sábado, 29 de julho de 2023

Três razões para o aumento de investimento externo na América Latina – e por que Brasil lidera o ranking

Em 2022, na contramão do que ocorreu no resto do mundo, o investimento estrangeiro direto na América Latina e no Caribe cresceu e atingiu um recorde histórico: US$ 224,579 bilhões (R$ 1,06 trilhão), 55,2% a mais que no ano anterior, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

O montante surpreende também porque vai contra o chamado "flight to quality", um fenômeno que ocorre, por exemplo, quando o banco central americano aumenta as taxas de juros e os fluxos de capitais saem da América Latina e de outros países emergentes e "voam para destinos mais seguros", como os EUA.

Ou seja, de países com risco para outros com menos.

Mas, desta vez, os economistas foram surpreendidos por uma entrada inusitada de recursos nas principais economias latino-americanas, contrariando a tendência mundial.

O peso desses fluxos no PIB regional também aumentou, chegando a 4%, ainda segundo a Cepal.

O Brasil foi o país que mais se beneficiou, com 41% do total de investimentos estrangeiros que vieram para a América Latina, seguido por México, Colômbia e Chile.

A Argentina também foi contemplada, apesar de sua economia ser uma das mais vulneráveis ​​do continente.

Entenda, a seguir, os motivos de tudo isso.

·         1. Distância da guerra na Ucrânia

Os US$ 224,579 bilhões que entraram na América Latina e no Caribe em 2022 equivalem ao PIB do Peru, a sexta maior economia da região.

Para Jimena Blanco, analista-chefe de risco global da consultoria estratégica Verisk Maplecroft, a volatilidade global gerada pela invasão russa da Ucrânia beneficiou a América Latina em geral.

"A região está distante do conflito – tanto geograficamente quanto diplomaticamente – e, ao mesmo tempo, oferece alternativas para cadeias de abastecimento que foram interrompidas ou quebradas como resultado da guerra."

A analista destaca os investimentos no setor de energia e na indústria agroalimentar, tanto na produção de grãos quanto de fertilizantes.

"Chile, Colômbia e Argentina são três das economias regionais que também se beneficiaram da corrida entre o Oriente e o Ocidente para garantir sua segurança energética, tanto agora como no futuro", diz Blanco.

"Os recursos de petróleo e gás, a mineração (especialmente para a transição energética) e o potencial de geração de energia por meio de fontes renováveis ​​levaram ao aumento dos fluxos nos três casos", acrescenta.

Nesse ponto, ele concorda com Marco Llinás, diretor da divisão de desenvolvimento produtivo e empresarial da Cepal, que destaca o papel da energia limpa e seu poder de atração de investimentos estrangeiros.

"A transição energética representa uma grande oportunidade para a América Latina em termos de desenvolvimento produtivo", afirma.

·         2. Atratividade mantida

No final de 2021 e início de 2022, a América Latina teve uma normalização da atividade econômica após a fase mais aguda da pandemia de covid-19.

Economistas têm repetido que muitos países da região se anteciparam à alta de juros nos Estados Unidos e chegaram a esse momento com suas economias em boas condições para enfrentar o choque que ela sempre acarreta.

O aperto das condições financeiras na primeira economia do mundo provoca, normalmente, uma valorização do dólar e uma depreciação das moedas locais dos países de onde sai o capital.

Mas "desta vez esse fenômeno não foi tão intenso como em outras ocasiões, porque antes de o Fed começar a aumentar as taxas de juros, os bancos centrais da América Latina já começaram a fazê-lo para controlar a inflação", explicou à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Juan Carlos Martinez Lázaro, economista e professor da IE Business School de Madri.

"E até hoje eles mantêm taxas de juros notavelmente mais altas que as do Fed, o que em países como Brasil e México desacelera a saída de capitais e mantém o real e, principalmente, o peso mexicano forte em relação ao dólar."

"Além disso, o mercado prevê que o Fed poderia começar a baixar as taxas de juros no próximo ano, por isso muitos países da região mantêm sua atratividade para atrair investimentos estrangeiros, já que as expectativas de negócios neles permanecem intactas", acrescenta Martinez Lázaro.

Os setores que mantêm sua atratividade estão relacionados aos serviços -especialmente o financeiro - que manteve sua liderança.

"Também vale mencionar que foram reativadas as entradas nos setores relacionados a recursos naturais e manufaturados", disse o especialista da Cepal.

·         3. Os benefícios ficaram em casa

Por várias razões, os lucros de muitas empresas estrangeiras não saíram da América Latina, em uma tendência observada em 2022 para "maximizar o capital".

As subsidiárias de grandes empresas estrangeiras sediadas na região retinham os lucros em vez de repassá-los à matriz.

"O choque da economia durante o pior momento da pandemia em 2020 fez com que muitas empresas retivessem seus lucros naquele ano, que foram investidos posteriormente em 2021, mas em maior proporção em 2022", diz Blanco.

Algumas vantagens dessa prática são que se paga menos impostos sobre os lucros gerados e, ao mesmo tempo, se permite o acesso ao crédito de forma mais eficaz às subsidiárias que, de outra forma, teriam de acessá-lo a um preço consideravelmente mais elevado no mercado.

O exemplo mais claro dessa prática é a Argentina. Devido a restrições de capital, as subsidiárias no país reinvestem os lucros em vez de repassá-los para a controladora.

"Neste contexto, não é surpreendente que os EUA e a UE continuem sendo a fonte do maior investimento estrangeiro direto na América Latina e no Caribe. Mas também há um impacto das tensões geopolíticas e dos planos de estímulo de Washington para incentivar o 'nearshoring' na região", acrescenta o analista da Verisk Maplecroft.

Com "nearshoring", o especialista se refere à transferência de parte da produção que é feita na China para a América Latina.

"Na verdade, tanto o México quanto a Colômbia se beneficiaram dessa tendência, embora em proporções diferentes."

"No primeiro caso, o USMCA (acordo comercial entre México, Estados Unidos e Canadá) e os elos das cadeias de valor integradas na sub-região desempenham um papel muito importante. No caso da Colômbia, o primeiro governo de esquerda do país não gerou uma ruptura dos fortes laços comerciais entre os setores privados de ambos os países."

<><> País a país

·         Brasil

Marco Llinás, diretor da divisão de desenvolvimento produtivo e empresarial da Cepal acredita que "devemos tomar nota do crescimento extraordinário que ocorreu em particular no investimento estrangeiro direto no Brasil, que representa 41% do total de investimento estrangeiro direto na região" .

O Brasil teve um aumento de 97% em sua receita de investimento estrangeiro direto, que foi principalmente para o setor de serviços, seguido por manufatura e recursos naturais.

·         México

Na indústria automotiva mexicana, foi importante o anúncio da Tesla de que construirá uma megafábrica em Nuevo León.

O movimento confirma a liderança do país como maior fabricante de veículos elétricos das Américas, atraindo até US$ 5 bilhões.

"Sempre insisto que a chegada desse investimento não foi repentina. Em Nuevo León está sendo trabalhada uma iniciativa de cluster no setor automotivo, que hoje é inclusive uma referência mundial. Há um trabalho articulado entre os setores público, privado e acadêmico, trabalhando para melhorar a produtividade e a competitividade desse setor", diz Llinás.

·         Chile e Colômbia

Nos casos do Chile e da Colômbia, Jimena Blanco acredita que os processos eleitorais no final de 2021 e início de 2022 também afetaram negativamente os fluxos de investimento estrangeiro direto em 2021.

"Resolvidas as disputas eleitorais, os investidores têm maior clareza sobre as políticas a serem implementadas por cada governo, o que facilita a tomada de decisões e permite a retomada dos fluxos", destaca.

·         Argentina

"No caso da Argentina, a volatilidade inerente a uma crise econômica sustentada significa que os ativos argentinos estão com um preço muito baixo para investidores dispostos a enfrentar o alto risco macroeconômico do país", acrescenta a analista.

O investimento estrangeiro cresceu muito em 2022 devido aos empréstimos entre empresas e ao reinvestimento dos lucros, devido a rígidos controles tributários que colocam muitos obstáculos à saída de capitais.

Este investimento destinou-se fundamentalmente ao setor do lítio, hidrocarbonetos não convencionais e ao setor das tecnologias de informação.

Este fechamento extraordinário de 2022 não parece que se repetirá este ano, mas a Cepal acredita que existem oportunidades muito novas para a América Latina em uma era de reconfiguração das cadeias globais de valor e relocalização geográfica da produção.

Tudo como consequência de uma globalização em mudança.

 

Ø  Para Haddad, este segundo semestre deverá ser bem mais complicado do que o primeiro

 

Pouca gente cantou vitórias nos primeiros meses de governo como Fernando Haddad. Com a bênção de Lula, o ministro tomou controle da agenda econômica, cortou intermediários e negociou com o Congresso o avanço de sua plataforma, com aumento do PIB e boas previsões das agências de risco. As águas no segundo semestre talvez não sejam tão tranquilas.

O arcabouço fiscal e a reforma tributária navegaram com velocidade porque convergiam com interesses dos parlamentares. Não é que o ministro não tenha sido hábil nas articulações para aprovar as propostas, mas os congressistas também queriam mostrar serviço na área.

A boa vontade pode não ser a mesma nas próximas etapas. A agenda de Haddad depende de medidas que forcem um aumento rápido na arrecadação de impostos e facilitem sua promessa de fechar o buraco nas contas do governo. Políticos à direita e à esquerda torcem o nariz para uma parte ou outra da equação.

Um sinal foi emitido no meio do recesso parlamentar por Arthur Lira, líder de fato do centrão. O presidente da Câmara disse que as propostas de Haddad para mudar regras de taxação de renda e de investimentos dos super-ricos é “um risco grande”.

Um componente ideológico explica parte da resistência. O centrão identifica as propostas como itens de uma agenda de esquerda, e nenhum cargo no governo deve eliminar a vocação de direita desses parlamentares na pauta econômica.

O resto é política. O centrão apoiou em massa a reforma tributária sabendo que a proposta envolve uma transição longa, mas nem todo o grupo está disposto a entregar os resultados imediatos de um aumento de arrecadação. Seria mais proveitoso, segundo a lógica, negociar em etapas o fôlego concedido ao governo.

Outras desconfianças estão dentro de casa. Uma ala do PT rejeita a ideia de zerar o déficit nas contas em 2024 porque a medida limita a ferramenta preferida do grupo para estimular a economia, que são os gastos do governo.

O temor é que a dificuldade para aumentar receitas leve a Fazenda a apertar as despesas, porque a reforma fiscal só vale em 2024.

·         Governo fecha o 1º semestre com rombo de R$ 42,5 bilhões nas contas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fechou o primeiro semestre do seu mandato com as contas públicas registrando um rombo (déficit) de R$ 42,5 bilhões, de acordo com dados divulgados nesta quinta-feira pelo Tesouro Nacional. É o pior resultado para o período desde 2021.

No mesmo período do ano passado, o governo registrou um superávit (ou seja, receitas maiores que despesas) de R$ 54,2 bilhões. O governo quer fechar este ano com um rombo abaixo de R$ 100 bilhões.

“No mesmo período do ano passado houve ingresso de valores da privatização da Eletrobras e de dividendos do BNDES, que criaram uma distorção. No acumulado do ano temos, do ponto de vista da receita total, uma queda real. Além disso, um crescimento de 5%” — disse o secretário do Tesouro, Rogério Ceron.

O resultado deste ano, até agora, é decorrente de uma queda da receita do governo federal, ao mesmo tempo em que as despesas subiram. A receita total caiu R$ 62,5 bilhões, já descontada a inflação, com queda na arrecadação com concessões, dividendos de estatais e dos impostos IPI e CSLL. O IPI é o Imposto sobre Produtos Industrializados e teve alíquotas reduzidas durante o governo Jair Bolsonaro. Já a CSLL é o imposto cobrado sobre os lucros das empresas.

Para Ceron, porém, não há queda estrutural da arrecadação. Segundo ele, medidas já tomadas, como reoneração de combustíveis, terão impacto no segundo semestre

“Queda brutal do IGP-M em 2023 afeta a base de arrecadação em termos nominais. Apreciação do real é saudável, mas também gera redução na projeção de receita. Ainda consideramos viável déficit próximo de R$ 100 bilhões em 2023” — disse ele.

As despesas do governo, por sua vez, cresceram R$ 47,5 bilhões, também já descontada a inflação. O governo turbinou os gastos para este ano com a chamada “PEC da Transição”, que permitiu uma ampliação de gastos da ordem de R$ 145 bilhões neste ano.

Esse aumento de despesas é puxado pela alta de R$ 44,2 bilhões no Bolsa Família; pelo acréscimo de R$ 9,4 bilhões no pagamento de sentenças judiciais e precatórios (custeio e capital).

 

Fonte: BBC News Brasil/FolhaPress/O Globo

 

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