sexta-feira, 30 de junho de 2023

Sobre o presente e o futuro do bolsonarismo

Desde meados de 2018, quando a corrida presidencial entrou em sua fase mais aguda, o termo “bolsonarismo” passou a fazer parte do vocabulário político brasileiro.

Vinculado, obviamente, à liderança carismática do então Deputado Federal e presidenciável Jair Bolsonaro, o bolsonarismo nasceu como fenômeno de massa de contestação ao establishment político.

Nesses cinco anos de existência, o bolsonarismo se tornou governo, foi derrotado em eleição e agora está na oposição, sendo, também, alvo da justiça. Ao que tudo indica, Bolsonaro será condenado à inelegibilidade no Tribunal Superior Eleitoral. Há quem diga que esse é apenas o início do trajeto que o conduzirá à prisão. A ver.

Neste texto, quero analisar o presente e as possibilidades de futuro que estão abertas ao bolsonarismo.

Primeiro, é necessário pensar com cuidado os significados da derrota eleitoral nas eleições presidenciais de 2022. Os 58 milhões de votos dados a Bolsonaro mostram que, mesmo após 4 anos de governo desastroso, o bolsonarismo ainda tem grande capital político. Mas o resultado das urnas evidencia, também, alguns de seus limites.

Explico.

Não é normal que o mandatário seja derrotado em sua tentativa de reeleição. No Brasil, por exemplo, isso só aconteceu uma vez, justamente com Bolsonaro.  Nos EUA, em mais de 200 anos de história, apenas 10 presidentes foram derrotados em suas tentativas de recondução ao cargo. No controle da máquina pública e do orçamento, o incumbente sempre sai na frente na disputa eleitoral.

Bolsonaro tentou de todas as formas comprar as eleições de 2022.  Segundo dados do Ministério da Fazenda, o governo Bolsonaro gastou cerca de 300 bilhões de reais para tentar vencer as eleições. A soma envolve a transferência direta de recursos aos beneficiários dos programas sociais e insenções de impostos para derrubar o preço dos combustíveis.

Foi a derrota mais cara da história!!

Porém, seria equivocado dizer que todo esse dinheiro deixou de surtir efeito. É perfeitamente possível imaginar que, não fosse tamanho esforço, Bolsonaro seria derrotado por margem maior de votos, quem sabem até mesmo no primeiro turno.

A derrota do Bolsonaro na tentativa de reeleição mostra que o bolsonarismo pode até ser habilidoso na agitação social, mas é muito fraco no governo efetivo.

Ainda não é possível saber o atual tamanho do bolsonarismo. O fracasso nas tentativas de Bolsonaro em organizar manifestações em seu apoio desde que voltou dos EUA (em março) indica que a adesão ideológica ao bolsonarismo é bem menor que os seus 58 milhões de eleitores.

Por outro lado, também é difícil imaginar que o bolsonarismo tenha se enfraquecido ao ponto de deixar de ser elemento importante no ecossistema político brasileiro.

Só será possível fazer diagnóstico mais preciso no ano que vem, depois das eleições municipais.

Fato é que o clima lavajatista que serviu como incubadora para o bolsonarismo arrefeceu. Fora do governo, sem a visibilidade do cargo e sem a infraestrutura necessária para a realização de marchas e motociatas e constantemente acuado pela justiça, o bolsonarismo encontra desafios inéditos em sua existência.

No congresso nacional, apesar de numerosa e barulhenta, a bancada bolsonarista se mostra incapaz de fazer oposição que efetivamente atrapalhe o governo. Inexperientes e sem conhecimento dos regimentos das casas legislativas, os parlamentes bolsonaristas se limitam a agitar suas bases nas mídias digitais, pregando para convertidos.

As dificultades que o governo Lula enfrenta no congresso não estão sendo impostas pelo bolsonarismo, mas sim pelo "centrão" liderado por Arthur Lira.

Quais as estratégias que o bolsonarismo precisará mobilizar para continuar sendo competitivo, tanto nas eleições como na imaginação política coletiva?

A mais urgente e difícil tarefa é escolher um herdeiro. Bolsonaro tem capacidade de afetar (no sentido freudiano do termo) setores numericamente relevantes da sociedade brasileira. Não há nenhum sucessor óbvio que reúna as características pessoais do ex-presidente.

Tarcísio de Freitas é um dos favoritos a herdar o espólio, mas nem de perto tem o carisma de Bolsonaro. E o próprio Tarcísio dá indícios de que não pretende repetir o erro de João Dória, se lançando precipitadamente na disputa presidencial sem concluir um ciclo sólido de governo em São Paulo.

Zema? Michele? Um dos filhos? Mourão? Sérgio Moro? Há muitas possibilidades e a disputa tende a ser dura.  O próprio Bolsonaro, por motivos óbvios, irá especular com o assunto, adiando a unção do escolhido. Quanto mais tempo demorar, mais relevância o ex-presidente terá no processo. Saber conduzir a escolha é fundamental para seu futuro político.

E ainda que existisse um herdeiro óbvio, sabemos que a transferência de capital político não é automática e que algo sempre se perde pelo meio do caminho. Basta lembrar o que aconteceu com Fernando Haddad nas eleições de 2018.

A segunda tarefa é se manter constantemente em destaque, sob os holofotes. A força do bolsonarismo está na sua capacidade em se apresentar como crítico do “sistema corrupto”.

Por isso, é importante ter muito cuidado com a repercussão do processo jurídico que tem Bolsonaro como réu. Não penso ser boa ideia a representação de Alexandre de Moares, ou de qualquer outro juiz, como antagonista de Bolsonaro. Também não acho ser adequado a organização de eventos de comemoração para o eventual dia da condenação, especialmente por parte de políticos profissionais do campo progressista.

O melhor a fazer é tratar o tema da forma mais fria e aparentemente despolitizada possível, como se fosse questão meramente administrativa. Afinal, Bolsonaro está acertando suas contas com a justiça, enquanto o governo Lula trabalha para melhorar a vida da população.

O bolsonarismo se alimenta da agitação, da fervura, da constante mobilização. É fundamental baixar a temperatura, desmobilizar as paixões e criar uma atmosfera de normalidade.

Importante, também, é não subestimar, novamente, o bolsonarismo. Até porque, político vivo não morre nunca. Alguns não morrem nem depois de mortos. Além disso, como sabemos bem, a política é, por excelência, o reino da imprevisibilidade e das reviravoltas.

 

       O vale-quanto-pesa de Bolsonaro no pós-TSE. Por Helena Chagas

 

O julgamento do TSE que deve condenar Jair Bolsonaro à inelegibilidade será um ato histórico, um legado a ensinar às novas gerações que atentar contra a democracia é crime. Na atual conjuntura, porém, virou um anticlímax, crônica de uma inelegibilidade anunciada que já transportou os interessados à etapa seguinte, a divisão do espólio de Bolsonaro. Divisão? Aí é que está. O ex-presidente e seus aliados do PL sabem que, para valer nas eleições que vêm por aí, a herança não pode se fragmentar entre diversas forças. A direita saiu da caixa de maldades aberta por Bolsonaro em sua eleição e é um dado concreto — mas vai precisar de novo pólo aglutinador.

Jair Bolsonaro não atraiu multidões em sua defesa, não mobilizou políticos importantes para protestar contra o TSE e sabe que são fingidos os gestos de solidariedade de boa parte dos aliados. Estão de olho no espólio, e a integridade do legado vai depender muito de sua capacidade de manter agregado aquele percentual de eleitores que, mostram as pesquisas, ainda está com ele para o que der e vier — algo em torno de 15% a 20%.

O bolsonarismo ainda tem uma fatia e tanto das preferências, mas seu líder vai entrar agora numa espécie de vale-quanto-pesa político: seu futuro está diretamente ligado à sua competência para manter seus seguidores juntos e animados. Daí a estratégia da vitimização do ex-presidente, já em curso, mas que deve ser potencializada a partir do fim do julgamento.

O problema é que, sozinho, um Bolsonaro não faz verão. Vai precisar de mídia, espaço nas redes, apoio político para que tenha visibilidade aonde chegar, país afora, com seu discurso de vítima do sistema. Mais do que nunca, vai precisar dos recursos financeiros do PL de Valdemar Costa Neto, de quem vai se tornar uma espécie de refém, a cada dia mais. 

Entre políticos ligados ao ex-presidente, inclusive Valdemar, há um discurso uníssono de que Bolsonaro será um grande cabo eleitoral em 2024 e em 2026. Com certeza, se mantidas as atuais condições temperatura e pressão e se, acima de tudo, a direita brasileira — radical e moderada — marchar unida. Isso inclui, além do bolsonarismo, seus filhotes mais promissores, como o governador Tarcísio de Freitas, e outros personagens, como o mineiro Romeu Zema, o gaúcho Eduardo Leite, o paranaense Ratinho e demais nomes. No plano partidário, manter juntos PL, PP, Republicanos, etc.

 

Fonte: Fórum

 

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