sábado, 1 de julho de 2023

Análise gratuita de drogas pode ajudar a evitar mortes

As mortes de duas adolescentes nesta semana causaram comoção na Alemanha. Apesar dos casos terem ocorrido em diferentes cidades no norte de país, eles possuem algumas semelhanças. As meninas tinham apenas 13 e 15 anos. Queriam viver e experimentar algo e agora estão mortas. A causa dos óbitos foi uma overdose de ecstasy – algo frequente na Alemanha.

Em 2017, a morte de uma jovem americana na casa noturna Berghain, em Berlim, também por overdose de ecstasy teve grande repercussão. Por mais trágico que sejam os casos individuais: nas estatísticas do Departamento Federal de Investigações da Alemanha (BKA), o ecstasy aparece em último lugar em mortes causadas pelo consumo de drogas ilegais. Entre 2020 e 2022, foram registrados 27 óbitos decorrentes do uso desta substância.

No entanto, o ecstasy é uma das drogas mais consumidas no país europeu. De acordo com dados da Pesquisa Epidemiológica sobre Abuso de Substâncias (ESA), um em cada 100 entrevistados entre 18 e 64 anos usou a substância nos últimos doze meses.

O Centro Federal de Educação de Saúde da Alemanha (BzGA) alerta com veemência para os riscos do ecstasy: taquicardia, aumento da temperatura corporal, desidratação, insuficiência renal e hepática, e desmaio. A advertência destaca ainda as mortes causadas pelo consumo da substância – "predominantemente em decorrência do sobreaquecimento e da subsequente insuficiência renal ou hepática".

"O ecstasy tem o efeito estimulante da sua substância original, a anfetamina. Os usuários se sentem acordados e ativos", descreve o BzGA os efeitos da droga sintética e acrescenta que ela causa ainda "a sensação de felicidade e amor".

•        A dose faz o veneno

A dose sozinha faz a diferença entre um veneno e um remédio, escreveu o médico alemão Paracelsus no século 16. Os casos das adolescentes no norte da Alemanha parecem confirmar isso. Na mesma semana de suas mortes, a Food and Drug Administration (FDA), agência dos Estados Unidos equivalente à Anvisa, publicou diretrizes para pesquisas com drogas psicodélicas, incluindo o ecstasy.

Nos EUA, a substância tem sido usada há anos, com sucesso, no tratamento do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) em veteranos das forças armadas. Ela é utilizada, porém, em doses seguras e sem misturas perigosas.

Quem compra drogas no mercado negro não tem essa segurança. No seu relatório mais recente de meados de junho, o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência constatou um "nível historicamente elevado de ingredientes ativos" nos comprimidos de ecstasy traficados ilegalmente. "A disponibilidade de produtos mais fortes aumenta possivelmente o risco para a saúde associado ao consumo desta substância", pontua o documento.

Na Alemanha, o verão é a época dos festivais. No âmbito do tradicional Fusion, realizado em Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, segundo a imprensa alemã, já aparecem os comprimidos de ecstasy Blue Punisher – que teriam sido consumidos pelas adolescentes que morreram nesta semana. Essas pílulas possuem uma grande concentração do ingrediente ativo e pode causar uma overdose com a ingestão de apenas parte de um comprimido. A polícia suspeita que uma versão ainda mais forte do Blue Punisher esteja circulando no norte do país.

Em Berlim, a nova edição da Love Parade, marcada para 8 de julho, deve atrair centenas de milhares, dos quais muitos devem usar ecstasy e sem saber exatamente o que estão consumindo.

•        Teste pode reduzir risco

As mortes das adolescentes reacenderam o debate sobre oferecimento de análises gratuitas de drogas para os consumidores. Em Berlim desde o início de junho, usuários podem testar gratuitamente as substâncias adquiridas no mercado negro, e com a garantia de anonimato de quem solicitou o serviço.

Após anos de discussões e preparativos, o projeto de testagem de drogas foi colocado em prática. Adultos que moram na capital alemã podem levar amostras de drogas a três centros de aconselhamento para terem sua composição e pureza testados em um laboratório público. Em até três dias, a análise fica pronta e pode ser comunicada por telefone ou pessoalmente. Podem ser checadas drogas como maconha, ecstasy, speed, cocaína e LSD, entre outras.

"Se já tivéssemos uma ampla testagem de drogas e se isso fosse amplamente divulgado, poderíamos ter evitado os trágicos acidentes", afirma o toxicologista e especialistas em drogas Fabian Pitter Steinmetz em referência à morte das adolescentes.

A experiência de Berlim revela o tamanho da demanda por esse tipo de serviço: nas primeiras semanas, a procura foi tão grande, que impossibilitou o teste de todas as amostras trazidas pelos usuários. E os primeiros resultados são alarmantes: um terço das substâncias analisadas estavam contaminadas ou em dosagem muito elevada.

Pelo menos quatro estados alemães querem seguir o exemplo de Berlim e oferecer análises de drogas gratuitos. Uma lei federal, que ainda precisa ser aprovada no Bundesrat, a câmara alta do parlamento alemão (com representantes dos estados), deve possibilitar esse tipo de serviço a nível nacional.

Para Steinmetz, é importante que jovens também tenham acesso aos serviços de análise de drogas. O toxicologista afirma ainda que esses centros de testagem possibilitam obter informações sobre a cena da droga e se aproximar dos consumidores. Em Berlim, o modelo prevê, antes do teste, uma conversa com o usuário sobre o procedimento da análise e o uso seguro da substância a ser testada.

"Assistentes sociais ou conselheiros de toxicodependência quase nunca têm contanto com os típicos usuários de drogas de finais de semana. A maioria destes usuários não tem um consumo problemático, mas o aconselhamento poderia ajudá-los a evitar problemas futuros e diminuir os riscos", acrescenta Steinmetz.

 

       Quão perigosas são as drogas realmente?

 

Que drogas devem ser proibidas e o que se pode atingir ao legalizar algumas delas? Esse é um debate que está sendo conduzido de forma fervorosa por legisladores em muitos países.

Nessa disputa, o componente cultural tem influência especial. A DW baseou-se em fatos para fazer um levantamento sobre as drogas mais conhecidas, o seu potencial de vício, os riscos que elas oferecem e a sua aceitação ou rejeição na sociedade.

•        Anfetamina e metanfetamina

Até os anos 1970, a anfetamina foi utilizada na medicina como medicamento antidepressivo, inibidor de apetite e na terapia contra a asma. A droga já foi utilizada como estimulante por soldados, e é hoje popular na cena techno. Ela inibe o cansaço, mas pode causar insônia, tremores e palpitações, levando, nos casos mais graves, a um ataque cardíaco ou um derrame cerebral.

Como a anfetamina é principalmente inalada, o septo nasal pode se dissolver. Seu potencial de dependência é intermediário (1,67 de uma escala que vai até 3,0). Delírios paranoicos, depressão e psicose também são possíveis efeitos da droga.

A metanfetamina ou "crystal meth" é mais perigosa do que a anfetamina. Ela leva muito mais rápido à dependência psicológica. Seu potencial de dependência está entre 2,39 e 3,0, e os viciados precisam de doses cada vez maiores. Dependentes de metanfetamina perdem peso rapidamente, as mucosas da boca e do nariz se dissolvem, e os dentes caem.

•        Ópio e heroína

A heroína é feita a partir da morfina, o principal componente do ópio bruto, ou seja, é retirada da flor da papoula. A morfina é legalizada como analgésico. A substância deve ser usada somente em caso de dores muito fortes, como no caso da medicina paliativa ou também para o alívio de dores agudas após um ataque cardíaco.

Diferentemente da morfina, a heroína (potencial de dependência 3,0) age não somente de forma analgésica, mas também provoca euforia e perturba o sono.

Em caso de overdose, o consumo de ambas as drogas pode levar a uma parada respiratória. Esse perigo é particularmente elevado entre os viciados que usam a heroína em combinação com álcool ou soníferos.

•        Cocaína e crack

A cocaína (potencial de dependência: 2,39) é uma substância extraída da planta de coca. Misturada ao fermento, obtém-se o crack. A cocaína provoca euforia, inibe a fome e a fadiga. Por muito tempo, foi a droga preferida de quem que combinar festa com a carreira profissional.

No entanto, quem cheira cocaína paga um preço alto: pulso acelerado, contração dos vasos sanguíneos, aumento da pressão arterial e risco de ataque cardíaco. O uso prolongado pode levar de alucinações a psicose irreversível. Quem fuma cocaína destrói a mucosa oral; quem a cheira, o septo nasal.

Particularmente no caso do crack, a dose letal é quase incalculável, porque a droga atua de forma muito mais forte do que a cocaína. Além disso, o potencial de dependência do crack (acima de 3,0) supera o da heroína, nicotina e do álcool.

•        LSD

A dietilamida do ácido lisérgico ou LSD é uma droga sintética que leva a uma percepção acentuada do entorno. Nas décadas de 1960 e 1970, o LSD era visto como droga usada pelos hippies para a expansão da consciência.

Em pessoas com predisposição especial, o LSD pode levar a um estado irreversível de psicose. O perigo de um envenenamento letal, no entanto, é menor que no caso do álcool ou nicotina. Além disso, seu potencial de dependência se encontra na parte inferior da escala (1,23).

Mas o perigo de acidentes após a ingestão de LSD é significativo, já que o usuário avalia o seu entorno de forma completamente errônea, agindo irracionalmente devido a alucinações e delírios psicóticos. Sob o efeito do LSD uma pessoa pode pular da janela, acreditando poder voar.

•        Álcool e nicotina

Entre as drogas com "potencial de dependência moderado", o álcool está à frente (1,93) da maconha, do LSD, de muitos soníferos, da anfetamina e até mesmo de outra droga sintética para festas: o ecstasy. Com o tempo, a dependência do álcool destrói órgãos internos, como o fígado e pâncreas, além de prejudicar a musculatura e o metabolismo.

E o cigarro tem um potencial de dependência (2,21) ainda maior, sendo superado somente pelo crack, cocaína e heroína. Anualmente, entre 100 mil e 120 mil pessoas morrem devido a causas relacionadas ao cigarro. Assim, o tabaco e o álcool estão entre as drogas mais perigosas.

•        Maconha

Em cada vez mais países, legisladores discutem a legalização da maconha para tratamento medicinal, como analgésico ou estimulante de apetite em casos de infecção por HIV ou no tratamento do câncer. A substância THC (tetra-hidrocanabinol), encontrada na maconha, é relaxante e analgésica. Seu potencial de dependência (1,51) é considerado "médio".

O consumo de THC leva, a princípio, a uma percepção mais intensa do entorno, principalmente da música, do paladar e da noção de tempo. Entre os típicos efeitos colaterais, está a fome aguda -  a famosa "larica".

A longo prazo, no entanto, o consumo de maconha pode levar à redução da capacidade de aprendizagem e raciocínio, possivelmente por uma alteração do fluxo sanguíneo no cérebro.

Fonte: Deutsche Welle

 

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