segunda-feira, 31 de julho de 2023

Ampliação do ensino técnico pode impactar até 2,32% do PIB

Aliny Damasceno dos Santos, 23 anos, se formou em 2018 no ensino médio técnico e, em seguida, entrou em um curso técnico de mecânica. Reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC), a modalidade é uma das opções para quem quer se capacitar para o mercado de trabalho antes de passar por uma faculdade.

No caso de Aliny, o curso profissionalizante rendeu um estágio assim que terminou os anos escolares, antes mesmo de iniciar a graduação. Para ela, a opção é positiva para aqueles que buscam maturidade profissional antecipada.

"A gente estuda muitos conceitos que não vê no ensino médio regular. Adquirimos maturidade cedo. Esse ensino já me ajudou muito na minha carreira. Já me ajudou a conseguir estágio e a entrar em projetos de extensão", conta a futura engenheira.

Aliny percebeu a diferença entre um ensino médio regular e o ensino médio técnico na prática. "Eu já entrei na graduação tendo uma boa noção do que ela seria. Eu vejo muita gente entrando na engenharia mecânica e desistindo porque não é bem o que a pessoa imaginava, e como eu já fiz o técnico, foi uma vitrine pra mim, ajudando a não desistir do meu curso", contou a estudante.

A acadêmica de engenharia acrescentou: "eu recomendo muito, principalmente porque eu e outros colegas tivemos a oportunidade de já sair trabalhando, o que é um ponto muito positivo. Hoje, o mercado de trabalho está muito complicado. Eu acho que pode mudar a vida das pessoas encontrar tão cedo a profissão que quer seguir".

·         Impactos econômicos

Recente pesquisa do Itaú Educação e Trabalho mostrou os efeitos do ensino médio técnico na economia do Brasil. O estudo apontou que trabalhadores graduados na modalidade ganham em média 32% a mais do que aqueles com ensino médio tradicional, entre os profissionais de 24 a 65 anos de idade.A pesquisa foi realizada entre junho e dezembro de 2022.

Um dos pesquisadores, Vitor Fancio, que atualmente atua como assistente de pesquisa no Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), disse que, no estudo, foram analisados os efeitos macroeconômicos da expansão do ensino médio técnico no Brasil em três grandes aspectos: os impactos do Produto Interno Brasileiro (PIB) na economia, a desigualdade salarial e os custos de expansão do ensino médio técnico no país.

"Para quantificar esses impactos, construímos um modelo matemático que representa a economia que a gente vive atualmente e realiza, com base nesse modelo, dois grandes experimentos. O primeiro, a gente simula o caso em que o governo duplica a oferta do ensino médio técnico e, no segundo caso, analisa quando o governo triplica o número de vagas para o ensino médio técnico, sendo os efeitos bem parecidos", explica.

Considerando a segunda hipótese, ele afirma que há impacto sobre o PIB do país. "Quando o governo triplica o número de vagas no ensino médio técnico, a gente observa um aumento de 2,32% no PIB, pensando em longo prazo", pontua.

Para o pesquisador, o impacto se deve ao fato de que os profissionais vindos do ensino técnico são mais produtivos do que aqueles saídos do ensino tradicional. "Quando o governo expande o número de vagas, a gente tem aumento de jovens com ensino médio técnico na economia e também aumenta o número de jovens com ensino superior", diz.

Por mais que ainda seja um ensino que está se ampliando cada vez mais, apenas 8% da população já se formou nessa modalidade. Este percentual é baixo em comparação com outros países da América Latina, como México (34%), Chile (29%), Colômbia (24%) e Costa Rica (20%).

Isso não é devido à falta de interesse de jovens brasileiros. A escassez é consequência do número de vagas ofertadas. Segundo dados do Centro Paula Souza (CPS), há, em geral, cinco vezes mais candidatos do que o número de vagas disponíveis para o ensino médio técnico.

Carla Chiamarelli, atual gerente de gestão de conhecimento do Itaú Educação e Trabalho, afirma que há uma forma de ampliar o ensino técnico no país: "Com investimento nessa modalidade de ensino, seja no ensino médio e fora dele".

"O Poder Público, o setor produtivo e a sociedade em geral precisam valorizar e investir na ampla oferta qualificada da educação profissional, que é uma modalidade de ensino que está mais alinhada com as tendências do mundo do trabalho", afirma. A gerente considera ser necessário mudar o foco da educação: "É urgente colocar a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) como prioridade na nossa sociedade e no centro da estratégia de desenvolvimento das juventudes e das melhorias das condições socioeconômicas do Brasil".

De acordo com Chiamarelli, as diferenças entre os egressos do ensino médio técnico e o regular passam por diversos aspectos no que diz respeito ao mercado de trabalho. Para os técnicos, a taxa de desemprego é, em média, 7,2%, enquanto para os demais é de 10,2%. "Outro estudo realizado em 2021 com objetivo de criar um indicador de inclusão produtiva de qualidade, mostrou que 34,5% dos jovens egressos da EPT seguem para o ensino superior enquanto, no ensino médio tradicional, este percentual é de 27,4%", afirma.

Apesar das diferenças que acredita penderem positivamente para o estudo profissionalizante, a gerente de gestão do conhecimento lembra que são opções distintas e que devem ser analisadas conforme a realidade de cada jovem. "O que posso afirmar é que temos muitas evidências, baseadas em estudos e pesquisas, de que o ensino médio técnico de qualidade é uma possibilidade muito positiva para os jovens e também para o país" concluiu a colaboradora do Itaú.

·         Valorização

O estudante Guilherme Henrique Braga da Silva, 20, teve a oportunidade de fazer um curso técnico. Ele se formou no ensino médio em 2022 e, atualmente, cursa licenciatura em ciências biológicas na Universidade Católica de Brasília (UCB). Durante seus anos escolares, fez um curso técnico de forma integrada em produção de áudio e vídeo pelo Instituto Federal de Brasília (IFB), no câmpus Recanto das Emas, e relatou os pontos positivos da sua experiência.

"Foi uma formação que colaborou muito para minha carreira. Foi um fato que me fez sair com um diploma de ensino técnico e que eu posso usar em diversos pontos ou momentos da minha vida" disse o estudante.

Para Guilherme, a principal vantagem do ensino é oferecer um caminho para o jovem trilhar. "O jovem, assim que se forma no ensino fundamental e vai entrar no ensino médio, não sabe que rumo vai tomar. Então, entrar em um instituto que oferte formação em um ensino médio e em um curso técnico, já é uma direção para seguir carreira no curso técnico que ele se formou, fazer uma especialização ou até um curso superior da mesma área" concluiu o universitário.

O estudante não tem dúvidas quanto a recomendar a modalidade a outros que passam pela indecisão que, um dia, ele viveu: "Vai ser um ponto que mudará a vida dessa pessoa, como mudou a minha há cinco anos, quando me recomendaram o Instituto Federal. Então, sempre que posso, estou recomendando, indicando e até auxiliando a entrar".

 

Ø  90% dos empresários defendem ensino técnico como gerador de empregos, diz CNI

 

Em pesquisa recente divulgada pela Confederação Nacional de Indústrias (CNI), nove a cada 10 empresários do setor industrial disseram acreditar que o ensino técnico permite o ingresso mais rápido de jovens no mercado de trabalho. Para 85% deles, os cursos técnicos abrem mais oportunidades de emprego a quem está entrando na vida profissional do que as modalidades de ensino regular.

O levantamento foi feito com 1.001 industriais de empresas de diversos portes em todo o Brasil, com o objetivo de entender a percepção do setor sobre a educação no país.

De acordo com o superintendente de educação profissional e superior do Senai Nacional, Felipe Morgado, a pesquisa mostrou que o setor produtivo está em busca de profissionais mais qualificados e abre espaço para os jovens que cursam o ensino técnico.

"No Senai, 76% dos estudantes estão empregados em até um ano após concluírem o ensino técnico. Isso mostra que os empresários estão buscando formação técnica. Muitos deles, inclusive, estão pagando mais a estes profissionais do que àqueles que saem do ensino superior", afirma.

·         Investimento privado

Segundo Morgado, a pesquisa revelou que os empresários estão satisfeitos com a qualidade das instituições de ensino profissionalizante, situação que não se repete quando o assunto é a educação básica. Para 55% dos entrevistados, a modalidade de ensino técnico é avaliada como ótima ou boa. Já em relação à alfabetização, 78% consideram os resultados como regular, ruim ou péssimo. Além disso, 36% dos empresários apontam o ensino fundamental como o ponto fraco da educação pública brasileira.

"O setor produtivo está sentindo o impacto da baixa qualidade da educação básica e, por isso, o grande desafio agora é ampliar o ensino técnico, mantendo os resultados já encontrados com a profissionalização", diz Morgado.

Um dos aspectos de destaque na pesquisa da CNI, de acordo com o superintendente, é o fato de os empresários reconhecerem a importância de a própria iniciativa privada investir na qualificação dos jovens. De acordo com os dados apresentados, 83% dos entrevistados acreditam que a responsabilidade deva ser compartilhada com o Estado.

"Isso mostra que o empresariado está disposto a ajudar. É muito importante nesse momento em que estamos vendo a expansão do ensino técnico e buscando a ampliação da oferta de cursos", explica.

·         Cursos do futuro

A pesquisa da CNI trouxe informações valiosas para os estudantes que pensam em ingressar em um curso profissionalizante. Os empresários apontaram as áreas mais promissoras no mercado e que, atualmente, mais carecem de mão de obra qualificada.

"Ficou claro que eles reconhecem o valor da formação profissional como acesso mais rápido ao mercado de trabalho e trouxeram as áreas de maior necessidade. TI (tecnologia da informação) ficou em primeiro lugar, mas também merecem atenção automação e mecatrônica, por exemplo", aponta Felipe Morgado.

A pesquisa mostrou que os jovens que buscam o ensino técnico profissionalizante como opção deveriam ter como foco, principalmente, os cursos de TI (30%), mecânica (10%), elétrica (9%), administração (8%), automação industrial (5%) e mecatrônica (4%). Isso porque, para eles, as atividades mais promissoras no Brasil, nos próximos 10 anos, serão ligadas à tecnologia, saúde, engenharia, indústrias e agronomia.

 

Ø  Alunos indígenas pedem ajuda e conquistam acesso à internet após intervenção da UFMG

 

Feito a pedido de alunos indígenas, um projeto de conectividade da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) busca ampliar a internet para comunidades indígenas e quilombolas, que podem usar a rede para estudos, entretenimento e até acesso a programas sociais.

O projeto-piloto foi em uma aldeia do povo Maxakali, em Santa Helena de Minas, cidade próxima à divisa com a Bahia. Lá, a internet ajuda os alunos da Formação Intercultural para Educadores Indígenas da UFMG a fazerem os trabalhos acadêmicos, mesmo longe do campus principal, em Belo Horizonte.

Um deles é Lúcio Flávio Maxakali, 38, estudante de mestrado e morador da aldeia Jaqueira, onde fica a antena de conexão. Ele diz que a internet não apenas contribuiu para os estudos, mas também facilitou outros aspectos.

Lúcio, por exemplo, ajuda membros da comunidade a gerenciar benefícios sociais por aplicativo, o que evita o deslocamento de 12 quilômetros até a cidade. O mesmo ocorre para solicitar ajuda médica, já que o contato se torna mais fácil com a internet.

Para eles, a web é ainda um espaço de encontro entre tradições, seja de povos originários ou não.

"É importante para nós porque temos que colocar nosso trabalho e nossa história na internet, para mostrar o corpo e a cara dos Maxakali. Também é bom para os alunos pesquisarem e conhecerem a cultura indígena e de outras etnias", afirma.

Damião Maxakali, mestrando na universidade, relata que os mais jovens têm curiosidades sobre o universo digital, incluindo filmes e desenhos que eles assistem on-line.

Professora de educação da UFMG e uma das líderes do projeto, Vanessa Thomaz diz que, antes da pandemia, o acesso dos indígenas à internet costumava ser feito na universidade. Na época, os alunos se deslocavam entre a capital e a aldeia para ter aula, com apoio da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).

Com a chegada da Covid e do período remoto, a falta de conexão prejudicou os alunos vulneráveis, como indígenas e quilombolas. A universidade passou a distribuir chips com dados móveis para tentar incluir esses estudantes. Mas, nas aldeias afastadas dos centros urbanos, o sinal era fraco e insuficiente para assistir às aulas.

Segundo Júnia Oliveira, mestranda em ciência da computação e membro do projeto, os indígenas têm acesso a só uma parte do sinal que chega à cidade, onde há maior concentração de usuários. Por isso, a conexão dos alunos é instável.

Diante das dificuldades, os Maxakali escreveram uma carta à universidade, pedindo ajuda para acompanhar as aulas à distância. O início do projeto com os professores começou a partir dessa troca, na tentativa de solucionar o problema.

Na primeira fase, eles instalaram um ampliador de sinal telefônico na aldeia Jaqueira, mas os problemas de conexão persistiram. Nessa época, eles inscreveram o projeto em um edital do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos, e receberam US$ 1.000 (cerca de R$ 4.700) após conquistarem o segundo lugar.

Depois, compraram a antena da Starlink, de conexão via satélite, que foi colocada em espaço aberto. "Agora, eles têm o acesso à internet com velocidade alta, sem limite de cota. Dá para fazer muita coisa, atende a eles perfeitamente e a qualidade do serviço é muito boa", diz o professor José Marcos Nogueira, de ciência da computação, que também coordena o projeto.

Com a conexão, os alunos puderam avançar nos estudos, mesmo no pós-pandemia. Os estudantes pesquisam diferentes tópicos relacionados à comunidade, como os medicamentos tradicionais e o mapeamento do território onde vivem, e estão sendo beneficiados pela iniciativa. Hoje, 21 alunos da licenciatura e dois do mestrado usam a conexão, segundo a professora Vanessa Thomaz.

Mas os recursos recebidos no edital, que são usados para pagar a mensalidade do uso do satélite, devem chegar ao fim neste mês. Outro desafio é que o acesso à rede está restrito a apenas uma aldeia em Água Boa, um dos territórios Maxakali.

Na aldeia Major, onde vive Damião Maxakali, o acesso vem dos dados móveis. Para usar a internet via satélite, ele precisa se deslocar até Jaqueira, onde mora Lúcio. Por isso, Damião diz que ainda tem dificuldades em acessar a web e utilizá-la com os alunos da escola indígena local, da qual ele é vice-diretor.

Os professores buscam financiamento para manter o projeto em andamento e expandi-lo para outros espaços, oferecendo capacitações sobre como acessar e usar a internet.

"Desde o início, queríamos uma formação técnica para que os usuários possam fazer a manutenção, mas também usar esse recurso numa perspectiva educativa, para que eles possam criar as próprias redes e produzir conteúdo", diz Vanessa Thomaz.

Muitas aldeias indígenas têm buscado a conexão com a internet e meios digitais, uma vez que o contato com as tecnologias facilita trocas entre diferentes comunidades e acesso a direitos como saúde e educação.

Segundo Eliane Boroponepa Monzilar, professora do povo Balatiponé-Umutina e colaboradora do mestrado indígena da Universidade do Estado de Mato Grosso, a conectividade é um elemento importante e ajuda a combater estereótipos.

"A gente discute para que o jovem possa estar interligado aos meios de comunicação de uma forma benéfica, para trazer algo positivo para seus saberes esculturais. Que isso venha fortalecer, desde que a gente não perca as nossas raízes e saberes."

Para além dos alunos de outras etnias, o projeto pode contribuir para os estudantes de centros urbanos, apresentando novas práticas de conexão e inclusão digital. É o que afirma o professor Cássio Gonçalves do Rego, do departamento de engenharia da UFMG, que colabora com a iniciativa.

"Como escola, um projeto desse tem um alcance maior do que a gente imagina. Além de atender a necessidade urgente de uma comunidade, também oferece para o aluno que está em Belo Horizonte um estudo de caso. É um efeito multiplicador."

 

Fonte: Correio Braziliense/FolhaPress

 

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