Obesidade altera
cérebro de modo possivelmente irreversível
A obesidade pode
prejudicar a capacidade do cérebro humano de reconhecer a sensação de saciedade
e de satisfazer-se, após a ingestão de gorduras e açúcares, indica um artigo
publicado nesta segunda-feira (12/06) pela revista científica Nature Metabolism. Há sinais de que
essas alterações são irreversíveis, mesmo após a perda de 10% do peso.
Num
estudo controlado, 30 indivíduos clinicamente obesos e 30 de peso normal
receberam glucose, lipídeos e água (como elemento de controle), diretamente no
estômago, através de um tubo. Considera-se clinicamente obeso quem apresenta um
índice de massa corporal (IMC) superior a 30 – sendo a taxa normal entre 18 e
25.
"Queríamos
ultrapassar a boca e nos concentrar na conexão estômago-cérebro, para ver como
os nutrientes afetam o cérebro, independente de se ver, cheirar ou saborear a
comida", explicou à rede de notícias CNN a autora principal do estudo,
Mireille Serlie, professora de endocrinologia da Yale School of Medicine de New
Haven, Connecticut.
·
Reações cerebrais variam com o IMC
Na
noite anterior ao teste, todos os 60 participantes jantaram a mesma refeição,
em casa, não comendo mais nada até a sonda de alimentação estar colocada, na
manhã seguinte.
À
medida que açúcares ou gorduras penetravam no estômago, os pesquisadores
empregaram técnicas de imagem por ressônancia magnética funcional (fMRI, na
sigla em inglês) e tomografia computadorizada por emissão de fóton único
(Spect) para registrar a reação cerebral ao longo de 30 minutos.
O
objetivo era verificar como lipídeos e glucose acionariam individualmente
diferentes áreas cerebrais relacionadas aos aspectos gratificantes da
alimentação, em busca de eventuais diferenças entre os dois grupos de
participantes.
"Estávamos
especialmente interessados no corpo estriado, a parte do cérebro envolvida na
motivação de ir procurar alimento ativamente e comê-lo", relata Serlie.
Situado nas profundezas do cérebro, o corpo estriado também tem um papel nas
emoções e na formação de hábitos.
"O
MRI mostra onde os neurônios estão consumindo oxigênio em reação ao nutriente:
essa parte do cérebro se ilumina", analisou para a CNN I. Sadaf Farooqi,
professor de metabolismo e medicina da Universidade de Cambridge, que não
integrou a pesquisa.
"O
outro rastreamento mede a dopamina, um hormônio que compõe o sistema de
recompensa, o sinal para se achar algo prazeroso, gratificante e motivador, e
aí querer essa coisa."
·
Cerébro não é tão flexível quanto se gostaria
Nos
sujeitos de peso normal, os sinais elétricos do corpo estriado se desaceleraram
quando açúcares ou gorduras foram introduzidos no sistema digestivo, indicando
que o cérebro reconhecia que o organismo fora alimentado.
Isso
faz sentido, pois "uma vez que o alimento chega ao estômago, não há por
que ir buscar mais comida", explica Serlie. Ao mesmo tempo, os níveis de
dopamina subiram, sinalizando que os centros de recompensa também haviam sido
ativados.
Este
não foi o caso com o grupo dos clinicamente obesos, porém: sua atividade
cerebral geral não ficou mais lenta, e os níveis de dopamina não baixaram.
Pediu-se
em seguida aos participantes obesos que, no prazo de três meses, perdessem 10%
de seu peso – uma porcentagem que comprovadamente melhora os níveis de glicose
no sangue, reconfigura o metabolismo e beneficia a saúde em geral.
Quando
os testes foram repetidos, a surpresa foi que a resposta cerebral desses
indivíduos não havia se readaptado. "Nada mudou: seu cérebro continuou não
registrando saciedade nem se sentindo satisfeito", relata Serlie.
"Bem,
pode-se argumentar que três meses não é tempo suficiente, ou que eles não
perderam bastante peso. Mas esse resultado talvez também explique por que há
quem consegue perder peso e depois o recupera todo, alguns anos mais tarde: o
impacto sobre o cérebro talvez não seja tão reversível como gostaríamos que fosse."
Uma
meta-análise de estudos clínicos de perda de peso de longo prazo, realizada em
2018, constatou que 50% do peso fora recuperado após dois anos; até o quinto
ano a taxa média era de 80%.
·
Por que obesidade é uma doença
Sadaf
Farooqi classifica o experimento americano como "muito rigoroso e bastante
abrangente". Sua relevância é confirmada por outra entrevistada da CNN,
Caroline M. Apovian, professora de medicina da Harvard Medical School.
"O
estudo explica por que obesidade é uma doença: ocorrem alterações reais no
cérebro. Não houve sinais de reversibilidade: nos cérebros dos indivíduos com
obesidade continuaram faltando as reações químicas que dizem ao corpo: 'Ok,
você comeu bastante.'"
Em
seu artigo de 2013 As
consequências clínicas e econômicas da obesidade, Apovian, também
codiretora do Centro para Gestão de Peso e Bem-Estar do Brigham and Women’s
Hospital de Boston, alerta: "A obesidade e suas muitas sérias comorbidades
exercem um ônus pesado, tanto
em termos humanos quanto econômicos."
"Mais
de um terço dos adultos dos Estados Unidos são obesos e, portanto, sujeitos a
taxas elevadas de diabetes, hipertensão, dislipidemia e outros fatores de risco
para doenças cardiovasculares. O efeito negativo para a qualidade de vida
desses indivíduos é enorme."
Por
outro lado, a própria coordenadora Mireille Serlie alerta para a necessidade de
cautela ao interpretar as constatações do estudo: "Não sabemos quando
essas alterações profundas ocorrem, no decorrer do ganho de peso. Quando o
cérebro começa a resvalar e perder a capacidade sensória?"
·
"Comer menos, mais exercício" e estigma não é
a resposta
A
obesidade tem um componente genético e, embora os pesquisadores tenham tentado
considerá-lo, excluindo participantes com obesidade desde a infância, também é
possível que "os genes estejam influenciando a reação do cérebro a certos
nutrientes", ressalva Farooqi.
A
seu ver, é preciso muito mais pesquisa para compreender inteiramente o que a
obesidade causa no cérebro, se é desencadeada pelo próprio tecido adiposo, os
tipos de comida ingeridos, ou outros fatores ambientais e genéticos.
"Ocorreram
mudanças à medida que as pessoas ganharam peso? Ou houve coisas que comeram
quando estavam ganhando peso, como alimentos
ultraprocessados,
que causaram uma alteração no cérebro? Todas essas alternativas são possíveis,
e nós realmente não sabemos qual é a correta", questiona o professor de
Cambridge.
Enquanto
a ciência se ocupa dessas questões, o estudo enfatiza que estigmatização não
tem lugar na luta contra a obesidade: "A crença de que se possa resolver o
excesso de peso simplesmente 'comendo menos, fazendo mais exercício', e que não
fazer isso é falta de força de vontade, é tão simplista e tão equivocado",
comenta Serlie.
"Acho
que é importante, para quem está se batendo com a obesidade, saber que um mau
funcionamento do cérebro pode ser a razão por que eles lutam com a ingestão de
alimentos. E tomara que essa informação aumente a empatia por sua luta."
Fonte:
Deutsche Welle
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