domingo, 25 de junho de 2023

Por que a França é chave para destravar acordo UE-Mercosul

Apesar de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmar estar “doido” para finalizar um acordo entre o Mercosul e a União Europeia, como declarou nesta sexta (23/06) em Paris, a situação não é tão simples assim. Uma das maiores dificuldades é convencer a França, país-chave nas atuais discussões para tentar destravar a implementação do tratado de livre comércio entre os dois blocos, em negociação há mais de duas décadas.

O tema foi discutido em um almoço de trabalho nesta sexta no palácio presidencial do Eliseu entre o líder francês, Emmanuel Macron, e o presidente Lula, acompanhado de uma delegação integrada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pelo assessor especial da presidência Celso Amorim.

Um acordo para a criação de uma área de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia foi concluído em 2019, após 20 anos de negociações. Mas o texto ainda não foi ratificado pelos parlamentos nacionais europeus nem assinado pelos líderes do bloco.

Para piorar a situação, alguns parlamentos, como o da França, em meados de junho, vêm alertando seus governos que não votarão o texto em seu estado atual, alegando preocupações em relação ao impacto ambiental e à concorrência dos produtos agrícolas brasileiros. O parlamento europeu também aprovou no ano passado uma lei que proíbe a importação no continente de produtos ligados ao desmatamento.

Por conta do aumento significativo do desmatamento na Amazônia durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), os europeus fizeram um adendo ao compromisso firmado em 2019 com novas exigências na área ambiental, uma iniciativa na época defendida pela França. O documento também introduz penalidades para os países que não alcançarem as metas climáticas do Acordo de Paris, de 2015.

O governo brasileiro contesta com vêemencia essas novas exigências. “Os acordos comerciais têm de ser mais justos. Estou doido para fazer um acordo com a União Europeia, mas não é possível. A carta adicional que foi feita pela União Europeia não permite que se faça um acordo. Nós vamos fazer uma resposta, mas é preciso que a gente comece a discutir”, declarou Lula em uma mesa-redonda de líderes coordenada por Macron no encerramento da reunião de cúpula que discutiu uma nova arquitetura para o sistema financeiro mundial.

“Não é possível que nós tenhamos uma parceria estratégica e haja uma carta adicional fazendo uma ameaça a um parceiro estratégico”, ressaltou Lula, se referindo ao adendo feito pela União Europeia. Na Itália, que visitou antes da chegada à França, Lula também já havia criticado as novas exigências europeias.

O governo brasileiro sabe que a França não é o único país onde agricultores, ambientalistas e ONGs contestam a ratificação desse acordo, alegando, entre diferentes fatores, problemas de uso de pesticidas no Brasil que são proibidos na Europa, dumping e desequilíbrios entre os direitos trabalhistas dos dois blocos.

“Muitos países europeus se escondem atrás da França”, disse à BBC News Brasil um diplomata brasileiro, se referindo a países como Polônia, Irlanda e Bélgica.

Mas a França, por conta de seu peso econômico e político no bloco, é o interlocutor de mais destaque nessas negociações. O governo brasileiro aposta que se conseguir negociar com a França, outros países seguirão pelo mesmo trilho, diz um outro diplomata brasileiro.

A dificuldade é que na França a agricultura é um setor econômico bastante defendido pela classe política. É algo ligado à tradição e à cultura francesa. A tradicional visita de presidentes franceses ao salão da agricultura, uma das maiores feiras do setor no continente, é um evento amplamente divulgado pela imprensa do país.

Macron, com problemas de popularidade e sem maioria absoluta no parlamento após ser reeleito, sofre pressões não apenas dos agricultores, mas também de políticos ligados à ecologia, além de ambientalistas. Em seu primeiro mandato, seu desempenho na área do meio ambiente foi criticado por uma boa parte da sociedade civil.

O presidente francês sabe que se defender publicamente a implementação desse acordo no estado atual, sem novas garantias na área ambiental, ficará numa situação complicada junto aos agricultores e parte da classe política.

Em entrevista coletiva na manhã deste sábado, pouco antes de embarcar de volta ao Brasil, Lula disse que diante das dificuldades que o presidente Macron enfrenta no parlamento francês, por não dispor mais de maioria absoluta, “se pudermos conversar com nossos amigos mais à esquerda para poder ajudar na aprovação do acordo, nós vamos fazer”. Na sexta, Lula se reuniu com Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa, que comanda uma coalizão de partidos de esquerda no parlamento e que inclui os ecologistas.

O governo brasileiro espera que o acordo possa avançar com a presidência espanhola da União Europeia, que se inicia em julho. A Espanha é considerada mais favorável ao acordo comercial entre os dois blocos. Mas o problema de conseguir o apoio da França permanece.

Lula também disse neste sábado que uma carta-resposta aos europeus será discutida no próximo encontro do Mercosul e deverá ser enviada à União Europeia antes da próxima cúpula entre UE e a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que começa em 17 de julho, na Bélgica.

"Nós ficamos de responder à carta adicional que a União Europeia mandou e penso que até o final do anos a gente terá uma decisão sobre o assunto. Espero que tenhamos capacidade e sabedoria de fazer isso porque é importante para a União Europeia e para o Mercosul. É importante para o encontro que vai ter agora em julho da Celac', ressaltou Lula.

•        O que é o acordo Mercosul-UE

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e sua comitiva permanecem pouco mais de 24 horas em Madri, na Espanha, com um objetivo claro em mente: contar com o lobby do governo espanhol para concluir, de uma vez por todas, o acordo Mercosul-União Europeia.

Isso porque, em julho, a Espanha assume a presidência do bloco comum europeu.

O acordo, que o governo brasileiro já anunciou querer concluir até a metade deste ano, foi assinado em 2019, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), após 20 anos de negociações.

Apesar disso, ainda está em fase de revisão entre os países dos dois blocos e há divergências.

Entre os entraves, está a questão ambiental, liderada pela França.

Os franceses insistem que o tratado não deve ser implementado sem garantias "sólidas" sobre o cumprimento do Acordo de Paris, o tratado mundial sobre as mudanças climáticas.

Mas nos bastidores fontes afirmam se tratar de uma desculpa para o protecionismo agrícola — como o Brasil é grande produtor de alimentos agrícolas, produtores franceses temem concorrência desfavorável em um cenário de eliminação de tarifas.

Se a isenção de tributos é, sem dúvida, um ponto de discórdia, também é o maior benefício do acordo — quando entrar em vigor, será o maior tratado de livre comércio do mundo, englobando 32 países, com 780 milhões de pessoas e um Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços) combinado de US$ 20 trilhões (R$ 100 trilhões).

Para entrar em vigor o acordo de livre comércio tem que ser ratificado por todos os 27 países membros da União Europeia.

Lula falou sobre o acordo em encontro com empresários em Madri.

O petista disse que "o Brasil e os outros países do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai) estão engajados no diálogo para concluir as negociações com a União Europeia e esperamos ter boas notícias ainda este ano. É um acordo muito importante para todos e queremos que seja equilibrado e que contribua para a industrialização do Brasil".

 

       Protecionismo da UE travestido de ambientalismo não interessa ao Brasil, diz analista

 

Presidente Lula classificou as exigências ambientais europeias à assinatura do acordo com Mercosul de "agressão". A Sputnik Brasil conversou com especialista para saber quais exigências são essas e se o acordo com os europeus é, de fato, neocolonial.

Nesta sexta-feira (23), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou que a União Europeia (UE) ameaça o Brasil com suas exigências para a ratificação do acordo comercial com o Mercosul.

As declarações foram realizadas ao lado do presidente francês, Emmanuel Macron, durante a Cúpula sobre Novo Pacto de Financiamento Global em Paris.

"Eu estou doido para fazer um acordo com a União Europeia. Mas não é possível, a carta adicional que foi feita pela União Europeia não permite que se faça um acordo. Nós vamos fazer a resposta, e vamos mandar a resposta, mas é preciso que a gente comece a discutir. Não é possível que nós temos uma parceira estratégica, e haja uma carta adicional que faça ameaça a um parceiro estratégico", afirmou o presidente.

Durante sua fala, o presidente faz referência ao documento apresentado pela UE aos países do Mercosul no início do ano, no qual o bloco europeu faz exigências ambientais que extrapolam os acordos internacionais em vigor.

Para o professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), Vinícius Rodrigues Vieira, a indignação de Lula com o conteúdo da carta europeia é justificada.

"O Lula avaliou a carta da UE de maneira dura porque nela estão contidos mecanismos protecionistas travestidos de preocupação ambiental", disse Vieira à Sputnik Brasil. "O presidente tem uma alguma razão ao dizer que o acordo é neocolonial, já que não coloca os dois lados em nível parelho."

Segundo ele, o governo Lula estaria aberto a negociar condicionalidades ambientais para selar o acordo com os europeus, "mas os termos de agora são tão duros que permitem a aplicação de sanções econômicas contra o Brasil [...] no futuro".

"Lula já deixou muito clara a sua posição em relação às sanções: o Brasil não aceita sanções que não sejam multilaterais, então colocar-se à mercê da UE, que, por razões protecionistas atendem aos interesses de lobbies internos [....] seria ir contra os princípios da política externa brasileira e contra os nossos interesses", considerou Vieira.

A carta europeia foi reforçada por decisão do Parlamento francês, que aprovou resolução contra a ratificação do acordo com o Mercosul, no dia 13 de junho. Ainda que não tenha poder de lei, a resolução dificulta o objetivo de Lula de encerrar as negociações do acordo ainda este ano.

Para o professor da FAAP, "faz parte do processo negociador puxar as posições para níveis extremos, a fim de conduzir uma barganha".

"Mas vejo a França e o Macron em um beco sem saída. Macron já queimou muito capital político aprovando a reforma da Previdência goela abaixo dos franceses ", considerou Vieira. "Agora ele tem pouca margem de manobra para atuar em outros temas polêmicos, como a liberalização do mercado agrícola [para o Mercosul]."

As limitações de Macron impedem que objetivos ambiciosos possam ser atingidos durante a visita da Lula à França. Por outro lado, a "diplomacia francesa tem interesse em manter o Brasil em sua órbita" e, por isso, faz exercícios de boa vontade durante a recepção do presidente brasileiro em Paris.

"A viagem se insere no contexto de reinserir o Brasil na agenda internacional, em particular nos debates ambientais, e de atender o interesse pessoal de Lula de ampliar a sua projeção", concluiu Vieira.

O empenho de Lula na agenda externa foi demonstrado pela decisão do presidente de estender sua estadia na França para incluir novos encontros bilaterais em sua agenda. Nesta sexta-feira (23), o presidente se reunirá com o presidente da República do Congo, Denis Sassou-Nguesso, e jantará com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman.

 

       Lula 'está doido' pelo acordo UE-Mercosul, mas exigências impostas pelo bloco são 'ameaça' ao Brasil

 

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, disse nesta sexta-feira (23) que a última proposta da União Europeia (UE) para um acordo comercial com o bloco sul-americano Mercosul tornou impossível chegar a um acordo, pois incluía uma "ameaça" ao Brasil.

O líder brasileiro estava se referindo à adenda da UE ao acordo anexando compromissos de sustentabilidade e mudança climática e introduzindo sanções para as nações que não cumprem os objetivos climáticos descritos no Acordo de Paris de 2015.

"Eu estou doido para fazer um acordo com a União Europeia. Mas não é possível, a carta adicional que foi feita pela UE não permite que se faça um acordo", afirmou Lula no evento em Paris nesta sexta-feira.

"Não é possível, que nós temos uma parceira estratégica, e haja uma carta adicional que faça ameaça a um parceiro estratégico [o Brasil]", acrescentou.

O presidente brasileiro ainda criticou o funcionamento de instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU), Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial que, segundo ele, não representam hoje a mesma realidade de quando foram criadas, no passado.

Além disso, na opinião dele, os dois últimos órgãos deixam "muito a desejar naquilo que o mundo aspira" deles.

"Não podemos deixar as instituições funcionando de maneira equivocada. A ONU precisa voltar a ter representatividade, ter força política", enfatizou líder brasileiro.

 

       Lula critica abandono global ao Haiti e quer apoio da esquerda francesa ao acordo UE-Mercosul

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) espera contar com o apoio da esquerda francesa para tirar do papel, após mais de 20 anos, o acordo do Mercosul com a União Europeia. Antes de embarcar de volta ao Brasil, neste sábado (24), Lula fez um balanço da viagem à Paris, onde participou da Cúpula do Novo Pacto Financeiro e de uma série de atividades com líderes mundiais.

Lula falou da dificuldade enfrentada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, no Congresso para celebrar o acordo de livre comércio e afirmou que vai articular o apoio. "Se a gente puder conversar com nossos amigos mais à esquerda para que seja aprovado o acordo do Mercosul, nós vamos fazer. Pra ver se a gente consegue convencer as pessoas da importância (do acordo)".

Para o presidente brasileiro é 'normal' que a França tente defender sua agricultura, mas é normal que eles também compreendam que o Brasil não pode abrir mão das compras governamentais, o que poderá zerar as possibilidades de fortalecimento da indústria nacional.

"Não é o protecionismo que vai ajudar. Quanto mais livre for o comércio entre nós, desde que cada um garanta aquilo que é considerado essencial ... a gente pode não fazer acordo com eles, mas vamos melhorar outras coisas. Eu acredito na capacidade de negociação. Nós precisamos fazer o acordo com a União Europeia e a UE precisa fazer o acordo com o Mercosul".

Lula destacou que é necessário deixar a arrogância de lado e adotar o bom senso para negociar.

Também fez duras críticas ao abandono global ao Haiti ao comentar a ausência do processo eleitoral no país, a invasão das gangues que impedem a atuação do governo, deixando o país 'abandonado à própria sorte'.

"Eu pretendo levar essa discussão do Haiti para o G-20, pretendo levar para os Brics. Esse país paga o preço de ser o primeiro (país) a conquistar a independência, o primeiro país onde os negros se libertaram, mas o Haiti não consegue andar".

 

Fonte: BBC News Brasil/Sputnik Brasil/FolhaPress

 

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