MPF investiga 12
empresas por violações de direitos humanos na ditadura militar; entenda
O
Ministério Público Federal (MPF) investiga 12 de 13 empresas brasileiras sobre
as quais pesquisadores brasileiros têm se debruçado há mais de um ano para
apurar os elos que estas mantinham com a ditadura militar (1964-1985) e sua
participação ativa na espionagem e violação de direitos humanos de
trabalhadores e moradores das regiões onde estavam instaladas.
As
investigações estão abertas em seis Estados (SP, MG, RJ, ES, RS e PA) e,
segundo levantamento da Agência
Pública, 10 dos 12 casos já abertos são inquéritos civis públicos,
o último nível de apuração antes que uma ação ou acordo sejam propostos.
Há
inquéritos abertos sobre os casos da Folha de S. Paulo, Cobrasma, Paranapanema, Docas e Embraer, que tramitam em
São Paulo, Josapar, no Rio Grande do
Sul, Petrobras, no Rio de
Janeiro, Fiat, Belgo-Mineira e
Mannesmann, em Minas Gerais. O caso Aracruz, no Espírito
Santo, é um procedimento de acompanhamento. O MPF não informou o andamento das
apurações sobre a CSN, que tramita no RJ,
e Itaipu, que não tinha
um procurador designado até a publicação desta reportagem.
As
investigações ganharam novo impulso no mês passado com a apresentação dos
resultados das pesquisas realizadas por acadêmicos de diversas universidades
brasileiras, que atuaram sob a coordenação do Centro de Antropologia e
Arqueologia Forense (CAAF) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cujo
resultado se transformou na série de reportagens da Agência Pública: Empresas Cúmplices
da Ditadura.
- Folha de S.Paulo,
Petrobras, Fiat, Companhia Docas de Santos, Itaipu, Josapar, Paranapanema,
Cobrasma, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Aracruz estão ligadas à
violações de direitos durante a ditadura militar
- Folha de
S.Paulo, Petrobras, Fiat, Companhia Docas de Santos, Itaipu, Josapar,
Paranapanema, Cobrasma, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Aracruz
estão ligadas à violações de direitos durante a ditadura militar
- Folha de
S.Paulo, Petrobras, Fiat, Companhia Docas de Santos, Itaipu, Josapar,
Paranapanema, Cobrasma, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Aracruz
estão ligadas à violações de direitos durante a ditadura militar
- Folha de
S.Paulo, Petrobras, Fiat, Companhia Docas de Santos, Itaipu, Josapar,
Paranapanema, Cobrasma, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Aracruz
estão ligadas à violações de direitos durante a ditadura militar
- Folha de
S.Paulo, Petrobras, Fiat, Companhia Docas de Santos, Itaipu, Josapar,
Paranapanema, Cobrasma, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Aracruz
estão ligadas à violações de direitos durante a ditadura militar
- Folha de
S.Paulo, Petrobras, Fiat, Companhia Docas de Santos, Itaipu, Josapar,
Paranapanema, Cobrasma, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Aracruz
estão ligadas à violações de direitos durante a ditadura militar
- Folha de
S.Paulo, Petrobras, Fiat, Companhia Docas de Santos, Itaipu, Josapar,
Paranapanema, Cobrasma, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Aracruz
estão ligadas à violações de direitos durante a ditadura militar
- Folha de
S.Paulo, Petrobras, Fiat, Companhia Docas de Santos, Itaipu, Josapar,
Paranapanema, Cobrasma, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Aracruz
estão ligadas à violações de direitos durante a ditadura militar
- Folha de
S.Paulo, Petrobras, Fiat, Companhia Docas de Santos, Itaipu, Josapar, Paranapanema,
Cobrasma, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Aracruz estão ligadas à
violações de direitos durante a ditadura militar
>>>> Os relatórios agora são públicos
Entre
5 e 7 de junho deste ano, em São Paulo, durante o I Seminário Ditadura, Empresas
e Violações de Direitos, realizado pela Unifesp, a Pública acompanhou os pesquisadores apresentarem os
relatórios públicos das pesquisas sobre 10 das 13 empresas investigadas por
violações de direitos humanos. As pesquisas apontaram a prisão, tortura e morte
de trabalhadores, inclusive no interior das empresas, a formação de listas
sujas de demitidos, a repressão violenta de greves, além da expulsão de
indígenas, quilombolas, colonos e camponeses de suas terras para que no lugar
se desenvolvessem gigantescos empreendimentos das empresas investigadas.
Até
o momento foram apresentados os relatórios públicos das investigações sobre as
estatais Petrobrás, Docas (atual Santos Port Authority) e Itaipu, e sobre as
seguintes empresas privadas: Fiat, Josapar, Paranapanema, Cobrasma, CSN,
Aracruz e Folha de S. Paulo. Este primeiro lote de investigações, que terminou
em 30 de junho, está sendo realizado com R$ 2 milhões oriundos do Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) no valor de R$ 36 milhões que a Volkswagen assinou
com o MPF e o Ministério Público de São Paulo por conta de violações de
direitos humanos praticados pela empresa contra funcionários durante a
ditadura.
Também
estão sendo investigadas – com recursos de outro TAC firmado pelo MPF com a
Companhia Energética de São Paulo em virtude de a companhia ter descumprido
condições exigidas para a implementação do Parque Estadual Rio do Peixe, uma
compensação ambiental exigida por conta da construção da hidrelétrica Sérgio
Motta, no rio Paraná – as empresas Belgo Mineira, Mannesmann e Embraer, mas a
pesquisa científica, também coordenada pelo CAAF-Unifesp, está prevista para
ser concluída em dezembro de 2023.
O
trabalho dos cientistas visa a obtenção de provas, indícios e testemunhos sobre
violações de direitos humanos cometidas pelas empresas para instruir as
investigações do MPF que poderão resultar em medidas cíveis de reparação dos
danos causados pelas empresas a trabalhadores e populações tradicionais e
outros prejudicados, como colonos e camponeses.
- Caminhos para a reparação
O
caminho para buscar reparação aos trabalhadores e outros afetados será na
esfera cível, pois, no Brasil, a lei impede que empresas sejam processadas
criminalmente, exceto por crimes ambientais e contra a ordem econômica e à
economia popular, o que não é o caso de crimes como tortura, morte e remoção
forçada de moradores.
Uma
abordagem criminal dos casos também é dificultada pela jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, que, em 2010, julgou a Lei de Anistia constitucional,
o que impede que ações penais prosperem, apesar de muitos procuradores do MPF
pensarem diferente e alguns juízes de primeiro e segundo grau também. Recurso
da OAB sobre essa decisão do STF nunca foi pautado pelos ministros da suprema
corte.
“Esse
trabalho me retira 3 ou 4 anos de investigação que eu teria que fazer”, disse o
Procurador Regional dos Direitos do Cidadão no RS, Enrico Rodrigues de Freitas,
um dos dois membros do MPF que apuram as violações de direitos humanos
praticadas pelo grupo Josapar, do arroz Tio João. Freitas foi designado pelo
Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Vilhena, para vir até São
Paulo acompanhar o seminário.
“É
essencial um diálogo com os vitimados, com os movimentos sociais e com os
pesquisadores”, afirmou Freitas no evento. Ele não pode falar por outros
procuradores, mas deu a entender que priorizará tentar um TAC do que ajuizar
uma ação civil pública, que pode levar 10 ou mesmo 20 anos até a obtenção de um
resultado final. “O TAC tem uma grande vantagem que é o tempo. Ele pode ser
elaborado em meses, enquanto que uma ação pode levar até 20 anos”, disse.
Segundo
Freitas, o trabalho do MPF agora será o de verificar quais dos elementos
trazidos pelos pesquisadores são violações de direitos humanos e quais
evidências colhidas pelos acadêmicos servirão como prova numa eventual ação
civil pública ou para serem levados à mesa de negociação para a discussão com
as empresas (ou suas sucessoras) em busca da admissão de culpa e a negociação
de um acordo.
Apesar
da possibilidade de ações ou acordos que poderão ser revertidos em reparações
milionárias – como ocorreu no caso Volks – para trabalhadores, indígenas,
quilombolas e outras populações tradicionais afetadas pela coalizão entre
empresários e a ditadura, há muitos desafios pela frente para que isso se
concretize.
O
primeiro deles é que os envolvidos, vítimas e seus herdeiros, entendam o que é
a reparação e que ela deve ser buscada coletivamente.
“As
portas da Justiça Criminal estão fechadas para nós. O que estamos pedindo agora
é a responsabilização civil, e o castigo que têm para as empresas que fizeram
malfeitos é a reparação do dano. Houve ilícitos, há vítimas e há o dano,
portanto há direito à reparação. E o direito à reparação não tem um formato
específico. A reparação pode ser criada, pensada, elaborada e definida
estrategicamente”, explicou Rosa Cardoso, advogada e ex-coordenadora da
Comissão Nacional da Verdade (CNV).
As
possíveis reparações incluem desde placas informando que uma antiga fábrica foi
palco de repressão, a destinação de um imóvel usado para tortura, por exemplo,
como memorial, recursos financeiros para mais pesquisas sobre o apoio de outras
empresas à ditadura, devolução ou aquisição de terras para aqueles destituídos
de suas posses. A destinação das reparações pode ser feita a toda a sociedade
e/ou a um conjunto determinado de vítimas.
“O
termômetro das reparações será o desejo dos vitimados. Não dá para fazer nada
sem isso”, afirma Sebastião Neto, coordenador da organização Intercâmbio,
Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP), e um dos maiores batalhadores por
reparação para trabalhadores vítimas da Ditadura Militar. Ele sabe, porém, que
nada se faz sem mobilização e que é preciso mais.
No
IIEP, com o surgimento da CNV, em 2012, Neto alertou as centrais sindicais
sobre a importância da luta por memória, verdade e Justiça. Ele enfrentou as
divergências entre as centrais e as mobilizou para convencer a comissão da
verdade sobre a importância de se investigar o papel das empresas na ditadura
militar, o que resultou na criação do Grupo de Trabalho 13 da CNV, responsável
por apurar essas violações de direitos humanos. Foi a partir das investigações
feitas pelos sindicalistas, juntamente com pesquisadores da CNV,
supervisionados por Rosa, que surgiram as representações feitas ao MPF que
resultaram no TAC da Volks e nas pesquisas agora realizadas sobre essas 13
empresas. “Pela primeira vez na história as centrais se uniram em torno de um
objetivo comum”, disse Neto, relembrando o processo.
- Mobilização
Por
falar em mobilizar, o tamanho gigantesco de alguns empreendimentos, o tempo
decorrido e a dificuldade de manter as vítimas em contato fará com que seja
preciso procurar pelas vítimas e seus descendentes. “Será preciso ir a campo e
buscar as vítimas ativamente e colher depoimentos, mas isso custa dinheiro”,
diz Neto. Pensando nisso, a procuradora da República Nathália Mariel, assim que
receber o relatório completo do caso Josapar, por exemplo, pretende fazer um
trabalho de comunicação no Pará em busca de potenciais vítimas da empresa em
busca de mais depoimentos e provas. Ela atua com Freitas no caso, cuidando da
parte paraense.
Uma
das formas de mobilização encontradas, decidida em encontros paralelos ao
seminário, foi a reativação do Fórum por Verdade, Justiça e Reparação, criado
em 2015. Cada cidade ou região atingida por violações de alguma das empresas
pesquisadas terá um grupo desses que irá aglutinar as demandas das vítimas. O
grupo, antes formado apenas por trabalhadores de empresas urbanas, agora terá
também a presença de outros vitimados pelas companhias investigadas e seus
empreendimentos.
Outro
grande problema enfrentado pelos pesquisadores é a escassez de recursos. Em
alguns casos, o acesso a fundos com documentos muito importantes ocorreu mais
para o final do trabalho de pesquisa acadêmica, mas os recursos para pesquisar
as 10 primeiras empresas já acabaram e não há previsão de renovação depois de
30 de junho. “Quase todas as equipes estão terminando o trabalho com a sensação
de que ainda há muito que ser investigado”, afirmou a professora da Unifesp,
Carla Osmo, que trabalhou na Comissão Nacional da Verdade e é doutora em
Direito e fez um relatório sobre o andamento das pesquisas no seminário.
Outro
ponto recorrente nas falas dos pesquisadores durante o evento foram os
diferentes padrões de trabalho do MPF. Como gozam de independência funcional,
os procuradores da República não trabalham da mesma forma. Enquanto alguns já
avançam e até já chamaram empresas para conversar sobre as demandas das
vítimas, outros mal receberam as demandas dos pesquisadores, que pediram ajuda
dos procuradores para que estes requisitassem, por exemplo, acesso dos
acadêmicos a documentos em fundos de arquivos privados.
O
caso Itaipu, por exemplo, não tem um procurador para atuar na investigação.
Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal obriga que casos envolvendo a
companhia devem ser julgados pelo STF, onde o MPF é representado pelo
Procurador Geral da República, Augusto Aras. Contudo, segundo a Secretaria de
comunicação da PGR, a assessoria técnica de Aras entendeu que o caso envolvendo
as violações de direitos humanos na ditadura em Itaipu não cabe nessa
jurisprudência e não seria necessário que Aras designasse um procurador, mas a
PGR, contudo, não respondeu à Pública qual será o destino do procedimento, que
é o único sem investigação até o momento.
O
procurador Enrico Freitas apresentou uma sugestão aos pesquisadores: que os
resultados finais das pesquisas sejam entregues num evento com a presença de
Vilhena e de todos os procuradores responsáveis pelos 10 casos de forma que se
inicie um diálogo mais amplo.
Na
avaliação de Neto, outro grande problema é que não está havendo interlocução
com o governo Lula 3 para que a Advocacia Geral da União (AGU) designe
procuradores federais para cuidar dos casos das estatais e das ex-estatais
investigadas, o que poderia acelerar os processos em busca de reparação.
“O
MPF pagou pela pesquisa, mas ele não deve ser o único canal de interlocução.
Acho que deveria haver um papel também da AGU, em relação às estatais e da PGR,
por causa de Itaipu. Como o governo vai encarar a presença de estatais nesse
meio? A gente precisa saber”, afirma Neto.
Uma
coisa positiva desse processo de pesquisa da relação de empresas com a ditadura
foi que o mergulho nesse tema poderá continuar trazendo frutos. Jovens
pesquisadores de diferentes universidades participaram voluntariamente das
investigações, como é o caso de descendentes de ex-funcionários da CSN que
pesquisaram o racismo na relação da empresa com os trabalhadores.
O
mergulho nos documentos e na pesquisa surpreendeu até os mais experientes, como
a doutora Vera Vieira, da PUC-SP. “Tenho 72 anos e a gente sempre aprendeu que
o golpe de 1964 foi para derrubar Jango, mas não foi. O golpe foi para reprimir
e interromper a luta dos trabalhadores. Isso fica claro quando a gente se
aprofunda na pesquisa”, afirmou, emocionada, ao concluir sua apresentação sobre
o andamento das investigações do caso Docas, antigo nome da empresa que
administra o Porto de Santos.
As
vítimas podem não estar ainda completamente mobilizadas, mas onde a luta nunca
parou, os líderes têm grandes ambições. O cacique Jonas, líder dos Tupiniquim e
Guarani, e Domingos Firmiano, o Chapoca, líder dos quilombolas, ambos na casa
dos 70 anos e que tiveram seus povos expulsos de suas terras no Espírito Santo
para a criação da Aracruz, fizeram questão de vir até São Paulo acompanhar a
divulgação das pesquisas e contarem um pouco de sua luta. Eles não têm dúvida:
querem a saída da Suzano Papel e Celulose, hoje dona do que foi a Aracruz, de
seus territórios ancestrais, ocupados por séculos por seus antepassados.
“Queremos a Aracruz fora de nossas terras. Nada mais”, afirmou Domingos.
A
condenação em primeira instância do ex-agente do DOPS Claudio Guerra, que
prestava serviços de assassinato e destruição de corpos, incinerados nos fornos
da Usina Cambahyba em Campos dos Goitacazes (RJ), a mando dos agentes do Centro
de Informações do Exército (CIE), que tomavam conta da Casa da Morte, em
Petrópolis, e os 10 anos do relatório da CNV, em 2024, podem ser impulsos para
mobilizar a sociedade em busca de memória, verdade e Justiça, assim como
ocorreu em países vizinhos como Argentina.
Fonte:
Por Marcelo Oliveira, da Agencia Pública
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