Aliados orientam
Lula a não falar de Venezuela, e petista deve manter posição
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ouviu conselhos de pessoas próximas
nos últimos dias para deixar de comentar a situação política da Venezuela, mas
a tendência é que mantenha sua posição sobre o país vizinho e também a defesa
do ditador Nicolás Maduro.
A
avaliação de interlocutores é de que a relação com Caracas se tornou a
principal fonte de desgaste nesse início de terceiro mandato.
A
declaração de inelegibilidade da principal oposicionista do país, María Corina
Machado, na última sexta (30) é vista por interlocutores do Palácio do Planalto
como uma boa oportunidade para iniciar um processo de distanciamento de Maduro.
Na prática, a medida da Controladoria-Geral ligada ao regime de Maduro sepultou
quaisquer perspectivas de eleições livres no país, que deve ir às urnas em
2024.
Entretanto,
pessoas próximas consideram improvável que Lula mude de postura e passe a
criticar a ditadura no país vizinho. O presidente tem afirmado a aliados que
precisa ajudar no processo de politização da população e que tem, sim, de
comentar assuntos espinhosos.
Ele
também tem dito que mantém sua opinião de que o conceito de democracia é
relativo, como disse na semana passada, quando se tornou alvo de muitas
críticas.
Para
fazer uma analogia com o Brasil, ele lembra que foi preso, diz que o tiraram da
eleição de 2018 de forma injusta e que isso prejudicou a democracia brasileira,
mas que essa relativização não foi dita pelos formadores de opinião que agora o
atacam devido à Venezuela.
"O
conceito de democracia é relativo para você e para mim. Gosto de democracia
porque a democracia me fez chegar à Presidência pela terceira vez. Por isso
gosto de democracia e a exerço na sua plenitude", disse Lula na última
quinta-feira (29).
A
afirmação foi dada em entrevista após ser questionado acerca dos motivos pelos
quais ele e seu governo hesitam em cravar que o regime de Maduro não é uma democracia.
Lula comparou os países ao classificar de tentativa de interferência o fato de
que algumas nações, incluindo o Brasil sob Jair Bolsonaro (PL), reconhecerem o
opositor Juan Guaidó como líder legítimo da Venezuela.
A
posição do presidente sobre o país vizinho tem dividido o governo. Parte do PT
faz coro à tese de Lula e entende que a Venezuela é um parceiro estratégico e
que não pode ser deixado de lado.
De
outro lado, porém, a avaliação é que a relação com o país traz muitos desgastes
a Lula e que o ideal seria endurecer o discurso ou evitar o tema para não gerar
mais prejuízos à sua imagem.
A
ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), por exemplo, já foi na contramão
do chefe do Executivo e repreendeu o regime venezuelano. "Quando você tem
um governo que impede direitos fundamentais, que são previstos e que são
absolutos para uma democracia, você não tem um governo democrático", disse
ela.
Antes
da afirmação da semana passada, Lula foi criticado por ter preparado uma
recepção de gala para Maduro no Planalto no fim de maio, quando recebeu os
presidentes da América do Sul em Brasília e, um dia antes, teve uma agenda à
parte com o líder venezuelano.
Ambos
deram entrevista juntos, e o petista afirmou que tratava-se de um "momento
histórico" que "reflete uma política externa séria". "Cabe
à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possa efetivamente fazer as
pessoas mudarem de opinião. É preciso que você [Maduro] construa a sua
narrativa. E a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que o que eles têm
contado contra você."
Na
ocasião, uma ala do governo lamentou as declarações. A avaliação é que os
louros de reunir pela primeira vez em anos líderes da América do Sul, de
diferentes correntes ideológicas, foram ofuscados por reações negativas à tentativa
de reabilitar o regime vizinho.
Os
acenos à Venezuela fazem parte da estratégia de Lula de liderar toda região
para se fortalecer perante o mundo. No entanto, as declarações não tiveram
consenso nem dentro do continente.
No
encontro dos presidentes em Brasília, por exemplo, o líder do Uruguai, Luis
Lacalle Pou, abriu uma live nas redes sociais para todos ouvirem sua condenação
à fala de Lula. O esquerdista Gabriel Boric, do Chile, também não poupou o
brasileiro.
'Nada de parceiro botar espada na cabeça
do outro', diz Lula sobre acordo UE-Mercosul
Horas
antes de participar da cúpula semestral do Mercosul, o presidente Lula (PT)
voltou a afirmar nesta terça-feira (4) que a carta da União Europeia que propõe
novas exigências ambientais no acordo de livre comércio com o Mercosul é
"inaceitável" e que é necessário estabelecer uma relação de igualdade
entre os dois blocos econômicos.
"Nós
queremos discutir o acordo, mas nós não queremos imposição para cima de nós. É
um acordo de companheiros, de parceiros estratégicos, então nada de um parceiro
estratégico colocar a espada na cabeça do outro. Vamos sentar, vamos tirar as
nossas diferenças e vamos ver o que é bom para os europeus, para os
latino-americanos, para o Mercosul e para o Brasil", afirmou em live nas
redes sociais.
"Tal
como [a carta] foi escrita ela era inaceitável, e é inaceitável. Porque você
não pode pensar que um parceiro comercial seu pode te impor condições: 'Se você
não fizer tal coisa eu vou te punir, se você não cumprir o acordo de Paris eu
vou te punir'. Acontece que os países ricos não cumprem nenhum dos
acordos", continuou, citando como exemplo os protocolos de Kyoto, de Paris
e do Rio de Janeiro.
Negociado
oficialmente desde 1999, o acordo entre Mercosul e União Europeia foi concluído
em 2019, no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), mas ainda não foi
ratificado pelos dois blocos. O principal impasse para isso agora é um anexo ao
texto, chamado de "side letter", proposto pelos europeus no início
deste ano, que tornaria obrigatórios alguns compromissos ambientais antes
voluntários.
Enquanto
a Europa quer garantir que a exportação de commodities com problemas ambientais
seja vista como uma violação passível de sanções, o governo brasileiro
considera as condições muito rígidas e vem subindo o tom das críticas.
"Não é possível que haja uma carta adicional fazendo ameaças a parceiro
estratégico", repetiu Lula na França, no último dia 23.
Nesta
segunda (3), o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, afirmou que deve apresentar
a resposta à carta nos próximos dias. "Em alguns dias, pretendemos
apresentar para exame de todos uma contraproposta de reação à carta adicional
da União Europeia, com o intuito de destravar a negociação birregional",
discursou ele durante reunião de ministros do Mercosul em Puerto Iguazú, do
lado argentino das Cataratas do Iguaçu.
Outro
ponto do acordo que Lula tem insistido publicamente em rever são as compras
governamentais. Esse capítulo prevê "tratamento nacional" a
fornecedores estrangeiros contratados pelos Estados, mas também várias exceções
para proteger as empresas nacionais. Ainda assim, Lula e principalmente o
argentino Alberto Fernández veem prejuízos às suas indústrias.
O
país vizinho, que passará a presidência semestral do Mercosul a Lula nesta
terça (4), reforçou sua posição semelhante à do Brasil e defendeu uma
"atualização" do acordo que não implique na reabertura das
negociações. O chanceler argentino, Santiago Cafieiro, também criticou o texto
aprovado: "Colocar em funcionamento o acordo de 2019 é diminuir nossas
exportações atuais", disse.
• Queremos fazer política do ganha-ganha,
diz Lula sobre Mercosul e EU
No
dia em que assumiu a liderança temporária do Mercosul, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva disse nesta terça-feira (4) que os países que integram o bloco
buscam uma política de ganha-ganha com a União Europeia. Em seu programa
semanal Conversa com o presidente, Lula, que está em Puerto Iguazú, na
Argentina, voltou a classificar as exigências feitas por países europeus como
inaceitáveis.
“Estamos aqui para discutir o futuro do
Mercosul, o aprimoramento das relações entre Brasil, Argentina, Uruguai,
Paraguai e Bolívia. E nós queremos também preparar aqui a proposta de acordo
para a União Europeia. Eles fizeram uma proposta, fizemos uma resposta.
Mandaram uma carta para nós impondo algumas condições. Não aceitamos a carta.
Estamos, agora, preparando uma outra resposta”, afirmou.
Acrescentou
que “queremos fazer uma política de ganha-ganha. A gente não quer fazer uma
política em que eles ganham e a gente perca. Por exemplo: eles querem que a
gente abra mão de compras governamentais, ou seja, aquilo que o governo compra
das empresas brasileiras. Se a gente abrir mão das empresas brasileiras para
comprar de empresas estrangeiras a gente simplesmente vai matar pequenas e
médias empresas brasileiras, pequenos e médios empreendedores e vamos matar
muito emprego aqui no Brasil.”
Meio
ambiente
Durante
o programa, Lula comentou ainda as condições impostas pela União Europeia ao
Mercosul no que diz respeito a energias limpas. Na avaliação do presidente,
nenhum país tem autoridade moral para discutir com o Brasil sobre o tema.
“Obviamente que tivemos a grosseria de um governo que desrespeitava o
desmatamento, não respeitava terra indígena, florestas, reservas florestais.
Tudo isso acabou” disse o presidente.
Ele
assegurou que “agora vamos diminuir o desmatamento, respeitar os indígenas,
cuidar das nossas reservas florestais e respeitar terras quilombolas. Da sua
matriz energética, 87% da energia [elétrica] brasileira é renovável. O mundo só
tem 27%. Se você pegar a matriz energética como um todo, envolvendo
combustível, o Brasil tem 50% de energia limpa. O mundo tem 15%. O Brasil tem
muita autoridade moral para cuidar corretamente da preservação da nossa floresta.”
Desmatamento
zero
O
presidente Lula lembrou que o governo brasileiro assumiu o compromisso de
chegar ao desmatamento zero até 2030 e reforçou que a meta será cumprida.
“Queremos discutir um acordo, mas não queremos imposição para cima de nós. É um
acordo de companheiros, de parceiros estratégicos. Então, nada de um parceiro
estratégico colocar espada na cabeça do outro. Vamos sentar, vamos tirar nossas
diferenças e vamos ver o que é bom para os europeus, para os latino-americanos,
para o Mercosul e para o Brasil.”
“Para
todos eles, eu disse que a carta era inaceitável. Tal como ela foi escrita, ela
era inaceitável e é inaceitável. Você não pode imaginar que um parceiro
comercial seu pode impor condições. ‘Se você não fizer tal coisa, eu vou te
punir. Se você não cumprir o acordo de Paris, eu vou te punir.’ Acontece que os
países ricos não cumprem um dos acordos. Não cumpriram o Protocolo de Kyoto, as
decisões de Copenhague, do Rio 2002 e não vão cumprir o Acordo de Paris,”,
finalizou o presidente.
• Mercosul deve adiar reinserção da
Venezuela e acordo com EU
O
chanceler brasileiro, Mauro Vieira, defendeu ontem a ampliação do Mercosul
durante a abertura da cúpula do bloco em Puerto Iguazú, na Argentina. Vieira
citou alguns países como aspirantes à adesão, como a Bolívia, mas não mencionou
a Venezuela, que tenta retornar ao Mercosul com o apoio do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, que assume hoje a presidência do bloco pelos próximos
seis meses. Em agosto de 2017, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai reconheceram
a “ruptura da ordem democrática” e suspenderam formalmente a participação da
Venezuela no bloco, conforme previsto no Protocolo de Ushuaia. Também não deve
haver agora uma resposta comum à carta de compromissos ambientais proposta
pelos europeus no âmbito do acordo entre União Europeia e Mercosul.
Em
entrevista à Rádio Eldorado, o professor de Relações Internacionais no Ibmec
SP, Alexandre Pires, avaliou que a situação da Venezuela deve ser discutida em
outro momento porque a prioridade é a aproximação entre Uruguai e China, em
negociações bilaterais que preocupam os outros países do bloco. Ele também
apontou dificuldades para a solução do impasse na negociação do acordo
Mercosul-União Europeia.
Fonte:
FolhaPress/Agencia Brasil/Agencia Estado
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