Por que a França é
chave para destravar acordo UE-Mercosul
Apesar
de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmar estar “doido” para finalizar
um acordo entre o Mercosul e a União Europeia, como declarou nesta sexta
(23/06) em Paris, a situação não é tão simples assim. Uma das maiores
dificuldades é convencer a França, país-chave nas atuais discussões para tentar
destravar a implementação do tratado de livre comércio entre os dois blocos, em
negociação há mais de duas décadas.
O
tema foi discutido em um almoço de trabalho nesta sexta no palácio presidencial
do Eliseu entre o líder francês, Emmanuel Macron, e o presidente Lula,
acompanhado de uma delegação integrada pelo ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, e pelo assessor especial da presidência Celso Amorim.
Um
acordo para a criação de uma área de livre comércio entre o Mercosul e a União
Europeia foi concluído em 2019, após 20 anos de negociações. Mas o texto ainda
não foi ratificado pelos parlamentos nacionais europeus nem assinado pelos
líderes do bloco.
Para
piorar a situação, alguns parlamentos, como o da França, em meados de junho,
vêm alertando seus governos que não votarão o texto em seu estado atual,
alegando preocupações em relação ao impacto ambiental e à concorrência dos
produtos agrícolas brasileiros. O parlamento europeu também aprovou no ano
passado uma lei que proíbe a importação no continente de produtos ligados ao
desmatamento.
Por
conta do aumento significativo do desmatamento na Amazônia durante a gestão do
ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), os europeus fizeram um adendo ao
compromisso firmado em 2019 com novas exigências na área ambiental, uma
iniciativa na época defendida pela França. O documento também introduz
penalidades para os países que não alcançarem as metas climáticas do Acordo de
Paris, de 2015.
O
governo brasileiro contesta com vêemencia essas novas exigências. “Os acordos
comerciais têm de ser mais justos. Estou doido para fazer um acordo com a União
Europeia, mas não é possível. A carta adicional que foi feita pela União
Europeia não permite que se faça um acordo. Nós vamos fazer uma resposta, mas é
preciso que a gente comece a discutir”, declarou Lula em uma mesa-redonda de
líderes coordenada por Macron no encerramento da reunião de cúpula que discutiu
uma nova arquitetura para o sistema financeiro mundial.
“Não
é possível que nós tenhamos uma parceria estratégica e haja uma carta adicional
fazendo uma ameaça a um parceiro estratégico”, ressaltou Lula, se referindo ao
adendo feito pela União Europeia. Na Itália, que visitou antes da chegada à
França, Lula também já havia criticado as novas exigências europeias.
O
governo brasileiro sabe que a França não é o único país onde agricultores,
ambientalistas e ONGs contestam a ratificação desse acordo, alegando, entre
diferentes fatores, problemas de uso de pesticidas no Brasil que são proibidos
na Europa, dumping e desequilíbrios entre os direitos trabalhistas dos dois
blocos.
“Muitos
países europeus se escondem atrás da França”, disse à BBC News Brasil um
diplomata brasileiro, se referindo a países como Polônia, Irlanda e Bélgica.
Mas
a França, por conta de seu peso econômico e político no bloco, é o interlocutor
de mais destaque nessas negociações. O governo brasileiro aposta que se
conseguir negociar com a França, outros países seguirão pelo mesmo trilho, diz
um outro diplomata brasileiro.
A
dificuldade é que na França a agricultura é um setor econômico bastante
defendido pela classe política. É algo ligado à tradição e à cultura francesa.
A tradicional visita de presidentes franceses ao salão da agricultura, uma das
maiores feiras do setor no continente, é um evento amplamente divulgado pela
imprensa do país.
Macron,
com problemas de popularidade e sem maioria absoluta no parlamento após ser
reeleito, sofre pressões não apenas dos agricultores, mas também de políticos ligados
à ecologia, além de ambientalistas. Em seu primeiro mandato, seu desempenho na
área do meio ambiente foi criticado por uma boa parte da sociedade civil.
O
presidente francês sabe que se defender publicamente a implementação desse
acordo no estado atual, sem novas garantias na área ambiental, ficará numa
situação complicada junto aos agricultores e parte da classe política.
Em
entrevista coletiva na manhã deste sábado, pouco antes de embarcar de volta ao
Brasil, Lula disse que diante das dificuldades que o presidente Macron enfrenta
no parlamento francês, por não dispor mais de maioria absoluta, “se pudermos
conversar com nossos amigos mais à esquerda para poder ajudar na aprovação do
acordo, nós vamos fazer”. Na sexta, Lula se reuniu com Jean-Luc Mélenchon,
líder da França Insubmissa, que comanda uma coalizão de partidos de esquerda no
parlamento e que inclui os ecologistas.
O
governo brasileiro espera que o acordo possa avançar com a presidência
espanhola da União Europeia, que se inicia em julho. A Espanha é considerada
mais favorável ao acordo comercial entre os dois blocos. Mas o problema de
conseguir o apoio da França permanece.
Lula
também disse neste sábado que uma carta-resposta aos europeus será discutida no
próximo encontro do Mercosul e deverá ser enviada à União Europeia antes da
próxima cúpula entre UE e a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e
Caribenhos (Celac), que começa em 17 de julho, na Bélgica.
"Nós
ficamos de responder à carta adicional que a União Europeia mandou e penso que
até o final do anos a gente terá uma decisão sobre o assunto. Espero que
tenhamos capacidade e sabedoria de fazer isso porque é importante para a União
Europeia e para o Mercosul. É importante para o encontro que vai ter agora em
julho da Celac', ressaltou Lula.
• O que é o acordo Mercosul-UE
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua comitiva permanecem pouco mais
de 24 horas em Madri, na Espanha, com um objetivo claro em mente: contar com o
lobby do governo espanhol para concluir, de uma vez por todas, o acordo
Mercosul-União Europeia.
Isso
porque, em julho, a Espanha assume a presidência do bloco comum europeu.
O
acordo, que o governo brasileiro já anunciou querer concluir até a metade deste
ano, foi assinado em 2019, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL), após 20 anos de negociações.
Apesar
disso, ainda está em fase de revisão entre os países dos dois blocos e há
divergências.
Entre
os entraves, está a questão ambiental, liderada pela França.
Os
franceses insistem que o tratado não deve ser implementado sem garantias
"sólidas" sobre o cumprimento do Acordo de Paris, o tratado mundial
sobre as mudanças climáticas.
Mas
nos bastidores fontes afirmam se tratar de uma desculpa para o protecionismo
agrícola — como o Brasil é grande produtor de alimentos agrícolas, produtores
franceses temem concorrência desfavorável em um cenário de eliminação de
tarifas.
Se
a isenção de tributos é, sem dúvida, um ponto de discórdia, também é o maior
benefício do acordo — quando entrar em vigor, será o maior tratado de livre
comércio do mundo, englobando 32 países, com 780 milhões de pessoas e um
Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços) combinado de US$ 20
trilhões (R$ 100 trilhões).
Para
entrar em vigor o acordo de livre comércio tem que ser ratificado por todos os
27 países membros da União Europeia.
Lula
falou sobre o acordo em encontro com empresários em Madri.
O
petista disse que "o Brasil e os outros países do Mercosul (Argentina,
Paraguai e Uruguai) estão engajados no diálogo para concluir as negociações com
a União Europeia e esperamos ter boas notícias ainda este ano. É um acordo
muito importante para todos e queremos que seja equilibrado e que contribua
para a industrialização do Brasil".
Protecionismo da UE travestido de
ambientalismo não interessa ao Brasil, diz analista
Presidente
Lula classificou as exigências ambientais europeias à assinatura do acordo com
Mercosul de "agressão". A Sputnik Brasil conversou com especialista
para saber quais exigências são essas e se o acordo com os europeus é, de fato,
neocolonial.
Nesta
sexta-feira (23), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que a União
Europeia (UE) ameaça o Brasil com suas exigências para a ratificação do acordo
comercial com o Mercosul.
As
declarações foram realizadas ao lado do presidente francês, Emmanuel Macron,
durante a Cúpula sobre Novo Pacto de Financiamento Global em Paris.
"Eu
estou doido para fazer um acordo com a União Europeia. Mas não é possível, a
carta adicional que foi feita pela União Europeia não permite que se faça um
acordo. Nós vamos fazer a resposta, e vamos mandar a resposta, mas é preciso
que a gente comece a discutir. Não é possível que nós temos uma parceira
estratégica, e haja uma carta adicional que faça ameaça a um parceiro
estratégico", afirmou o presidente.
Durante
sua fala, o presidente faz referência ao documento apresentado pela UE aos
países do Mercosul no início do ano, no qual o bloco europeu faz exigências
ambientais que extrapolam os acordos internacionais em vigor.
Para
o professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado
(FAAP), Vinícius Rodrigues Vieira, a indignação de Lula com o conteúdo da carta
europeia é justificada.
"O
Lula avaliou a carta da UE de maneira dura porque nela estão contidos
mecanismos protecionistas travestidos de preocupação ambiental", disse
Vieira à Sputnik Brasil. "O presidente tem uma alguma razão ao dizer que o
acordo é neocolonial, já que não coloca os dois lados em nível parelho."
Segundo
ele, o governo Lula estaria aberto a negociar condicionalidades ambientais para
selar o acordo com os europeus, "mas os termos de agora são tão duros que
permitem a aplicação de sanções econômicas contra o Brasil [...] no
futuro".
"Lula
já deixou muito clara a sua posição em relação às sanções: o Brasil não aceita
sanções que não sejam multilaterais, então colocar-se à mercê da UE, que, por
razões protecionistas atendem aos interesses de lobbies internos [....] seria
ir contra os princípios da política externa brasileira e contra os nossos
interesses", considerou Vieira.
A
carta europeia foi reforçada por decisão do Parlamento francês, que aprovou
resolução contra a ratificação do acordo com o Mercosul, no dia 13 de junho.
Ainda que não tenha poder de lei, a resolução dificulta o objetivo de Lula de encerrar
as negociações do acordo ainda este ano.
Para
o professor da FAAP, "faz parte do processo negociador puxar as posições
para níveis extremos, a fim de conduzir uma barganha".
"Mas
vejo a França e o Macron em um beco sem saída. Macron já queimou muito capital
político aprovando a reforma da Previdência goela abaixo dos franceses ",
considerou Vieira. "Agora ele tem pouca margem de manobra para atuar em
outros temas polêmicos, como a liberalização do mercado agrícola [para o
Mercosul]."
As
limitações de Macron impedem que objetivos ambiciosos possam ser atingidos
durante a visita da Lula à França. Por outro lado, a "diplomacia francesa
tem interesse em manter o Brasil em sua órbita" e, por isso, faz
exercícios de boa vontade durante a recepção do presidente brasileiro em Paris.
"A
viagem se insere no contexto de reinserir o Brasil na agenda internacional, em
particular nos debates ambientais, e de atender o interesse pessoal de Lula de
ampliar a sua projeção", concluiu Vieira.
O
empenho de Lula na agenda externa foi demonstrado pela decisão do presidente de
estender sua estadia na França para incluir novos encontros bilaterais em sua
agenda. Nesta sexta-feira (23), o presidente se reunirá com o presidente da
República do Congo, Denis Sassou-Nguesso, e jantará com o príncipe herdeiro da
Arábia Saudita, Mohammed bin Salman.
Lula 'está doido' pelo acordo
UE-Mercosul, mas exigências impostas pelo bloco são 'ameaça' ao Brasil
O
presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, disse nesta sexta-feira (23)
que a última proposta da União Europeia (UE) para um acordo comercial com o
bloco sul-americano Mercosul tornou impossível chegar a um acordo, pois incluía
uma "ameaça" ao Brasil.
O
líder brasileiro estava se referindo à adenda da UE ao acordo anexando compromissos
de sustentabilidade e mudança climática e introduzindo sanções para as nações
que não cumprem os objetivos climáticos descritos no Acordo de Paris de 2015.
"Eu
estou doido para fazer um acordo com a União Europeia. Mas não é possível, a
carta adicional que foi feita pela UE não permite que se faça um acordo",
afirmou Lula no evento em Paris nesta sexta-feira.
"Não
é possível, que nós temos uma parceira estratégica, e haja uma carta adicional
que faça ameaça a um parceiro estratégico [o Brasil]", acrescentou.
O
presidente brasileiro ainda criticou o funcionamento de instituições como a
Organização das Nações Unidas (ONU), Fundo Monetário Internacional e Banco
Mundial que, segundo ele, não representam hoje a mesma realidade de quando
foram criadas, no passado.
Além
disso, na opinião dele, os dois últimos órgãos deixam "muito a desejar
naquilo que o mundo aspira" deles.
"Não
podemos deixar as instituições funcionando de maneira equivocada. A ONU precisa
voltar a ter representatividade, ter força política", enfatizou líder
brasileiro.
Lula critica abandono global ao Haiti e
quer apoio da esquerda francesa ao acordo UE-Mercosul
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) espera contar com o apoio da esquerda
francesa para tirar do papel, após mais de 20 anos, o acordo do Mercosul com a
União Europeia. Antes de embarcar de volta ao Brasil, neste sábado (24), Lula
fez um balanço da viagem à Paris, onde participou da Cúpula do Novo Pacto
Financeiro e de uma série de atividades com líderes mundiais.
Lula
falou da dificuldade enfrentada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, no
Congresso para celebrar o acordo de livre comércio e afirmou que vai articular
o apoio. "Se a gente puder conversar com nossos amigos mais à esquerda
para que seja aprovado o acordo do Mercosul, nós vamos fazer. Pra ver se a
gente consegue convencer as pessoas da importância (do acordo)".
Para
o presidente brasileiro é 'normal' que a França tente defender sua agricultura,
mas é normal que eles também compreendam que o Brasil não pode abrir mão das
compras governamentais, o que poderá zerar as possibilidades de fortalecimento
da indústria nacional.
"Não
é o protecionismo que vai ajudar. Quanto mais livre for o comércio entre nós,
desde que cada um garanta aquilo que é considerado essencial ... a gente pode
não fazer acordo com eles, mas vamos melhorar outras coisas. Eu acredito na
capacidade de negociação. Nós precisamos fazer o acordo com a União Europeia e
a UE precisa fazer o acordo com o Mercosul".
Lula
destacou que é necessário deixar a arrogância de lado e adotar o bom senso para
negociar.
Também
fez duras críticas ao abandono global ao Haiti ao comentar a ausência do
processo eleitoral no país, a invasão das gangues que impedem a atuação do
governo, deixando o país 'abandonado à própria sorte'.
"Eu
pretendo levar essa discussão do Haiti para o G-20, pretendo levar para os
Brics. Esse país paga o preço de ser o primeiro (país) a conquistar a
independência, o primeiro país onde os negros se libertaram, mas o Haiti não
consegue andar".
Fonte:
BBC News Brasil/Sputnik Brasil/FolhaPress
Nenhum comentário:
Postar um comentário