quinta-feira, 6 de julho de 2023

Eliara Santana: Jair inelegível. Vai começar o JN 3.0?

A inelegibilidade de Jair Bolsonaro, definida pelo TSE em votação encerrada no dia 30 de junho, teve um grande destaque na edição de sexta do Jornal Nacional.

Um destaque comedido e calculado, buscando ressaltar para os espectadores aquela fantasia presente ainda no jornalismo – a imparcialidade.

Mas, para além das evidências (e negando as aparências, disfarçando as evidências…), o que me chamou a atenção na edição foi um bem construído tom de descarte daquilo que incomodou bastante. Descarte daquilo que se tornou inconveniente lembrar.

Ou seja, Jair inelegível é um problema a menos para a Globo, com certeza, especialmente porque apaga a lembrança do papel conivente que as Organizações tiveram na eleição de Jair Bolsonaro, em 2018.

Conivente para dizer o mínimo, porque as articulações e as estratégias do discurso midiático, da narrativa construída, que foram colocadas em cena pela Rede Globo foram também muito responsáveis, eu diria decisivas, pela eleição do pior presidente da historia do Brasil – esse mérito não é somente do movimento das redes sociais e do então incipiente ecossistema de desinformação.

Basta lembrar aqui duas edições marcantes:

— 29/09/2018, um sábado, dia das mobilizações do #elenão por todo o Brasil, quando o Jornal Nacional colocou uma entrevista exclusiva de Jair Bolsonaro no avião que o levava de volta do hospital – onde se recuperava do episódio da facada – para casa.

Na entrevista, ele falou sobre o que quis, o que inclui o tema das urnas eletrônicas, e do modo como quis, até vertendo algumas lágrimas de crocodilo, devidamente capturadas pelas câmeras.

— 1/10/2018 – o JN coloca na edição de segunda-feira uma reportagem de mais de 10 minutos sobre trechos da delação de Palocci que foram liberados pelo então juiz Sergio Moro.

O JN fez uma edição acusatória memorável para vincular o PT, Lula e Dilma à corrupção faltando quatro dias para o primeiro turno da eleição.

Recorrer ao passado é sempre algo muito bom porque podemos recuperar percepções e entender as engrenagens, o funcionamento das coisas, das entidades, das pessoas. Recomendo sempre. Dito isso, vamos à edição do dia da inelegibilidade.

A edição de 30/06, que não tinha Bonner e Renata na bancada, dedicou 16 minutos e quatro segundos à votação, no TSE, da inelegibilidade de Jair Bolsonaro.

Já na escalada, o assunto foi o destaque da noite. Mas tudo estava bem comedido, bem registrado, claro, mas comedido.

A começar pelo fundo que ilustrava a reportagem – uma balança da justiça, mais neutro impossível.

A reportagem seguiu um fluxo comum com o relato e a descrição da motivação do julgamento (a ação com base na reunião de Jair com os embaixadores no ano passado), um histórico dos dias do julgamento e os votos dos juízes, com destaque para Carmen Lúcia e Alexandre de Moraes, fazendo emergir as falas mais contundentes que apontavam para temas específicos que já dominam o imaginário nacional – democracia, ataque às urnas, desinformação, liberdade de expressão (e a fala de Alexandre de Moraes sobre esse assunto ganhou muitos holofotes).

A fala de Jair Bolsonaro comentando a decisão, direto de Belo Horizonte, teve bastante tempo na edição, num discurso direto para Jair se explicar rapidinho.

Logo na sequência, vieram depoimentos ou tuítes de autoridades a favor e contra – tudo calculadamente equilibrado: Tarcísio (governador de SP), os ministros Flávio Dino e Silvio Almeida, Braga Netto, que concorreu na chapa com Jair e se livrou da punição num acordão pra poupar os militares, Fernando Haddad, Waldemar Costa Neto, Gleisi Hoffmann. Lula também apareceu, mas com a informação de ele não tinha se manifestado. Ótimo ponto e enquadramento.

A reportagem também mostrou, em destaque, a repercussão internacional da inelegibilidade a partir de vários jornais pelo mundo.

Sem dúvida alguma, uma edição muito bem produzida, correta, equilibrada e com bom espaço. Mas, há sempre um mas. E o inferno mora sempre nos detalhes. Vamos a eles então.

Além do tom de forçada neutralidade e irritante tentativa de demonstrar imparcialidade, o detalhe que mais me chamou a atenção nessa construção foi a ausência de uma exposição contundente de Bolsonaro.

Claro, houve certa recuperação histórica dos eventos, mas não houve falas diretas, tudo foi mediado pela narração dos repórteres, não houve imagens fortes nem falas desequilibradas. Tudo estava sóbrio. Sóbrio demais.

Bolsonaro não apareceu – o ponto alto não foi a campanha abjeta e declarada que ele fez em relação às urnas eletrônicas; o ponto alto da reportagem foi o papel da justiça, o funcionamento das instituições.

É louvável? Claro, o TSE tem méritos, especialmente Alexandre de Moraes.

Mas a questão é que não se pode apagar o que Bolsonaro fez ao Brasil, mas lembrar isso implica lembrar todos os atores que deram sua contribuição para estado de coisas – a Globo aí incluída.

Portanto, o que vimos na reportagem foi aquela clássica ação de apagar o que incomoda – isso já foi feito com Sergio Moro, por exemplo. Vamos apagar o que incomoda, e bola pra frente, vida que segue.

O apagamento é uma estratégia usada com maestria pela mídia, assim como o agendamento. Vamos agendar os temas que queremos e apagar aquilo que nos incomoda.

Muito bem, a lembrança de Bolsonaro é incômoda, porque ele não é um marciano – ele é um “mito” que foi construído pela extrema-direita e um monstro que foi alimentado pela mídia.

E como fica o quesito “vida que segue”, midiaticamente falando? Ou falando em termos de JN, o jornal ainda de maior audiência no país (mesmo perdendo pontos, isso ainda é uma fábula), se acharmos melhor. Como isso se dará?

Bolsonaro apagado é um fato – o que virá agora?

É notório que houve um realinhamento, uma mudança expressiva na narrativa em favor do governo Lula nos veículos da Globo. Novamente, antes que me ataquem com aquelas metralhadoras de lugares-comuns: estou falando de reposicionamento, não de mídia amiga no parquinho.

Pois bem, o JN fez movimentos importantes desde a pandemia, culminando nas ações do ano passado, com a eleição. Movimentos muito importantes, com uma guinada expressiva contra Bolsonaro e com uma cobertura favorável a Lula. De novo, isso não é amizade, é jogo político.

Então, como será o day after da inelegibilidade? Como fica a cobertura da economia? Essa guinada vai permanecer?

Não creio que dure muito – mas, por ora, não há nomes para chamar de seus, e paira um certo trauma com o inelegível, porque o Brasil quase parou.

A mudança de tom e cores na linha editorial do JN é passageira, claro. O JN nunca será vermelho.

Até quando essa mudança permanece, não sabemos – eu apostaria que assim que emergir (ou se construir, como a mídia faz muito bem) um nome que capture a simbologia da tal terceira via.

As pesquisas mostrando a tal polarização já aparecem com força, e no ano que vem teremos eleição para prefeito.

É bom observar também atentamente como vai caminhar a cobertura econômica, se a teoria da “sorte” permanece e de que maneira.

Enfim, as coisas estão se realinhando, mas os reposicionamentos já estão sendo discutidos, podem apostar. E vamos ficar de olho no JN 3.0.

 

Ø  A direita não tem outro Bolsonaro. Por Alex Solnik

 

Tal como a esquerda não tem outro Lula, a direita não tem outro Bolsonaro.

   Não adianta algum político conservador querer vestir o figurino do ex-presidente. Não cabe em ninguém. Ele foi, em décadas, o único político de direita explicitamente populista, capaz de galvanizar multidões com suas mentiras e ataques ao “sistema”, às instituições e, sobretudo, ao PT.

   Alguém consegue enxergar em Tarcísio um novo Bolsonaro? Ou em Zema? Para falar em dois nomes mais frequentemente citados como seus supostos herdeiros. Não têm discurso para empolgar multidões.

   Apesar de se dizerem bolsonaristas, eles não são Bolsonaro. Não têm a mesma coragem de se exibirem torpes, hostis, desumanos e cínicos. Dizem-se bolsonaristas na esperança de herdar seus eleitores. Mas não vão conseguir imitá-lo. É impossível.

   Os eleitores de Bolsonaro votaram no tucano Aécio Neves em 2014. Enxergaram no ex-capitão, em 2018, alguém mais “qualificado” para derrotar o PT, o que Aécio tentou, mas não conseguiu. Deu certo. Repetiram a aposta em 2022. Deu xabu.

   Agora que a perspectiva de poder de Bolsonaro é cada vez mais escassa, com tendência a ser nula, seus ex-eleitores irão, aos poucos, procurar outras opções presidenciais. Nada garante que vão seguir as indicações do agora inelegível. Poderão voltar a votar no PSDB, que deverá lançar Eduardo Leite em 2026. Poderão ser atraídos por Lula.

   Seus poucos aliados também vão abandoná-lo ao constatar que ele não passa de um estorvo. O casamento com Valdemar Costa Neto não vai durar. Seus correligionários não vão ficar esperando a volta de Bolsonaro ao poder. Talvez ele não volte nunca mais. Oito anos ao menos na oposição, à míngua, é algo que o PL não vai admitir. Aderir ao governo é uma questão de sobrevivência.

   O bolsonarismo vai desmoronar junto com Bolsonaro. Só existe com ele no poder. Não é um feixe de ideias que prescinde do líder. Ele radicalizou a pauta conservadora, acrescentando à receita o golpismo de estado. É evidente que, do jeito que a Justiça reagiu ao 8 de Janeiro, ficou claro que ninguém vai tentar derrubar um governo eleito pela força ao menos nos próximos trinta anos.

   Durante quatro anos, Bolsonaro tentou submeter à sua vontade, enfraquecer, humilhar ou aniquilar as principais instituições da República, o STF, o TSE, o TCU, as Forças Armadas, ultrapassando limites que presidente algum do regime democrático ultrapassou.

   Lula não deveria perder tempo e energia em combater Bolsonaro ou o bolsonarismo. A Justiça está dando conta. Bolsonaro se alimenta do antipetismo, mas o PT não pode cair na cilada de se alimentar do anti-bolsonarismo. O PT já era grande antes de Bolsonaro. Já tinha governado o país por 13 anos.

   Bolsonaro é um pesadelo que está passando. E, arrisco a dizer, não volta mais. 

 

Ø  Nova extrema direita pós Bolsonaro. Por André Barroso

 

A extrema direita lê notícias e reage ao que lê. A constatação básica é que pode até ter o primário, mas consegue ler as notícias graças a uma imprensa livre e atuante. Coisa que provavelmente com o possível golpe que estava sendo forjado, deixaria de existir. Afinal, o governo Bolsonaro desprezava a imprensa porque confiava nos seus próprios meios de comunicação via Whatsapp, que ele conseguiu tornar por um tempo desprezível. Tempos atrás, a disputa eleitoral, depois da redemocratização, era disputada entre a esquerda e centro-direita, vulgo PSDB. Depois da vitória e impeachment de Collor e o desastre de Fernando Henrique, o povo decidiu votar na esquerda.

Apenas depois de mais de uma década de avanços sociais, o golpe dado para tirar Dilma do poder pela direita, apoiado pelos Estados Unidos, conseguiu prosperar até o ovo do fascismo eclodir com a eleição de Bolsonaro. Mas como é essa extrema direita? O Bolsonaro transformou a maneira como estávamos acostumados a ver política e trouxe impactos. Mesmo com o primeiro resultado tirando Jair das eleições até 2030, o bolsonarismo poderá até trocar de nome, mas vai trazer a mesma semente fascista na maneira de se organizar politicamente. Afinal, ele apenas está calcado no militarismo e na religião que mais cresceu no país, para apoiar o que realmente interessa a eles.

O que seria um populismo religioso na extrema direita? O fascismo, na sua denominação, tem apelo as massas, religiosidade e demagogia. Já tivemos, dentro do capitalismo, outros movimentos, que surgiam sempre quando havia crise no sistema. Alguma surpresa nas contestações ao resultado das eleições por parte dos bolsonaristas? Alguma surpresa em relação em vermos que Santa Catarina está eclodindo violência coordenada em escolas, um dos alvos do Bolsonarismo? Afinal, o maior pertido nazista fora da Alemanha era no Brasil, especificamente em Blumenau, uma das cidades a dar mais votos a Bolsonaro depois do município de Nova Pádua, na Serra do Rio Grande do Sul. Nada é por acaso. Boa literatura é Nazismo tropical de Ana Maria Dietrich, Professora associada do Bacharelado de Ciências e Humanidades e de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC.

Novos nomes agora estão surgindo após o começo do esfacelamento da figura de Bolsonaro. Com as mesmas diretrizes, mas menos capiau, com ar renovado. Como Zema postando frases de Mussolini ou Tarcísio tentando emplacar ruas com nomes de coronéis do regime militar. Embora com os mesmos viés, precisam conquistar o público mais radical de Bolsonaro que se sente abandonado por seu líder. Essa missão será concomitante a constantes ataques desses personagens atrás de holofotes, para testar sua própria popularidade e capilaridade perante as camadas. Um fenômeno como Bolsonaro, não será repetido até a próxima crise do capitalismo.

Tudo que foi construído ideologicamente pró extrema direita, fakenews, guerra contra as minorias, não vai se acalmar por um tempo. Isso tudo sempre existiu antes de Bolsonaro ir ao poder, mas agora, temos líderes que apoiam esse modus operandi. Essa disputa pelo lugar de Bolsonaro, não vai rachar a extrema direita, apenas vai ser distribuída por outros nomes e vai fortalecer por mais tempo e continuar a disputa entre esquerda e agora extrema direita. Essa oposição é mais ruidosa e preocupada em ter likes, mas sempre observando seu ibope perante as populações. Mas um aprendizado está sendo observado, que são as checagens de notícias falsas. Uma grande parte está atenta a essa checagem. A gente somos útil, afinal.

 

Fonte: Viomundo/Brasil 247

 

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