quinta-feira, 27 de julho de 2023

Efeito de alta de armas de fogo em mortes violentas é de longo prazo, dizem especialistas

Apesar da queda das mortes violentas no Brasil, o número de armas em circulação nos últimos anos, que chegou a 1,5 milhão de registros ativos em 2022, é um problema que deve contribuir para a violência nas próximas décadas, apontam especialistas.

Das 47.508 mortes no ano passado, segundo dados do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados na quinta (20), 76,5% foram causadas por armas de fogo.

Essa participação das armas de fogo em mortes violentas intencionais passou a ser monitorada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2019. O índice reúne os crimes de homicídios dolosos, latrocínios, lesão corporal seguida de morte e mortes por intervenção policial, considerando agentes que estão ou não em serviço.

Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, o efeito do aumento da circulação de armas não é imediato. "Até 1980, 40% dos homicídios cometidos no Brasil tinham uso de arma de fogo. Esse número começa a aumentar quando a gente tem uma enxurrada de armas no mercado, a partir da década de 1980. Depois, há uma estabilização em torno de 70%", diz o policial federal e especialista em gestão de Segurança Pública Roberto Uchôa.

Para ele, o país está diante de uma segunda edição da entrada em massa de armas no mercado. "O que me preocupa é que nós vivenciamos agora uma segunda corrida armamentista. Parecida com a anterior, mas com calibres muito mais potentes e armas de capacidade muito superior."

A relação do aumento do número de armas com a queda de mortes violentas intencionais e homicídios dolosos, que respondem pela maior parte do índice, ainda é uma incógnita para especialistas. Segundo Uchôa, os efeitos não são imediatos e podem não ser os mesmos.

"Não sei se teremos esse aumento percentual de homicídios por arma de fogo. Mas preocupa o potencial aumento de mortes em brigas de vizinho, de trânsito, e, claro, feminicídio e violência doméstica. A violência por arma de fogo dura no tempo, ainda sofremos efeitos da década de 1980."

Já Hugo Santos, diretor-presidente da Aspaf (Associação dos Proprietários de Armas de Fogo do Brasil), afasta a ideia de uma segunda corrida armamentista e diz que a potência do armamento não é o que define o risco.

"Salvo algumas mudanças de modelo, é o mesmo funcionamento das armas que existem hoje. São os mesmos calibres, nada mudou. A pessoa que está usando é que vai ditar a capacidade de neutralizar o outro."

Ainda, ele diz que embora existam outros fatores, a ampliação do acesso a armas colaborou para a redução de homicídios.

"Não dá para afirmar que a questão de redução se deve exclusivamente às armas, há outras questões aí, de segurança pública nos estados. Mas o fato é que, com a facilitação do acesso a armas de fogo por cidadãos de bem, que não respondem a crimes, houve redução", afirma. "Significa que mais armas na mão dos cidadãos não significa aumento de criminalidade."

A questão contrapõe uma das principais bandeiras do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que facilitou o acesso a armas e munições durante seu mandato, e o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que publicou, na sexta (21), o segundo decreto deste ano para restringir o acesso a armas no país.

Bolsonaro relacionava a queda de homicídios durante seu governo à ampliação de armas. Críticos, no entanto, ressaltam que as mudanças feitas pelo ex-presidente levaram a um descontrole sobre armamentos, incluindo os de calibre restrito, e a desvios de armas para o crime organizado.

Santos cita que o alto número de armas recadastradas pelo governo mostra que os dispositivos estão na mão de seus proprietários legais, "que não respondem a crimes, elas estão em suas casas", afirma. "Alguns têm arma para a posse, para a defesa pessoal do seu patrimônio, da sua família, outros têm para a prática esportiva, para a caça, para a coleção."

Sobre os desvios, ele afiram que o acesso ilegal independe das facilidades dos últimos anos. "Nas mãos de bandidos elas sempre estiveram, e eles não usam os meios legais para adquirir arma de fogo. Não tem idoneidade, a certidão não sai", diz Santos, da Aspaf.

Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, lembra que as discussões sobre a redução de homicídios levam em conta fatores como as dinâmicas do crime organizado, o envelhecimento da população (com menos jovens envolvidos em ações violentas) e políticas de prevenção com metas claras de redução de mortes.

"É uma decisão política. Cria-se uma integração de trabalho das polícias no mesmo espaço, com metas de resultados e prestações de contas periódicas. É preciso esclarecer os casos e fazer todas as operações com objetivo nos resultados. Não é milagre."

Mas a alta de armas em circulação, ela diz, pode já estar se tornando mais letal para mulheres. "Quando desdobramos alguns tipos de violência, a arma tem papel relevante, como no feminicídio."

De toda forma, segundo a especialista, o Brasil tem um índice alto em comparação com o resto do mundo. Enquanto as mortes por arma de fogo no país chegaram a 76,5% do total no ano passado, dados de 2015 do relatório Global Burden of Armed Violence, da organização suíça Geneva Declaration, indicam que, no mundo, essa quantidade fica em 44%. Não há números mais recentes.

Ela também aponta a potência das armas atuais como fator de maior risco. O percentual de pistolas 9 mm, as mais vendidas ao cidadão comum e a CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), apreendidas passou de 3% em 2018 para 23% em 2022.

"É uma bomba-relógio. Se há uma disputa armada entre facções criminosas, as armas são mais potentes. A redução já vinha há alguns anos, aumentou em 2020, e caiu em 2021 e 2022. É um equilíbrio muito delicado", afirma Ricardo.

"As armas vão circular, serão vendidas, desviadas, e temos um tempo de dois anos em que podemos ver mais deste efeito. Contratamos um pacote, mas não sabemos os termos e as parcelas dele."

 

Ø  Lula encurrala Bancada da Bala no decreto das armas

 

O presidente Lula fez um aceno ao agronegócio no novo decreto de armas, assinado na semana passada, e deixou a bancada da bala numa encruzilhada. O governo incluiu a previsão legal para a “posse estendida” na propriedade rural, ou seja, é possível usar a arma em toda a extensão da terra e não somente na área construída.

Com isso, a Frente Parlamentar da Segurança Pública, que tem entre os integrantes 201 deputados que também fazem parte da Frente Parlamentar da Agropecuária, pode ter dificuldade para conseguir votos para derrubar o decreto.

O que mais chamou a atenção do grupo da segurança é que o próprio governo Lula havia derrubado o decreto anterior do ex-presidente Jair Bolsonaro que previa a posse estendida nas propriedades rurais.

O recuo atual está sendo lido como ‘uma pegadinha’ que poderia explicar parte do bate-cabeça da bancada da bala, que diverge sobre o melhor caminho para mudar o decreto de Lula e conseguir novas concessões sobre compra e posse de armas.

O presidente da Frente Parlamentar da Segurança Alberto Fraga (PL-DF), quer foco na derrubada do trecho que restringe o acesso às pistolas 9mm. Enquanto isso, um Projeto de Decreto Legislativo apresentado pelo deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP) visa derrubar todo o decreto de Lula. Já o deputado Sanderson (PL-RS) quer derrubar o ‘revogaço’ que o governo fez no início do ano, com isso voltariam as regras da gestão Bolsonaro.

201 deputados fazem parte tanto da bancada da bala como da bancada do agro. Desses, somente 41 assinam o projeto de Paulo Bilynskyj. Entre os outros 12 parlamentares que endossam o texto, cinco fazem parte somente da FPA, enquanto sete integram somente a Frente da Segurança Pública.

A deputada Júlia Zanatta (PL-SC) tem liderado as discussões envolvendo a sobrevivência dos clubes de tiro e busca o apoio da bancada do agro. À Coluna, ela disse que vai procurar o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, em busca de apoio.

·         Bancada da Bala não sabe como barrar decreto de Lula

A chamada Bancada da Bala na Câmara dos Deputados traça estratégias para tentar derrubar pontos do decreto do governo federal que restringe o acesso de armas e munições e impõe novas regras aos clubes de tiro. Mas mesmo entre seus integrantes não há consenso sobre o melhor caminho a seguir. Enquanto há quem defenda a derruba integral do decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem aqueles que preferem somete derrubar partes do texto.

É nesta direção que trabalha o presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, deputado Alberto Fraga (PL-DF), que apresentou uma proposta para que as pistolas 9mm sejam novamente acessíveis à população. Ele explicou que há poucas chances de barrar completamente o decreto do governo, e que a melhor estratégia é focar nos pontos principais.

“Não temos votos suficientes para derrotar esse decreto. Na melhor das hipóteses, se aprovarmos na Câmara, vai ficar parado no Senado. Tem que ter um pouco de cautela”, avaliou.

No Senado, já há dois projetos de decreto legislativo (PDL) aguardando análise: um de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que considerou o decreto de “petista”, e outro de Luís Carlos Heinze (PP-RS), que enxerga que a medida extrapola as competências do Executivo.

“O texto transfere atribuições do Exército para a Polícia Federal, totalmente à margem do Estatuto do Desarmamento. O decreto também ignora que o tiro é uma prática esportiva, pois impõe aos atletas dificuldades na compra de munição. O governo Lula está na contramão dos anseios da população: no referendo de 2005, 63,94% votaram contra o desarmamento. A vontade popular precisa ser respeitada”, cobrou o senador.

Mas, para o deputado Sanderson (PL-RS), a melhor alternativa é a derrubada completa do decreto baixado pelo governo. O parlamentar criticou a opinião de Lula, afirmando que “tem preconceito e estão olhando (para o acesso facilitado às armas) com um viés unicamente ideológico”. “Clubes de tiro civis existem no mundo inteiro, à exceção de países comunistas com regime fechado”, afirmou.

Para a deputada Júlia Zanatta (PL-SC) — que na inauguração de um clube de tiro, no sábado, em Santa Catrarina, disse que “todo poder emana do cano de uma arma” —, há um elemento de revanchismo na decisão do governo de tornar mais rígido o acesso a armamentos e munição. “Eles (governo) querem se vingar de uma parcela da população que eles acreditam que votaram no Bolsonaro. Têm algumas coisas que extrapolam o poder de regulamentação do Executivo nesses decretos que foram editados e, por isso, a gente já entrou com um PDL para sustar”, observou.

 

Ø  Lula liga armamentismo a crime organizado

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçou, ontem, no programa semanal Conversa com o Presidente, a posição contrária que tem à liberação das armas de fogo. Para ele, clubes de tiro deveriam ser restritos às Forças Armadas e de segurança. Ele frisou, ainda, que o governo de Jair Bolsonaro liberou os armamentos para beneficiar o crime organizado.

“Sinceramente, não acho que um empresário que tem lugar para praticar tiro é empresário. Já disse para o Flávio Dino (ministro da Justiça e Segurança Pública): temos que fechar quase todos (os clubes de tiro). Só deixar abertos aqueles que são da PM (Polícia Militar), do Exército ou da Polícia Civil. É organização policial que tem que ter lugar para atirar, para treinar tiro. Não é a sociedade brasileira. Não estamos preparando para uma revolução”, afirmou.

Lula questionou o que leva uma pessoa a comprar uma pistola de grosso calibre, como 9mm. “Temos que ter claro o seguinte: por que um cidadão quer pistola 9mm? O que vai fazer com essa arma? Vai fazer coleção? Vai brincar de dar tiro? No fundo, esse decreto de liberação de armas que o presidente anterior fez era para agradar o crime organizado. Quem consegue comprar é o crime organizado, e gente que tem dinheiro. Trabalhador não está conseguindo comprar comida”, enfatizou.

O preço de uma pistola Glock 9mm, de fabricação austríaca, está em torno de R$ 10 mil nas lojas especializadas. A arma é uma das preferidas dos atiradores e policiais pela leveza e por ser de difícil percepção pelos detectores de metal — as partes principais do artefato são em polímero.

Desde que assumiu a Presidência, Lula vinha anunciado a restrição ao acesso a armamentos e munições, seguindo o caminho oposto ao de Bolsonaro — que costumava dizer em eventos públicos que “povo armado jamais será escravizado”. Na semana passada, o governo baixou um decreto no qual restringe o uso das pistolas de calibre 9mm apenas às forças de segurança.

Um dos argumentos para que o governo determinasse que mãos inabilitadas não tivessem acesso a esse armamento de grosso calibre é o poder de penetração do projétil — de alta letalidade, capaz de transfixar mais de uma pessoa. Em maio de 2019, Bolsonaro assinou decreto liberando a compra de pistolas .40, .45 e 9mm para qualquer um que tivesse porte de arma.

O decreto também alterou o funcionamento dos clubes de tiro, que, pelas novas regras, só poderão permanecer abertos entre 6h e 22h — antes alguns funcionavam 24h. O decreto dá 18 meses de prazo para que esses locais se adaptam às novas regras.

No programa, Lula comentou a relação com o Congresso e a reforma ministerial que está sendo articulada. Segundo o presidente, o Centrão “não existe” e quer conversar com cada partido que integra o bloco. “Não conversei com ninguém. Se tiver gente falando que conversou com o presidente, é mentira. O Lula não conversa com o Centrão, conversa com os partidos individualmente”, afirmou. Frisou que cabe a ele escolher que ministérios serão cedidos, mas disse ver com naturalidade que agentes políticos queiram cargos no governo em troca de apoio.

Ele disse também que fará uma cirurgia no quadril em outubro, com data ainda a ser marcada, para tratar de uma artrose que vem lhe causando intensas dores. “Ninguém consegue trabalhar com dor o dia inteiro”, disse.

 

Fonte: FolhaPress/Agencia Estado/Correio Braziliense

 

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