sábado, 29 de julho de 2023

Desvendar caso Marielle é questão de tempo, diz PF

A vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram assas¬sinados em uma emboscada nas ruas do Rio de Janeiro há cinco anos.

Na segunda-feira 24, a Polícia Federal anunciou o segundo grande avanço da investigação nesse período. Um dos envolvidos, o ex-policial Élcio Queiroz, assinou um acordo de colaboração com a Justiça.

Além de confessar sua participação no crime, ele confirmou que o autor dos disparos foi o também ex-policial Ronnie Lessa, que já está preso, e forneceu o nome de outros ex-policiais que atuaram no planejamento e no apoio de uma trama complexa que envolve crime e poder.

As revelações do delator deram novo impulso às investigações, mas ainda são insuficientes para esclarecer o mistério sobre a identidade dos mandantes. As autoridades, porém, consideram que, diante de algumas pistas fornecidas pelo informante, isso agora é uma questão de tempo.

Élcio Queiroz contou aos policiais que ele dirigiu o veículo que levou Ronnie Lessa, o assassino, até o local do crime, deu detalhes de como foi a perseguição, a execução e a fuga — e citou o nome de um suposto intermediário responsável por contratar o matador.

Num extenso depoimento, o delator reconstituiu toda a dinâmica do assassinato, do momento em que passaram a seguir Marielle até o instante em que o carro dela foi interceptado e fuzilado na região central do Rio.

Queiroz também contou como a arma e o Cobalt usados na operação foram destruídos. Segundo ele, o contratante foi o ex-policial Edmilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé, executado ainda não se sabe por quem ou por que em novembro de 2021.

Já o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, preso na segunda-feira, teria dado apoio material e logístico ao grupo.

Todos os envolvidos, como se vê, são ex-agentes do Estado.

A Polícia Federal acredita que tem condições de chegar aos mandantes do crime a partir dessas novas informações.

A estratégia, de acordo com um dos responsáveis pela condução do caso, é concentrar a apuração no “nível intermediário” do grupo, ou seja, priorizar os elos entre os mentores e os executores.

O ex-bombeiro Maxwell, por exemplo, é considerado uma peça fundamental para atingir esse objetivo.

Élcio contou que uma primeira tentativa de matar Marielle ocorreu três meses antes do assassinato. O método foi o mesmo. Os bandidos seguiram a vereadora e a interceptariam na rua. A diferença é que, na ocasião, o carro usado estava sendo dirigido por Maxwell, com Ronnie Lessa no banco do passageiro e o ex-¬policial Macalé escoltando a dupla num segundo veículo.

Um problema mecânico no carro dos assassinos salvou a vida da vereadora naquele dia. O delator disse que ouviu esse relato detalhado do próprio Lessa.

Logo depois de ser preso, na segunda-feira, Maxwell foi transferido para uma penitenciária de segurança máxima em Brasília.

A polícia imagina que, isolado, sem contato com antigos comparsas e sem perspectiva de ser solto, ele pode decidir colaborar para a elucidação do caso — e é bem provável que tenha a resposta que se busca.

O delator contou que foi chamado para dirigir o carro no dia do assassinato porque Lessa estava em dúvida sobre a disposição do ex-bombeiro, que, na primeira tentativa de execução, teria ficado com “medo” e provavelmente inventado a história do defeito no veículo.

Além de Maxwell, a polícia também vai ampliar a investigação sobre Macalé. Ele era, até onde se sabe, a única pessoa que com certeza sabia a identidade do mandante.

O ex-policial foi morto a tiros em novembro de 2021 em circunstâncias não esclarecidas — e, ao que consta, também não muito bem investigadas.

A PF não descarta a possibilidade de o ex-policial ter sido executado como queima de arquivo.

Aliás, há um ponto em comum entre os suspeitos citados até agora no assassinato da vereadora: todos são ligados a milícias — grupos formados por policiais e ex-¬policiais que controlam o crime organizado no Rio de Janeiro, infiltrados tanto no poder público quanto na política.

Essa simbiose, aliás, sempre foi considerada um empecilho para a evolução das investigações. Quase um quarto do eleitorado do estado vive em áreas ocupadas por milícias, ou pelo tráfico de drogas, de acordo com um levantamento realizado pela UFRJ.

Durante as eleições, candidatos que não têm o aval desses grupos simplesmente são impedidos de fazer campanhas e invariavelmente sofrem ameaças se ousarem desafiar as regras impostas pelas facções.

O caso Marielle já revelou que muitos dos agentes de segurança do estado trabalham ou mantêm forte proximidade com as organizações criminosas. Há trechos na delação de Élcio Queiroz que mostram que, certamente não por acaso, pistas importantes se perderam quando as investigações estavam sob a responsabilidade do estado.

A hipótese de crime político nunca foi descartada, mas até o momento não surgiram elementos para afirmar que a motivação teve a ver com os posicionamentos de esquerda da vereadora.

Embora combativa, a atuação da parlamentar costumava tratar do empoderamento feminino e defesa de minorias.

O caldo que mistura tráfico de drogas, jogo do bicho e milícias no Rio de Janeiro, no entanto, ronda o caso desde o início.

Macalé foi citado na CPI das milícias, era segurança de bicheiros e foi acusado de tramar assas¬sina¬tos. Ronnie Lessa pertencia ao Escritório do Crime, grupo de matadores de aluguel.

VEJA teve acesso à íntegra de uma proposta de delação premiada que associou a morte da vereadora ao crime organizado.

Em julho de 2021, Julia Lotufo, esposa do ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega, apontado como chefe do Escritório do Crime, encaminhou ao Ministério Público uma proposta de acordo. Em troca de benefícios judiciais, ela se dispôs a contar detalhes sobre a participação do marido em mais de uma dezena de homicídios encomendados pela contravenção e listou agentes públicos que receberam propina para acobertar crimes.

O anexo 10 da proposta, ao qual VEJA teve acesso, tratava especificamente sobre a morte de Marielle Franco.

Segundo ela, Adriano, que chegou a ser apontado como suspeito do crime, foi convidado para executar a vereadora, mas não aceitou. O autor da proposta seria “Maurição” (tenente reformado da PM Maurício Silva da Costa), chefe da milícia de Rio das Pedras, e o mandante do crime seria “Girão” (ex-vereador Cristiano Girão), chefe da milícia de Gardênia Azul — ambas na Zona Oeste do Rio.

O ex-capitão teria recusado o “trabalho” por causa da “repercussão” que teria.

Depois do assassinato, Julia diz que ouviu do marido a seguinte afirmação: “Foi o Lessa, é tudo modus operandi dele, o calibre da arma, a posição do disparo”. Ronnie Lessa e “Maurição” seriam amigos de longa data.

Foragido da polícia, Adriano da Nóbrega foi executado no interior da Bahia, em fevereiro de 2020, em mais um crime estranho e até hoje mal explicado.

A proposta de delação de Julia foi recusada. Os promotores justificaram que foram detectadas inconsistências e ausência de provas em alguns dos relatos.

Espera-se que as novas evidências finalmente levem à identificação e punição de todos os culpados.

 

       Caso Marielle: 5 investigados já foram assassinados. Saiba quem

 

Pelo menos cinco pessoas investigadas no caso Marielle foram assassinadas a tiros nos últimos anos. Essas mortes são vistas com preocupação pelos agentes da Polícia Federal (PF) e podem ter atrapalhado a descoberta do mandante do crime, que vitimou também o motorista Anderson Gomes.

Nesta semana, um caso que chamou a atenção foi o do PM aposentado Edmilson da Silva Oliveira, o Macalé, executado em plena luz do dia em Bangu, no dia 6 de novembro de 2021.

Macalé é apontado como a pessoa que teria intermediado a relação entre o mandante e os executores das mortes da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

Em um relatório da PF deste mês, a morte de Macalé é mencionada como “outro severo golpe que a intempestividade impôs à persecução penal”.

“Outro aspecto relevante a ser destacado consiste na notória dificuldade imposta pelo extenso lapso temporal entre o crime e a presente apuração. Parte significativa das provas e evidências deixadas por seus autores, seja mandante seja executor, pereceu com o tempo, impondo severa limitação a novas diligências que se mostraram oportunas com o avanço dos trabalhos”, diz outro trecho do relatório da PF.

Desde a morte de Marielle, na noite de 14 de março de 2018, cinco investigados pela polícia relacionados ao caso já foram assassinados. Entenda:

•        Lucas Todynho: o clonador

Lucas do Prado Nascimento da Silva, o Todynho, era suspeito de ter feito a clonagem do carro usado para executar Marielle.

Em relatório da Polícia Civil do Rio de Janeiro de março de 2019, ele é apontado como responsável pela “confecção dos documentos falsos” do veículo.

Já um documento deste ano, emitido pela Polícia Federal, inclui o nome de Lucas no “núcleo ligado ao preparo do carro utilizado no crime”.

Todynho foi assassinado menos de um mês depois da morte de Marielle, em 3 de abril de 2018, perto de uma comunidade conhecida como Vila Kennedy.

Um parente de Todynho disse para a polícia que a morte poderia ter relação com a clonagem de veículos e o envolvimento com milícia.

•        Adriano da Nóbrega: o ex-capitão

Ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega foi ouvido pelos investigadores do caso Marielle ainda em 2018. Ele sempre negou envolvimento com a morte da vereadora, mas a polícia acredita que ele teria informações sobre o caso.

Os investigadores chegaram a divulgar que Adriano recebeu uma oferta para matar Marielle, mas não teria aceitado o “serviço”.

Apontado como chefe de pistoleiros do Escritório do Crime, Adriano foi alvo da Operação Intocáveis, que apurava vários homicídios cometidos por esse grupo.

O ex-PM ficou foragido até ser encontrado pela polícia da Bahia, na cidade baiana de Esplanada, em 9 de fevereiro de 2020. Ele teria reagido à abordagem policial e foi morto. A Polícia Civil da Bahia concluiu, em inquérito, que Adriano não foi executado, e houve troca de tiro.

•        Luiz Orelha: braço direito

Luiz Carlos Felipe Martins, o Orelha, era um sargento da Polícia Militar do RJ que teria ficado responsável por cuidar dos negócios do ex-capitão Adriano, após a morte dele na Bahia.

Existem duas pessoas com o apelido Orelha relacionados ao caso Marielle e Anderson Gomes. O Luiz Orelha é diferente do Edilson Orelha, que teria ajudado a ocultar o carro usado no crime.

Luiz foi assassinado em Realengo, na manhã do dia 20 de março de 2021, durante seu horário de folga.

Segundo reportagem de O Globo daquele ano, Luiz Orelha morreu dois dias antes da Operação Gárgula, em que seria preso por suspeita de se desfazer de bens deixados por Adriano.

•        Macalé: o intermediador

Edmilson Macalé era um PM aposentado, apontado pela polícia como um miliciano da região de Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Em 2014, ele foi absolvido no processo em que era réu por matar um jovem dessa mesma região.

Segundo considerações mais recentes da Polícia Federal, Macalé teria sido o responsável por ter contratado os executores de Marielle, além de ter ajudado em diferentes etapas do crime.

Macalé foi executado com vários tiros no dia 6 de novembro de 2021.

•        Hélio: o Senhor das Armas

Hélio de Paulo Ferreira era conhecido como Senhor das Armas, por conta das operações policiais em que foi preso com armas ilegais.

Sua profissão oficial era mecânico. Por muito tempo, foi conhecido por consertar armas e viaturas policiais na região de Jacarepaguá.

A Polícia Civil ouviu Hélio no inquérito do caso Marielle em agosto de 2018. Na época, ele foi investigado pelo crime.

O Senhor das Armas foi executado com vários tiros no dia 28 de fevereiro deste ano, na rua Araticum, no bairro Anil. Outras três pessoas morreram durante o ataque.

 

       Quem é o filho de delegado da PF suspeito de vazar operação do caso Marielle

 

Jomar Duarte Bittencourt Junior, 37 anos, mais conhecido como Jomarzinho ou Jomar Jr., foi surpreendido na manhã da última segunda-feira (24/7) com operação de busca e apreensão da Polícia Federal (PF) em seu apartamento, no condomínio Cielo Vita, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro (RJ).

Jomarzinho é um dos investigados no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Segundo as diligências, ele vazou uma operação policial em 2019, beneficiando acusados de executar o crime.

“Recebi um informe agora que vai ter operação Marielle amanhã”, escreveu ele para um contato no WhatsApp, de apelido Mauricinho, na noite de 11 de março de 2019.

Em seguida, Mauricinho teria ajudado a repassar o vazamento para os acusados de executar a vereadora, incluindo o ex-PM Ronnie Lessa, que até tentou fugir, mas foi preso no dia seguinte.

Os investigadores não deixaram claro como Jomarzinho obteve a informação privilegiada, o que fica sugerido pela filiação do investigado. Jomar Jr. é filho de um delegado aposentado da Polícia Federal, Jomar Bittencourt, de 68 anos (foto em destaque).

O Jomar pai inclusive já foi candidato a deputado federal em 2018, pelo Avante do Rio de Janeiro, e acabou derrotado nas urnas com 1.597 votos.

•        Mãe ironizou Marielle

A mãe de Jomar Jr. é a advogada Neide Simões Bittencourt, de 66 anos. Em março de 2019, poucos dias depois da operação policial que prendeu Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, ela usou suas redes sociais para ironizar o assassinato de Marielle.

 “Esperando (Marcelo) Freixo dizer que cadeia não resolve e que os assassinos de Marielle merecem uma 2ª chance”, escreveu a advogada no dia 16 de março. Em outros dois momentos, ela compartilhou mensagens que questionam a importância dada ao caso Marielle.

•        Pancadaria e sonho

A última vez que Jomarzinho apareceu em sites de notícia foi em novembro de 2008. O nome de Jomar Jr. foi citado em uma reportagem da Veja Rio sobre uma briga na casa noturna 00.

Jomarzinho faria parte de um grupo de rapazes que se envolveram em uma briga com o ator global Marcello Novaes. Após sofrer uma cotovelada, o artista levou 21 pontos.

O agora investigado Jomar Jr. tinha o desejo de seguir carreira na Polícia Militar. Em 2015, ele tentou um concurso para entrar na Polícia Militar do Rio e foi reprovado no exame antropométrico, pois seu índice de massa corporal ultrapassava o exigido.

Com ajuda da mãe advogada, ele entrou com uma ação na Justiça justificando que tinha hipertrofia muscular. No entanto, o Judiciário não aceitou a argumentação, e o pedido de inclusão no concurso foi indeferido.

O Metrópoles entrou em contato com a advogada Neide Bittencourt, mãe de Jomarzinho, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto.

 

Fonte: Veja/Correio Braziliense/Metrópoles

 

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