quinta-feira, 27 de julho de 2023

Especialista acha difícil resolver caso Marielle

Um dos principais pesquisadores das milícias e grupos de extermínio do Rio de Janeiro, o sociólogo José Cláudio Souza Alves pinta a investigação da morte da vereadora carioca Marielle Franco como exemplar do funcionamento dos grupos criminosos fluminenses. 

Nos mais de cinco anos de apurações, que agora têm novos ares com o inquérito da Polícia Federal, o caso foi marcado por interferências e pela dificuldade de chegar ao mandante do crime. 

“É emblemático. O caso Marielle é a prova de como a milícia tem poder e força, é o grande caso que ilustra o poder miliciano no Rio de Janeiro. Porque bloqueiam em todas as instâncias do Estado, têm acesso a informações, a imagens das câmeras, apagamento de pistas e de testemunhas”, elenca o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), autor do livro “Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense”. 

Na segunda-feira (24), a Polícia Federal e o Ministério Público do Rio prenderam um antigo personagem da investigação, o ex-bombeiro Maxwell Simões Correa, e cumpriram sete mandados de busca e apreensão. 

Na delação de Élcio de Queiroz, motorista do carro do crime, também surgiu um novo nome – Edmilson Oliveira da Silva, o “Macalé” – que teria intermediado a contratação do ex-policial Ronnie Lessa para efetuar os disparos. 

Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, novas operações tendem a acontecer nas próximas semanas, com base no que for descoberto nos materiais apreendidos e nas pistas ainda sigilosas dadas por Queiroz na delação. 

“Milícia chegou a patamar que não recua com apenas um caso resolvido.” — José Souza Alves.

Mesmo com o andamento e a sinalização de que novidades estão por vir, Souza Alves é pessimista. 

“É impressionante esse poder miliciano. É um poder que atravessa todas as estruturas que você pode imaginar. Há uma conexão entre os grupos de extermínio e a estrutura policial, que é a base de tudo e é quem manipula toda a estrutura de investigação na ponta”, observa. 

“Cinco anos depois, não sei se vai avançar agora, porque o caso mostra uma estrutura miliciana tão perfeita, organizada e bem articulada que vai bloquear [avanços]. É difícil rastrear isso para trás.” 

Se o caso joga luz sobre a lógica miliciana da metrópole, não deve, contudo, servir para constranger os criminosos daqui para frente se for desvendado, avalia o sociólogo. 

“A milícia hoje chegou a um patamar que não tem mais um possível recuo com apenas um caso resolvido, por maior que seja. Teria que ter uma estrutura permanente de combate, que não vejo hoje em nenhuma estrutura do Poder.”

Morador e estudioso da Baixada Fluminense, que tem quase 4 milhões de habitantes, ele alfineta, nesse sentido, a entrada de Daniela Carneiro no Ministério do Turismo, onde ficou até este mês. 

Desde o início do governo, foram reveladas supostas relações do grupo político dela com milicianos da região, algo que a deputada sempre negou. 

“Se uma estrutura política como aquela, de uma cidade de meio milhão de habitantes, como Belford Roxo, foi capaz de alcançar primeiro escalão do governo Lula, o que fazer?”, questiona. 

Essa estrutura, diz, está numa “teia de complexidade muito acima de um caso ou outro”. Financia campanhas políticas e até igrejas evangélicas nas áreas mais pobres do Estado. 

“A milícia ganhou hoje uma projeção que não temos sequer ideia. Estão inclusive disputando territórios entre si, e o tráfico vê isso como interessante e passa a disputar com eles para tentar retomar áreas”, afirma. 

“A polícia, então, passa a se render também ao tráfico, porque identifica a milícia em tal grau de autonomização que enxerga nos traficantes uma oportunidade às vezes até melhor para lucrar.” 

É esse cenário de domínio dos grupos armados que faz Souza Alves traçar um diagnóstico cético da situação do Rio: “Somos uma cidade rendida, morrendo de medo desses caras”, resume.


Carlos Bolsonaro se pronuncia sobre caso Marielle após delação de Élcio Queiroz


O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) resolveu se pronunciar após ver seu nome em voga diante dos novos desdobramentos da investigação sobre o assassinato de Marielle Franco. Nesta segunda-feira (24), a Polícia Federal (PF) deflagrou operação que resultou na prisão do ex-bombeiro Maxwell Corrêa, acusado de participar da trama criminosa em 2018. 

A ação da PF foi deflagrada após delação premiada do ex-policial militar Élcio Queiroz. Ele confirmou sua participação no assassinato de Marielle, assim como reforçou que foi o também ex-policial Ronnie Lessa quem efetuou os disparos. Ambos estão presos desde 2019. 

Diante do avanço das investigações e questionamentos sobre quem mandou matar a ex-vereadora e a motivação para o crime, passou a circular nas redes sociais uma foto em que Carlos Bolsonaro aparece com uma arma e um buquê de flores, com um texto indicando que o vereador teria postado a imagem logo após a morte de Marielle. 

A foto, entretanto, foi tirada e publicada por Carluxo, como é conhecido o filho de Jair Bolsonaro, em 2016 - ou seja, dois anos antes do crime. O vereador, então, resolveu se pronunciar compartilhando o print de uma notícia desmentindo a fake news de que teria celebrado o assassinato de Marielle. 

"Não é sobre quem faz, mesmo que acusem sem comprovar nada há anos. Trata-se apenas de um instrumento de aniquilação de quem é seu adversário utilizando instrumentos 'legais' para concluir o desejado. Mesmo que já existam instrumentos previstos em lei para punição de quem calunia ou difama, o único intuito é calar sua voz! A isso chamamos de ditadura e relativismo. É tudo pela democracia, pode confiar!", escreveu Carluxo. 


Assassinos de Marielle usavam app secreto de Trump


O ex-PM Élcio de Queiroz disse que usava o app Confide para trocar imagens e outras informações com Ronnie Lessa. Os dois estão presos acusados de participação na morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. As informações sobre o aplicativo vieram a público na delação de Élcio à Polícia Federal.

Eu tratava de assuntos triviais pelo WhatsApp normal, mas quando era alguma coisa assim muito reservada, aí eu tratava no Confide. Todos os nossos conhecidos já estavam usando isso aí. Então, era até, às vezes, um meio de quando não atendia um, chamava também no Confide, porque fazia outro tipo de toque

Élcio de Queiroz, ex-PM, em delação à PF.

O app Confide (confiar, na tradução livre) é conhecido por exibir mensagens e depois apagá-las. Citada por Élcio na delação, essa característica o levou a ser usado para troca de dados no primeiro ano de governo do ex-presidente americano Donald Trump por funcionários da Casa Branca — como o secretário de imprensa Sean Spicer e a diretora de comunicações estratégicas Hope Hicks.

Veículos de mídia americanos apontaram falhas de segurança no Confide. Ao se cadastrar no app, o usuário é informado sobre os contatos de sua agenda de telefones que já estão na plataforma — o que permitiu a identificação dos membros do governo americano que a usavam. Além disso, uma brecha no aplicativo possibilitava que mensagens fossem interceptadas se o smartphone estivesse conectado a redes públicas de Wi-Fi.

Aplicativo promete tecnologia de “padrão industrial” para manter mensagens seguras. No site do Confide, a empresa responsável informa que o app já foi traduzido para 15 idiomas e está disponível para uso em 200 países. Há mais de 1 milhão de usuários apenas no Brasil, de acordo com dados da Google Play Store.

Joesley Batista usou Confide para marcar encontro com Michel Temer. De acordo com denúncia do Ministério Público Federal, app foi o escolhido pelo empresário para combinar um encontro em Nova York com o então presidente, em 2017. Segundo documento, reunião tinha por finalidade “tratativas ilícitas”. À época, a Câmara dos Deputados não autorizou que o processo vinculado à denúncia fosse adiante.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, revelou na segunda-feira (24) que Élcio fechou acordo de delação. O ex-PM admitiu que dirigiu o carro usado para perseguir Marielle no dia do assassinato e apontou Ronnie Lessa como autor dos disparos. Élcio deu detalhes sobre a noite do crime e afirmou que a arma usada para matar a vereadora foi extraviada após incêndio em um paiol do Bope.

Após a delação, o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, foi preso. De acordo com as investigações, ele foi responsável por vigiar Marielle e colaborou no planejamento do crime.

Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa estão presos desde 2019. Ontem, o Ministério Público do Rio de Janeiro esclareceu que o acordo de delação premiada de Élcio não o tira de júri popular e nem prevê redução de pena.

Ainda não se sabe quem foi o mandante do crime e qual foi a motivação. O ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que o depoimento de Élcio permite “um novo patamar de investigação, a dos mandantes”.

Eu recebi uma imagem pelo aplicativo Confide. Quem conhece sabe que tem que deslocar o dedo, correr o dedo pela tela. Então, fica tipo uma tarja acompanhando a imagem. Não dá pra ver a imagem total, ela vai (se formando) conforme vai passando o dedo, ela vai correndo. Aí, depois automaticamente ela se destrói.

Élcio de Queiroz

Jamais tive informação sobre isso (do uso do app). Aliás, eu mesmo nem sabia da existência desse aplicativo. - Bruno Castro, advogado de Ronnie Lessa

Procurada pelo UOL, a empresa responsável pelo app Confide não retornou nossos contatos até a publicação da reportagem.


Justiça teme’queima de arquivo’ no caso Marielle


O ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o “Suel” — apontado como um dos intermediadores da contratação do assassino de Marielle Franco, cujos disparos mataram também o motorista da vereadora, Anderson Gomes —, chegou ontem a Brasília, onde ficará preso no Penitenciária Federal (PFBRa), de segurança máxima, próximo ao Complexo da Papuda. Ele foi preso na segunda-feira, em casa, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, e é considerado um elo forte de um crime que se arrasta há cinco anos em busca de elucidação.

A princípio, “Suel” ficará no PFBra até que a Justiça e o Ministério Público decidam o melhor lugar para mantê-lo fora do alcance do crime organizado. O temor das autoridades é que ele tenha o mesmo fim de Edmilson Oliveira da Silva, o Macalé, sargento reformado da Polícia Militar que foi executado em 2021, em plena luz do dia, em Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Macalé seria outro dos intermediários entre Ronnie Lessa, o homem que fez os disparos contra Marielle e Anderson, e o mandante do crime — que ainda é desconhecido. Além disso, o ex-sargento da PM também teria levantado informações sobre a rotina da vereadora, que serviram para a preparação da emboscada.

Ao delatar formalmente Ronnie Lessa como executor da vereadora e do motorista, o ex-policial militar Élcio de Queiroz passou a ser, para o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) e a Polícia Federal (PF), uma testemunha marcada para morrer. Ele era o motorista do Chevrolet Cobalt prata de onde partiram os disparos fatais. Está preso desde 2019 e foi transferido para Brasília em junho, depois de passar pelas unidades prisionais de Mossoró (RN) e de Porto Velho (RO). Sob vigilância severa, Élcio ocupa uma cela individual e tem pouco contato com outros presos.

Os remanejamentos para complexos penitenciários fora do Rio fazem parte da estratégia de proteção dos suspeitos, que, a partir da delação premiada de Élcio, passaram a ser alvos de retaliação do crime organizado. Investigações do MP-RJ, da PF e da Polícia Civil fluminense apontam ligações do ex-PM e “Suel” com milícias e esquadrões da morte que atuam na Zona Oeste e na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Para o cientista político e especialista em segurança pública Antônio Flávio Testa, o instinto de sobrevivência deu o tom da delação premiada de Élcio, que se viu abandonado pelos antigos parceiros. “É uma pessoa marcada para morrer. É peixe pequeno na organização (criminosa), não tem importância do ponto de vista político. Mas pode ajudar a entregar (os mandantes)”, afirma o acadêmico.

Testa não considera presídios como lugares seguros para preservar a vida do delator, já que, na maioria das unidades do país, os detentos seguem ordens das principais facções criminosas do Rio de Janeiro e de São Paulo — o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital (PCC), respectivamente. “Ele deveria ficar sob a guarda do Estado em um quartel da PM ou do Exército”, aconselhou Testa.

A primeira prisão decorrente da delação premiada de Élcio foi a de “Suel”, no âmbito da Operação Élpis. Em 2020, ele foi condenado a quatro anos de prisão por atrapalhar as investigações do assassinato e cumpria a pena em regime aberto.

Segundo Élcio, “Suel” cedeu o próprio carro para armazenar o arsenal de Ronnie Lessa. Depois, um de seus comparsas, Josinaldo Freitas — o Djaca —, jogou no mar a arma usada para atirar em Marielle e Anderson.

Élcio afirmou à PF que recebeu, durante meses, pelo menos R$ 5 mil de “Suel”, dinheiro que o ajudava a atravessar a crise financeira decorrente da expulsão da PM. Há cerca de um ano, conforme contou à polícia, a mesada foi reduzida, até que deixou de ser depositada.

O ex-PM foi convencido a colaborar com a investigação após desconfiar de Ronnie Lessa. Segundo ele, o matador garantiu, na época dos assassinatos, que não havia feito pesquisas sobre Marielle. Élcio, no entanto, descobriu que o amigo havia mentido e que a polícia sabia do planejamento do crime.


Delator relata momento do ataque a Marielle


Após uma quebra de confiança com Ronnie Lessa, o ex-PM Élcio de Queiroz decidiu firmar um acordo de delação premiada com a Polícia Federal sobre o caso Marielle.

As informações dadas por ele embasaram parte de uma nova operação, iniciada na segunda-feira e que prendeu o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, conhecido como Suel.

Aí ele [Ronnie Lessa] falou que era a vereadora, falou o nome, mas eu não sabia quem era; mas aí eu falei o que é a situação? Ele falou que era pessoal; mas tem dinheiro nisso aí, o que é? Aí ele falou não, é pessoal.

A grande pergunta que a investigação busca responder agora é se Élcio e Lessa foram contratados para matar Marielle. Na delação, Élcio disse que só foi informado por Lessa que era um assunto “pessoal”.

Quando a senhora apareceu, ele [Ronnie Lessa] falou assim, com essas palavras: “tô pensando em pegar aqui mesmo”. Pegar a gente já sabe que é matar, aí eu falei “tá louco, fazer isso aqui no meio”. Eu falei “olha as câmeras”. Ele disse: não, a gente não vai fazer nenhuma loucura.

O diálogo ocorreu, segundo Élcio, no momento em que a vereadora Marielle Franco saía da Casa das Pretas, onde participava de um evento. O assassinato ocorreu cerca de três quilômetros dali, na Rua Joaquim Palhares.

Eu só escutei a rajada. Da rajada, começou a cair umas cápsulas na minha cabeça e no meu pescoço. […] Aí caíram as cápsulas em mim e ele falou ‘vambora’; eu nem vi se acertou quem, se não acertou.

Depois dos disparos, Ronnie teria falado para que eles fugissem pela rua 24 de maio, que liga a região central da cidade —onde ocorreu o atentado— com a zona norte —onde a dupla encontraria o irmão do atirador.

Élcio afirma ter argumentado que a via poderia ter “várias operações da Polícia Militar” e a dupla seguiu por outro caminho.

Até que falou [na TV], morreram duas pessoas no local e tal… Eu falei, que merda.

Élcio afirma que só ficou sabendo pela TV que o motorista Anderson Gomes também havia sido assassinado. Ele e Lessa foram para um bar na Barra da Tijuca após o crime.

Estava louco. Vomitei umas três vezes. Querendo já sumir do mundo. Até o Ronnie falava: “qual foi, Élcio?”, porque eu ia atrás do carro toda hora, na rua mesmo, vomitei pra caramba.

A dupla se encontrou com o Suel no bar e beberam até 3h da madrugada no dia do crime.

Como ele tinha muito carinho por essa arma e tal… Ele [Ronnie] ficou feliz por ter conseguido pegar.

A arma usada no crime teria sido extraviada do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) após um incêndio e comprada por Lessa, segundo Élcio. O ex-PM disse não saber, no entanto, com quem Ronnie Lessa conseguiu a arma.


Fonte: Valor Econômico/Fórum/UOL


 

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