O que muda com a
reforma tributária: dez perguntas e respostas
A
empreendedora Carolina Montenegro foi beneficiada pela pandemia. O coronavirus
prendeu as pessoas em casa. As restrições estimularam muita gente a cozinhar e
a acompanhar as refeições com uma boa bebida. Isso turbinou um negócio que
Montenegro havia criado dois anos antes, uma plataforma para vender vinhos
denominada Soma. Atualmente a empresa oferece trabalho para 10 mil
representantes comerciais em todo o País – chamados embaixadores – e movimenta
R$ 2 milhões por mês em bebidas e alimentos.
Os
negócios se concentram em São Paulo, sede da Soma. Não é bairrismo, é
dificuldade, mesmo. “Nós não compramos e vendemos, nós representamos produtores
e importadores, e isso dificulta muito vender para outros Estados”, diz ela. A
explicação da empresária é uma pós-graduação instantânea em custo Brasil. “Se
um mesmo cliente de outro Estado comprar seis garrafas de vinho de seis
produtores diferentes, eu terei de emitir seis notas fiscais e empacotar cada
garrafa em uma caixa”, diz. “Colocar tudo junto reduz custos e é inclusive mais
ecológico, mas a fiscalização do ICMS vai apreender a carga na divisa do
estado, porque eu estarei descumprindo a lei.” Como resultado, as vendas para
mercados com muito apetite (e sede), como Minas Gerais, ficam aquém do
potencial.
O
exemplo da Soma é um grão de areia em um deserto de ineficiências, desperdícios
e problemas criados pela estrutura tributária brasileira. O Brasil tem um
governo federal, 27 governos estaduais e 5.568 governos municipais. Atualmente,
cada um deles pode estabelecer suas próprias regras e alíquotas de tributação.
Isso representa um obstáculo terrível para os negócios e um tormento para os
empresários. E mesmo os profissionais de contabilidade e os advogados
tributaristas, que teoricamente seriam beneficiados por essa complexidade, se
queixam de que é muito difícil entender a confusão.
Por
isso, a aprovação da a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019, mais
conhecida como Reforma Tributária, pode vir a ser uma mudança importante para
aumentar a competitividade e reduzir as ineficiências da economia brasileira. O
projeto foi aprovado após negociações intensas entre governadores, partidos
políticos, representantes do empresariado e o próprio governo. A redação final
aprovada na Câmara – e que ainda terá de passar pelo Senado – ficou bastante
diferente da proposta original.
A
ideia inicial era simplificar a estrutura tributária. Para isso, cinco impostos
seriam extintos: PIS, Cofins e IPI (Imposto sobre Produção Industria), que são
federais. O ICMS, estadual. E o ISS, municipal. “Todos eles são impostos sobre
o valor agregado, e a ideia era fazer como nos países desenvolvidos,
transformando tudo isso em um só imposto, com uma alíquota única”, diz o
advogado André Simão, sócio da Leal Cotrim Advogados. Com isso, espera-se
eliminar boa parte da complexidade diária de quem produz nas regiões Sul e
Sudeste e vende para consumidores no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
O
tema é amplo e complexo. E ainda não há certezas. A PEC ainda vai passar pelo
Senado. Se houver mudanças profundas, o texto volta à Câmara. Depois de
tramitar pelo Legislativo, ainda terá de ser submetido à sanção presidencial.
Pensa que acabou? Não, boa parte terá de ser regulamentada por Leis
Complementares, sem falar na enormidade de normatizações necessárias para
colocar isso em prática.
Forbes
consultou especialistas e trouxe um resumo do que pode (ou não) mudar com a
proposta aprovada na sexta-feira. Para facilitar, vai na forma de perguntas e
respostas.
• 1) O imposto de renda sobre salários e
investimentos vai mudar?
Não.
Apesar de alterações na tributação da renda estarem em pauta, elas ficaram para
depois. O que ainda vai mudar serão impostos sobre o consumo, e ainda assim haverá
uma transição estimada em dez anos. Por enquanto, não estão sendo discutidas
mudanças no imposto de renda, sobre investimentos e sobre heranças.
• 2) Quais impostos vão mudar?
Três
impostos federais – o PIS, o Cofins e o IPI – serão substituídos pela Contribuição
sobre Bens e Serviços (CBS), que será um imposto federal ainda a ser
regulamentado. A principal mudança é que o ICMS, que é estadual e incide sobre
as vendas, e o ISS, que é municipal e incide sobre serviços, serão unificados
no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Isso vai eliminar as 27 legislações
estaduais e as (na prática) centenas de legislações tributárias municipais,
facilitando a vida dos empresários.
• 3) O que a CBS e o IBS vão facilitar?
Os
processos das empresas. “Você não terá mais as 27 legislações do ICMS e as mais
de 5 mil legislações do ISS”, diz William Almeida, da Alldax Contabilidade e
Consultoria. “Há cerca de mil normas que tratam do PIS, da COFINS e também do
IPI. Só essa simplificação vai gerar uma economia drástica nas empresas.”
• 4) Qual a principal vantagem?
A
redução da incerteza fiscal. Atualmente, várias questões tributárias são
controversas. Como a tendência é resolver esses problemas no Judiciário, isso
arrasta os problemas por anos e provoca insegurança jurídica. Por exemplo, uma
empresa de software presta um serviço ou vende um produto? Ou seja, o imposto é
estadual (ICMS) ou municipal (ISS)? Onde esse imposto deve ser recolhido? No
Estado em que está a empresa, ou no município onde está o usuário? “Essa questão
tramitou pelo Judiciário por décadas antes de ser resolvida”, diz André Simão.
“Agora, problemas como esse podem deixar de existir, o que reduz bastante a
insegurança para empresários.”
• 5) Esse efeito será positivo imediato?
Não.
Segundo Genildo Rosales, sócio da Quality Tax, em um primeiro momento haverá um
grande esforço de adaptação das empresas para se adaptar durante o período de
transição, considerando que precisarão ainda atender aos procedimentos e
obrigações fiscais previstas na legislação atual em vigor.
• 6) Como será a mudança?
Gradual.
A CBS e o IBS serão implementados a partir de 2026, em uma transição que só vai
se encerrar em 2032. Em 2026, a CBS começará a ser cobrada a uma alíquota de
0,9%, e o IBS a um percentual de 0,1%. Em 2027, o PIS e a Cofins deixam de
existir, e as alíquotas do IPI serão zeradas.
• 7) Quais setores serão beneficiados?
O
agronegócio, a indústria e os exportadores. Segundo Wilson Victorio Rodrigues
advogado e diretor-geral da FAC-SP, esses setores terão mais possibilidades de
compensar os impostos que pagam hoje, o que facilitará uma redução, na prática,
da carga fiscal. “Todavia, considerando o benefício prometido com a
simplificação dos processos fiscais, desburocratização, eliminação da guerra
fiscal, de uma certa forma, todas as atividades devem ser beneficiadas”, diz
Rosales, da Quality Tax.
• 8) Quais setores serão prejudicados?
O
setor de serviços. É um consenso entre os especialistas que a carga tributária
vai subir para as empresas de serviços, que são o maior empregador e as mais
representativas da economia. Isso deve provocar um aumento dos custos. “A
alíquota ainda não está definida, mas o que se discute é implementar uma
alíquota de 23% a 25%” diz William Almeida, da Alldax Contabilidade e
Consultoria. “Atualmente, o setor tem uma alíquota média de 10% a 12%, então a
alíquota média está praticamente dobrando.”
• 9) A reforma vai afetar todas as
empresas?
Não.
Segundo Simão, poderá haver dois grandes grupos. Quando os clientes das
prestadoras de serviços forem outras empresas, elas poderão repassar o aumento
dos impostos na cadeia produtiva. “Porém, os clientes pessoas físicas de
empresas de serviços, como por exemplo quem tem filhos em escolas particulares,
vão sentir um aumento dos preços, pois as alíquotas maiores muito provavelmente
serão repassadas”, diz ele. Segundo Simão, o aumento do imposto será mais
sentido pela classe média.
• 10) Todo o setor será prejudicado?
Não.
Segundo Wilson Rodrigues, da FAC, cerca de 90% das empresas prestadoras de
serviços são pequenas e optantes pelo Simples Nacional, sistema de tributação
simplificado e com alíquotas menores. Como o Simples não muda, esses pequenos
prestadores de serviços não terão alteração na forma de fazer negócios.
Texto da reforma deixa brecha para novo
imposto
Apesar
de elogiarem a reforma tributária, os setores de mineração e petróleo e gás
criticaram, ontem, a possibilidade de os governos estaduais criarem tributos
sobre produtos primários produzidos em seus territórios, prevista no artigo 20
do texto aprovado pela Câmara. Para do Instituto Brasileiro de Mineração
(Ibram), Raul Jungmann, o dispositivo, incluído na proposta em emenda
aglutinativa, "é desastroso para o setor produtivo e às exportações".
A
preocupação do Ibram, que representa companhias como Vale, CSN e Gerdau, entre
outras é compartilhada pelo Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP). "Ponto
importante de preocupação é a possibilidade de estados e o Distrito Federal
instituírem a cobrança de uma contribuição sobre produtos primários, produzidos
em seus territórios, o que poderá afetar a competitividade e a atratividade de
investimentos no setor de óleo e gás", afirma nota divulgada pelo IBP.
• Tributação elevada
"A
indústria de óleo e gás já possui uma alta carga tributária — em torno de 70%
—, além de ser uma grande arrecadadora de impostos e tributos. Somente entre
2010 e 2021, foram pagos R$ 2,13 trilhões em participações governamentais pelo
setor, que atualmente representa cerca de 15% do PIB industrial", informou
a entidade que representa o setor de óleo e gás no Brasil.
Para
o IBP, entretanto, a aprovação do novo sistema de impostos na Câmara é "um
marco importante e transformador que trará racionalidade fiscal e
competitividade para a economia, a partir da simplificação do sistema
tributário, possibilitando a atração de investimentos para o país".
Na
nota, o IBP ainda demonstra preocupações em relação a outros itens da proposta.
A entidade defende, por exemplo, a manutenção do Repetro, regime aduaneiro
especial de importação e exportação do setor. "O Repetro não é uma
desoneração, mas um regime que permitiu o avanço do segmento de exploração e
produção de petróleo e gás no país", diz o comunicado.
O
texto aprovado na Câmara ainda pode ser alterado no Senado.
Reforma tributária é "avanço
positivo", dizem empresários
Entidades
que representam setores econômicos reagiram, nesta sexta-feira (7/7), à
aprovação da reforma tributária na Câmara dos Deputados. Para grande parte do
empresariado, a medida trouxe avanços positivos, embora não tenha agradado a
todo mundo. Setores que se sentiam prejudicados, como o agronegócio,
reconheceram que o texto final aprovado incluiu suas demandas. O objetivo das
associações agora é manter as conquistas e buscar novas vitórias com a
discussão da matéria do Senado Federal, cuja votação deve ocorrer até novembro.
A
indústria, que deve ser bastante beneficiada pela simplificação dos tributos,
foi um dos setores mais ativos durante as discussões, e apoiou integralmente o
texto, que teve como relator o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e foi
discutido por um grupo e trabalho coordenado pelo deputado Reginaldo Lopes
(PT-MG).
• CNI e Fiesp elogiam
"Essa
proposta traz um conjunto de virtudes que, uma vez em vigor, serão benéficas
para todos os setores econômicos e para os brasileiros em geral. Vamos ter no
Brasil, enfim, um sistema tributário moderno e que deixará de ser um estorvo
caro no dia a dia de quem paga seus impostos, não importa quem seja",
comentou o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CI), Robson Braga
de Andrade, em nota enviada à imprensa.
O
presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué
Gomes da Silva, a aprovação da reforma vai desatar os nós que amarram o
progresso e o bem-estar social do país. "Foi uma batalha de décadas, que
perpassou várias legislaturas e governos", lembrou, destacando a maioria
expressiva de deputados que deram aval ao texto básico da proposta.
Em
coletiva, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores (Anfavea), Mário de Lima Leite, destacou que é difícil aprovar uma
reforma desse tipo em um governo democrático, e comentou sobre a reta final
conturbada das negociações.
"O
não anúncio estava passando a ideia equivocada de que as coisas não estavam
acontecendo", disse. "Acreditamos, sim, em aumento de investimentos,
em previsibilidade, em amadurecimento do país. Estamos, de forma geral,
celebrando a aprovação", acrescentou Leite.
O
vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços,
Geraldo Alckmin (PSB), enfatizou os efeitos das mudanças sobretudo no setor
industrial. A reforma, ressaltou "é o primeiro passo para o fim do
manicômio tributário", como o atual sistema de impostos costuma ser classificado.
Segundo ele, as mudanças são fundamentais para que a economia ganhe eficiência
e competitividade.
• Bancos apoiam
Outro
que celebrou a aprovação da reforma foi o setor bancário, representado pela
Federação Brasileira de Bancos (Febraban). O presidente da entidade, Isaac
Sidney, cumprimentou o trabalho do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur
Lira (PP-AL) e da equipe econômica do governo, especialmente o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad.
"O
pior cenário seria ficarmos presos na falta de consenso, na busca de uma
reforma ideal, e deixar o assunto se arrastar ainda mais por meses e anos a
fio", argumentou Sidney. "A Febraban permanece aberta a participar e
contribuir para os passos seguintes deste debate", acrescentou.
• Agronegócio tem ressalvas
Alguns
setores, porém, demonstraram preocupação com a reforma desde o início. Um deles
foi o do agronegócio, que dispõe atualmente de uma série de benefícios fiscais
que fomentam sua produção. Dados preliminares da Confederação Nacional da
Agricultura e Pecuária (CNA) estimavam um aumento de até 875% na tributação
sobre a agricultura e de 783% sobre a pecuária.
Ontem,
porém, a CNA reconheceu as conquistas da bancada ruralista, a maior do
Congresso Nacional. Para a entidade, os textos iniciais "traziam grandes
prejuízos ao agro, com reflexos à sociedade", e o relatório inicial do
deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), embora tenha apresentado melhoras, ainda
era bastante negativo para o agro.
"Depois
de longa negociação, os parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária
(FPA) conseguiram avanços significativos em todos os itens endereçados pelo
setor. A CNA reconhece e parabeniza o trabalho da FPA, e ressalta que seguirá
atuando no Senado para manter os avanços obtidos na Câmara", declarou a
Confederação.
• Comércio e serviços temem carga mais
elevada
Algumas
ramificações do comércio, que também deve sofrer aumento na carga tributária,
reconheceram conquistas durante a reta final de negociações. Para o presidente
da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), o setor corria o
risco de um aumento de 100% na tributação até acordo costurado às vésperas da
votação. O texto aprovado, contudo, contém alíquota diferenciada para bares e
restaurantes.
"Foi
uma vitória importante, e vale destacar o trabalho do deputado Domingos Sávio
(PL-MG), que lidera a Frente de Comércio e Serviços, do deputado Luiz Gastão
(PSD-CE), do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), que coordenou o grupo da
reforma, com o apoio do ministro Fernando Haddad. É uma vitória que nos permite
respirar, com a certeza de que o texto está mais de acordo com a importância do
nosso setor para o país", disse o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci.
A
Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo
(Fecomércio SP), porém, se posicionou contra a aprovação. Segundo a entidade, a
reforma não resolve "o principal dilema" e mantém a oneração sobre o
setor do comércio e serviços. As alterações feitas pelos parlamentares,
portanto, foram insuficientes.
"A
Federação e os sindicatos filiados seguem atuando no Senado Federal, mais do
que nunca contrários a qualquer proposta que possa aumentar a carga tributária
e favoráveis a uma reforma que avance em direção à simplificação, à
modernização e à desburocratização do sistema tributário brasileiro",
anunciou a entidade.
Fonte:
Forbes/Correio Braziliense
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