canadense, divulgado em
2022, houve uma redução no consumo entre adolescentes.
Além disso, o número de usuários entre 16 e 19 anos
caiu de 44% para 37% entre 2019 e 2022. A média de idade para o início do uso
da droga subiu de 18 anos para 20 anos entre 2018 e 2022.
Em nota ao g1, o governo canadense informou que as
primeiras observações após os primeiros cinco anos "sugerem progresso no
sentido de alcançar os objetivos de saúde e segurança públicas".
Dados de múltiplas fontes indicam que a maioria
significativa dos adultos que consomem cannabis a obtém no mercado legal. Além
disso, desde a legalização, a proporção de pessoas que consomem cannabis
diariamente ou quase diariamente manteve-se estável e tanto a percepção do
risco como o conhecimento dos riscos associados ao consumo de cannabis
aumentaram. — Nota do governo canadense
>>>> Brasil: o que esperar?
Com base na vivência de outros países que
descriminalizaram o porte, especialistas ouvidos pelo g1 avaliam que a
sociedade brasileira pode ter ganhos nas seguintes áreas:
• Saúde
pública
🩺 Mais ações: Enfrentar a realidade de que há usuários e que a droga é a
mais usada no país poderá ajudar a desenvolver ações de saúde pública para
tratar essas pessoas.
A mudança tem mais relação com a saúde pública do
que com a segurança pública.
— Paulo Pereira, coordenador na PUC-SP do grupo de
pesquisas internacionais sobre políticas de drogas
👨⚕️ Tratamento: A descriminalização seria um passo importante para tratar
o usuário com medidas de saúde pública, monitorando dados e impactos do uso de
drogas.
Com as devidas proporções por terem contextos
sociais e realidade diferentes, Pereira compara o Brasil a Portugal, onde a
droga foi descriminalizada:
"O resultado foi um impacto positivo em saúde
pública: não houve alta no consumo, houve queda do uso entre adolescentes e
maior percepção do risco da droga. A maconha já era usada e era um problema no
país antes da descriminalização, como no Brasil. A descriminalização veio para
estimular políticas de saúde no que já era necessário", diz.
📣 Mais diálogo na sociedade: A pesquisadora Marina Alkmin, do Instituto
Igarapé, sustenta ainda que descriminalizar abriria o diálogo para falar sobre
os riscos.
“Com a descriminalização, poderíamos falar sobre
isso abertamente e debater a conscientização sobre os riscos à saúde. As
pessoas poderiam decidir melhor sobre o que estão se expondo. Isso é uma
política melhor de redução de danos”, afirma.
• Segurança
pública
🚨 Diminuição da população carcerária: Hoje, os mecanismos que distinguem
o consumo do tráfico não são bem estabelecidos, o que leva muitos usuários para
a cadeia. Levantamento do g1 mostra que o país tem 322 encarcerados a cada 100
mil habitantes - e está entre os que mais prendem no mundo.
⚖️ Mais justiça social: Há diferença de gênero e raça nas abordagens, o
que faz com que usuários brancos e de classe média sejam em menor número entre
os usuários de baixa renda e negros.
🚬 Sem aumento no tráfico de drogas: Para Paulo Pereira, que também é
membro do Global Initiative Against Transnational Organized Crime no campo
“Drug Policy Reform” -- organização da sociedade civil que reúne países de
todos os continentes, é improvável o aumento no consumo e no tráfico de drogas.
Marina Alckmin, responsável por elaborar estudos
para fundamentar políticas públicas, também é da mesma opinião.
O tráfico e o consumo alto de drogas são uma
realidade brasileira. O que observamos em países onde isso ocorreu há mais de
dez anos é que não há um aumento do tráfico de drogas. É muito improvável que
isso ocorra no Brasil.
— Marina Alckmin, pesquisadora do Instituto
Igarapés
Para Ilona Szabó de Carvalho, presidente do Igarapé
e membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do
Secretário-Geral da ONU, o Brasil está atrasado nessa discussão, emperrando avanços
na segurança pública. Em países vizinhos, como Argentina e na Colômbia, a droga
já é descriminalizada.
A expectativa é que possamos avançar na
descriminalização de todas as drogas - decisão que seria embasada nas melhores
evidências - uma vez que somente dessa forma conseguiríamos um real impacto na
melhoria da atenção à saúde das pessoas em situação de vulnerabilidade que
fazem uso abusivo de drogas e na redução do encarceramento da população negra.
— Ilona Carvalho, presidente do Igarapé
Conscientização:
• Conscientização
sobre o consumo: Com políticas de saúde pública, é possível educar as pessoas
sobre o que elas consomem e os riscos. Assim como em Portugal, com a
descriminalização e campanhas, as pessoas aumentaram a percepção do risco.
“O uso de maconha é uma realidade, principalmente
entre jovens. Com a descriminalização, aqueles que usam vão se sentir menos
inibidos em falar sobre isso e será possível trabalhar em campanhas educativas
que envolvam pais e alunos e podem ajudar a reduzir o uso entre os mais
jovens”, diz Paulo Pereira.
Comércio legal de maconha
No Brasil, o STF está discutindo apenas a
descriminalização, então, não haverá impacto na economia.
Mas em países em que a droga foi legalizada e a
venda regulamentada, como Estados Unidos e Canadá, criou-se um mercado com
empresas que já tem receitas significativas e conversão em impostos.
De acordo com dados enviados pelos países à ONU, em
2020, o mercado de cannabis na Califórnia, nos EUA, atingiu US$ 4,4 bilhões em
vendas. No Colorado, chegou a US$ 2 bilhões.
No Canadá, o valor de varejo do mercado de maconha
em 2020 foi de US$ 2,6 bilhões de dólares e US$ 3,8 bilhões em 2021.
Segundo o relatório da ONU, os países informaram
que todos os estados impuseram impostos sobre a venda de maconha. Nos Estados
Unidos, em 2020 o estado do Colorado gerou US$ 387 milhões em impostos sobre a
venda da droga. Na Califórnia o valor foi de US$ 1,1 bilhões.
'Não é
lícito?', questiona jovem preso por tráfico na Marcha da Maconha, em BH
A Polícia Militar prendeu dois homens, de 22 e 26
anos, por tráfico de drogas durante a Marcha da Maconha, que aconteceu neste
sábado (26/8) com concentração na Praça da Estação. A Polícia Militar informou ao Estado de Minas
que os militares, inicialmente, foram à Praça da Estação para falar com os
organizadores a fim de saber o horário que o evento teria início. Por volta das
14h, enquanto monitoravam a concentração, os policiais flagraram a dupla
oferecendo drogas às pessoas.
Segundo a PM, eles não ofereceram resistência durante
a abordagem, sendo que um dos jovens questionou “se não seria lícita a conduta
deles”, já que participavam de uma manifestação a favor da descriminalização do
entorpecente. Ambos receberam voz de
prisão em flagrante e foram levados à delegacia. Quatro buchas de maconha, um
celular e a quantia de R$ 107 foram apreendidos.
• Manifestação
do porte
para uso pessoal da droga deu o tom do ato na tarde deste sábado. Às 16h20, os
manifestantes caminharam em direção à Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul
da capital. A Marcha da Maconha completa 15 anos em Belo Horizonte. O tema
deste ano é “Vamos plantar para reparar vidas” e busca discutir o uso medicinal
da droga. O caso levado ao Supremo pede a suspensão de um artigo da Lei
Antidrogas que proíbe o armazenamento, plantio e transporte de drogas para uso
pessoal. O STF retomou o julgamento sobre a descriminalização na última
quinta-feira (24/8). O tema começou a ser analisado pelo plenário em 2015 e,
desde então, ficou parado na Corte após um pedido de vistas — mais prazo para
analisar o caso — por parte do ministro Teori Zavascki.
O magistrado, porém, morreu em um acidente aéreo, e
o ministro Alexandre de Moraes herdou o processo e o devolveu para julgamento
no plenário em 2018. Já são quase oito anos com a ação parada. O julgamento
desta semana foi interrompido por pedido de vista do ministro André Mendonça,
mas a presidente da Corte, ministra Rosa Weber, decidiu antecipar seu voto, já
que se aposenta em setembro. Os ministros Nunes Marques e Luiz Fux decidiram
aguardar a volta do caso após o pedido de Mendonça.
Fonte: g1
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