Geração Z: As 4 estratégias dos festivais para reduzir riscos do uso de
drogas
Cada vez mais, uma nova atração está ganhando
espaço nos cobiçados cartazes de festivais: uma tal de Redução de Danos. Claro
que não se trata de uma banda. O termo corresponde às estratégias para diminuir
riscos do uso de álcool e drogas nos ambientes de música.
Mas quais as principais iniciativas nos festivais
brasileiros? E o que tem funcionado em eventos fora do Brasil que pode um dia
fazer parte da rotina de quem vai a megaeventos como Rock in Rio e
Lollapalooza? O g1 conversou com especialistas para entender se é possível unir
curtição e cautela, sem moralismo.
Nesta semana, o g1 publica uma série de reportagens
para explicar os novos hábitos e modinhas da geração z: dos chinelos com meias
e acessórios retrôs às sobrancelhas descoloridas e festas mais cautelosas.
<><> Hoje, as principais iniciativas de
redução de danos em festivais são:
• Tendas
com atendimento: Vários festivais têm espaços para atender fãs, com palestras e
informações sobre uso consciente de álcool e drogas. Tendas do tipo são mais
comuns fora do Brasil, em eventos como o Bonnaroo, nos Estados Unidos. No
Brasil, um bom exemplo é o Festival Sarará, que acontece em Belo Horizonte, em
agosto;
• Equipes
andando pelos eventos: Rock in Rio, Lollapalooza e The Town têm profissionais
de ONGs ou entidades governamentais que circulam pelos eventos. Há ainda planos
de campanhas de conscientização em próximas edições;
• Teste
de drogas: Em festivais ingleses como Glastonbury e Reading, o público pode
pedir testes para saber se drogas estão adulteradas. Sem revelar sua
identidade, fãs deixam amostras de suas drogas e recebem laudos. A iniciativa
começou na Nova Zelândia, em 2020 e busca diminuir os riscos;
• Menos
moralismo: A redução de danos não julga moralmente quem faz uso do psicoativo.
A abstinência, no entanto, pode ser vista como uma das metas. No festival
americano Governors Ball, por exemplo, vídeos nos telões deixavam claro que o
fã pode procurar os estandes pedindo ajuda e "sem ter que ficar respondendo
perguntas". Na lista de itens liberados para entrar no evento, constavam
"duas doses de Narcan”. O remédio anula os efeitos da overdose.
Maria Angélica Comis, psicóloga e redutora de
danos, explica que essas iniciativas são pensadas por profissionais de saúde.
"São estratégias principalmente de políticas
públicas para diminuir infecções sexualmente transmissíveis e evitar mortes por
uso de substâncias. É para diminuir riscos em determinados comportamentos, como
o uso de cinto de segurança em automóveis. É mudar comportamento para evitar
piores consequências", explica ela.
Marina já foi assessora de políticas públicas sobre
álcool e drogas da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São
Paulo. Ela também foi coordenadora da ONG É de Lei, responsável por iniciativas
com foco na redução de danos como o Coletivo Balance e o Projeto Respire.
"O Respire desenvolve captações para pessoas
que querem trabalhar em festas. Hoje são 40 coletivos que fazem redução de
danos pelo Brasil", contabiliza.
• O que
é feito em festivais brasileiros?
Procurada pelo g1 para falar sobre ações de
reduções de danos, a Rock World (empresa responsável pela produção de Rock in
Rio, The Town e Lollapalooza) disse que "pratica um olhar de empatia sobre
seu público".
"ONGs ou entidades governamentais convidadas
promovem campanhas para conscientizar o público sobre o risco do consumo de
substâncias psicoativas ilícitas ou lícitas e consumo responsável de
álcool", disse a produtora, por meio de sua assessoria. Essas equipes andam
pelo público com ações de conscientização e para encaminhar pessoas para serem
"acolhidas" por especialistas.
Segundo a Rock World, a partir da primeira edição
do The Town "a campanha de conscientização ganhará vídeos nos telões do
festival, maximizando a mensagem".
O festival Sarará, que acontece em agosto em Belo
Horizonte, tem o Espaço Energia, com uma equipe de psicólogos. Segundo a
organização do evento, "a ideia é receber pessoas em alguma situação de
estresse psicológico, crise de ansiedade ou a famosa viagem errada".
"É um lugar de acolhimento para as pessoas,
até que se sintam aptas a curtirem o festival novamente. Todo o atendimento é
feito sem preconceito, sem julgamentos, com segurança e conhecimento",
resume Erick Teixeira Gonçalves, psicólogo e coordenador do núcleo de Redução
de Danos do Festival Sarará.
• Reduzindo
danos há mais de 20 anos
Alguns dos coletivos brasileiros de redução danos
atuam desde o fim dos anos 2000, principalmente em eventos de rua ligados às
prefeituras e em festivais de música eletrônica, como o baiano Universo
Paralelo.
"Organizadores de festival muito grandes e
famosos têm medo de dizer que tem estratégia de redução de danos, porque muitas
vezes são financiados pela indústria do álcool. Ficam com receio de perder
vendas por assumir que as pessoas usam drogas nessas festas", opina a
psicóloga.
Para ela, falta reconhecimento por parte do poder
público. "Historicamente, o único departamento do Ministério da Saúde que
financiou projetos de redução de danos costumar ser os departamentos de HIV.
Tem que se reconhecer que a redução de danos não é contra a abstinência, pode
ser um caminho para chegar à abstinência. Criaram uma narrativa e ela
atrapalhou o surgimento das atividades de redução de danos. Passaram a ser
vistas com moralismo."
• Como
são os testes de drogas?
Outra iniciativa ainda não acontece em grandes
festivais brasileiros, mas vem se destacando em eventos importantes do
calendário de shows europeu.
O teste de qualidade de drogas começou a ser mais
falado quando apareceu em festivais na Nova Zelândia. Desde 2020, usuários de
substâncias como ecstasy e LSD podem testar a pureza das drogas que vão
consumir em eventos musicais. A iniciativa faz parte de um plano maior de
redução de danos, conduzido pela ONG KnowYourStuffNZ.
Em 2023, o teste de qualidade de drogas chegou a
festivais ingleses como Glastonbury, Leeds e Reading. No Brasil, existem
estandes com testes de droga em alguns eventos de música eletrônica, mas eles
ainda estão em fase inicial e os resultados oferecidos aos fãs não têm a mesma
complexidade dos testes feitos em festivais britânicos ou neozelandeses.
"É importante a testagem para que o indivíduo
tome a decisão se vai consumir ou não. Quando a gente fala que não tem MDNA em
um comprimido, a pessoa decide ou não se vai usar", explica Maria Angélica
Comis. "Teve uma situação em que várias pessoas estavam passando mal após
consumir um comprimido de determinada cor. Foi colado um cartaz no festival
para que todos soubessem."
<><> Fora do Brasil, quem quer testar
sua droga segue os seguintes passos:
• Deixa
uma amostra, de forma anônima, em uma caixa de um estande no evento;
• A
droga é testada pelo Órgão Executivo de Saúde e Segurança britânico (HSE, na
sigla em inglês);
• Se
alguma droga estiver adulterada ou tiver um resultado fora do comum, isso pode
ser comunicado nos telões e nas redes sociais do evento;
• No
Electric Picnic, da Irlanda, comprimidos roxos de MDMA no formato de uma
caveira teriam o dobro da dose média estimada. Esse aviso foi feito nas mídias
do festival.
Fonte: g1
Nenhum comentário:
Postar um comentário