quarta-feira, 28 de junho de 2023

Motim na Rússia: a reação de mercenários do grupo Wagner a acordo com Putin

Yevgeny Prigozhin se gaba de ter a lealdade de todos os 25 mil membros de seu exército mercenário. Mas há sinais de que essa lealdade pode ter mudado tão subitamente quanto o breve motim do grupo Wagner.

Em mensagens na internet analisadas pela BBC, soldados do grupo Wagner se enfureceram contra a decisão de Prigozhin de interromper sua dramática marcha sobre Moscou e se retirar da cidade capturada de Rostov.

"O desperdício de espaço destruiu Wagner PMC (sigla em inglês para "empresa militar privada") com suas próprias mãos. E ferrou todos que pôde", escreveu um homem que afirma ser soldado do Wagner em um canal do Telegram com 200 mil seguidores.

"Foi outra revolta sem sentido", disse ele.

O Telegram é a plataforma de mídia social preferida dos soldados do Wagner e dos círculos pró-guerra na Rússia, permitindo a comunicação muitas vezes anônima com milhares de seguidores ao mesmo tempo.

Foi no Telegram que Prigozhin anunciou sua chamada "Marcha da Justiça" contra o regime russo no fim de semana.

Mas agora a plataforma se tornou o lugar onde muitos se voltaram contra ele.

Mark Krutov, jornalista do Serviço Russo do jornal RFE/RL, tem acesso aos grupos de chat do Telegram usados por parentes dos soldados do Wagner. Ele compartilhou algumas das mensagens dos grupos com a BBC.

"Eles foram simplesmente traídos", escreveu uma mulher. "Eu confiei em Prigozhin, mas o que ele fez é desonroso."

"Ele não deveria ter feito isso. Isso é pura traição", concordou outro usuário.

Prigozhin foi por muito tempo apoiado por uma rede de influenciadores pró-Wagner. Durante meses, eles defenderam suas ações e atacaram seus oponentes no Ministério da Defesa — particularmente seu inimigo declarado, o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu.

Mas quando o motim de Wagner estava se desenvolvendo, a reação dos influenciadores foi surpreendentemente silenciosa.

Dois dos maiores grupos, Gray Zone e Reverse Side of the Medal — com quase 900 mil seguidores entre eles — não endossaram as ações de Prigozhin. Em vez disso, os usuários no grupo buscaram um meio-termo razoavelmente neutro ao culpar o ministro da Defesa da Rússia e seus partidários pelo derramamento de sangue.

Outros defenderam teorias da conspiração.

Wagner PMC Briefs é um canal que Prigozhin confirmou como sendo oficial do Wagner e é dirigido por seus soldados. Ele observou que quando o presidente russo, Vladimir Putin, denunciou o motim, ele não mencionou o nome de ninguém.

"[Putin] não deu nome aos 'amotinados e traidores'. Talvez tenha sido para deixar Prigozhin restaurar a justiça e punir os culpados de traição real que resultou no fracasso [da invasão da Ucrânia pela Rússia]?"

A teoria de que Putin e Prigozhin conspiraram para encenar uma tentativa de golpe a fim de "testar a lealdade das elites russas" rapidamente ganhou força nas redes sociais.

"Meninas, pensei que talvez isso tudo tivesse sido orquestrado para remover Shoigu, mas através de Prigozhin, para que Putin não precisasse ele mesmo fazer isso?", escreveu uma mulher no chat dos familiares de soldados do Wagner.

Volodymyr Fesenko, chefe do Centro Penta de Pesquisa Política Aplicada em Kiev, discorda.

"Se isso tudo foi encenado, foi para quê? Para que todos pudessem ver o quão fraco Putin é?", disse. "O que aconteceu foi uma humilhação pública de Putin. E Prigozhin? Ele perdeu parcialmente sua reputação: costumava demonstrar poder e simplesmente recuou."

Mas o último comentário público de Prigozhin no dia do motim, filmado depois que ele concordou em recuar, continua fomentando especulações online.

"Tivemos um bom resultado hoje", disse ele. "Deixou todo mundo animado."

·         Rússia diz que retirou acusações contra Grupo Wagner por tentativa de insurreição armada

O Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB, na sigla em inglês) disse nesta terça-feira (27) que desistiu do caso contra o grupo paramilitar Wagner, depois que seus combatentes realizaram uma tentativa de rebelião que ameaçou o controle do presidente Vladimir Putin no poder no último sábado.

“O caso da insurreição armada foi arquivado em 27 de junho, disse o FSB”, informou a mídia estatal RIA Novosti.

 “Durante a investigação do caso da rebelião, foi apurado que seus participantes cessaram suas ações com o objetivo direto de cometer um crime, o caso foi arquivado”, disse a assessoria de imprensa do FSB em comunicado nesta terça-feira.

A declaração não mencionou o nome do líder do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin.

Wagner também entregará seu equipamento militar pesado para unidades ativas das forças armadas russas, disse o Ministério da Defesa da Rússia nesta terça-feira, de acordo com a RIA Novosti.

Na segunda-feira, o líder do Wagner, Yevgeny Prigozhin, afirmou que o grupo mercenário deveria deixar suas posições em 30 de junho e entregar equipamentos ao Distrito Militar do Sul em Rostov, na Rússia.

No entanto, ele afirmou que as tropas de Moscou atacaram as forças de Wagner na sexta-feira, dias antes da entrega.

 

Ø  Quais os possíveis impactos do motim do Grupo Wagner na guerra entre Rússia e Ucrânia

 

Um duro episódio que se tornou o pior dia para Vladimir Putin na presidência e que beneficiou a Ucrânia, define o pesquisador James Nixey sobre o conflito entre autoridades russas e o grupo mercenário Wagner.

Desde o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, o Grupo Wagner teve papel fundamental para os russos. Trata-se de um exército privado de mercenários que, acredita-se, tenha defendido os interesses russos na Síria e na Líbia, assim como no Sudão ou na República Centro-africana.

Mas o conflito dos últimos dias colocou em xeque a aliança entre as tropas russas e o grupo de mercenários.

Putin classificou a ação dos últimos dias como uma "fuga criminosa" e um "motim armado". Já Yevgeny Prigozhin, líder do grupo Wagner, definiu o ato contra autoridades russas como uma "marcha da Justiça".

Independentemente da forma como for chamado, o fato é que o chefe do grupo Wagner fez tudo para tentar derrubar a liderança militar da Rússia.

A ação vinha se desenhando há algum tempo. Durante meses, houve disputas internas muito públicas entre o grupo Wagner e o ministério da defesa da Rússia sobre como a guerra na Ucrânia foi travada.

Prigozhin repetidamente acusou o ministério de não fornecer munição suficiente ao grupo mercenário (e de fazer isso de propósito).

Prigozhin afirma que o ministério da defesa realizou um ataque com mísseis na sexta-feira em um acampamento base do grupo Wagner. As autoridades russas negam e chamam essa história de "uma provocação de informação".

Em meio ao conflito interno, as tropas mercenárias tomaram o controle da cidade russa de Rostov e seguiam em direção a Moscou. Mas neste sábado (24/06) houve um acordo intermediado pelo presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, e o grupo Wagner suspendeu as ações contra a Rússia.

Mas ainda que o conflito tenha sido amenizado, há dúvidas sobre a consequência que terá na guerra entre Rússia e Ucrânia.

·         Os impactos na guerra

Na manhã deste sábado, após o início do conflito com os mercenários, Putin fez um discurso repleto de referências à "traição" e à Rússia ter sido "esfaqueada pelas costas".

Ele prometeu uma "resposta dura". E quase certamente contou com o apoio de comandantes russos de alto escalão – alguns condenaram publicamente as ações do grupo de mercenários.

Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, se manifestou na manhã de sábado sobre o caso. Ele afirmou que “a fraqueza da Rússia é óbvia” e disse que "quanto mais Moscou mantiver suas tropas e mercenários na Ucrânia, mais caos atrairá para casa."

"E quanto mais a Rússia mantiver suas tropas e mercenários em nossa terra, mais caos, dor e problemas ela terá para si mesma mais tarde", escreveu Zelensky.

Na noite deste sábado, após o recuo do Wagner, o Kremlin afirmou que a rebelião do grupo de mercenários não afetará a ofensiva militar da Rússia na Ucrânia.

Dmitry Peskov, secretário de imprensa do presidente Putin, disse que está "fora de questão" que a rebelião do grupo mercenário impactará a campanha da Rússia contra Kiev.

Mas especialistas avaliam que a revolta deve impactar negativamente a Rússia e beneficiar a Ucrânia.

Chefe do programa Rússia-Eurásia do Chatham House, um instituto de políticas públicas do Reino Unido, James Nixey afirma que a Ucrânia deve lucrar com o conflito entre Rússia e os mercenários.

Nixey disse à BBC que a Ucrânia provavelmente continuará a “alfinetar a Rússia” para tentar criar outras implosões dentro do país.

Nixey afirmou que este sábado se tornou o pior dia para Vladimir Putin em todos os seus anos de presidência.

"Ele está perdendo essa guerra [na Ucrânia]", disse o especialista.

"Isso não quer dizer que a Ucrânia está achando muito fácil vencer... mas isso não é o que Vladimir Putin esperava até agora em sua presidência”, acrescentou.

De acordo com a mídia estatal russa, o líder do Wagner deixou a Rússia e seguiu para Belarus. E todas as acusações contra ele e seu grupo serão retiradas pelas autoridades para evitar "derramamento de sangue".

Para tentar amenizar a situação, autoridades russas ofereceram cargos militares a combatentes do Wagner.

·         O futuro do grupo mercenário

Correspondente de segurança da BBC News, Frank Gardner acredita que Prigozhin ouviu afirmações como “você está sozinho e ninguém veio apoiá-lo e se continuar nisso, é claro, muito sangue vai ser derramado”, antes de recuar em Moscou.

Mas o que acontece com o Wagner após os últimos dias?

“Eles têm sido uma ferramenta útil para o Kremlin nos últimos oito anos, promovendo seus interesses do Mali à Ucrânia com pouca consideração pelos direitos humanos”, pontuou Gardner.

Não é possível cravar uma resposta sobre como será o cenário da guerra sem o Wagner ao lado da Rússia, mas Gardner frisa que é difícil que Putin possa confiar novamente em seu ex-protegido Prigozhin.

“Ele (Putin) o acusou de traição e as forças de segurança do FSB o consideram um criminoso”, disse Gardner.

“Portanto, espere expurgos e possivelmente alguma reorganização no ministério da defesa. E, enquanto isso, a guerra na Ucrânia provavelmente continuará inabalável. Para as tropas ucranianas pressionadas na linha de frente, o intervalo acabou”, acrescentou o especialista em segurança.

O pesquisador Andrew D'Anieri, do centro de estudos americano Atlantic Council, pontuou que a mudança de Prigozhin para Belarus e os combatentes do grupo Wagner sendo absorvidos pelas forças armadas russas podem significar o fim da notória unidade de mercenários.

Mas ele também pontuou que a retirada do Wagner não representa que todas as empresas militares privadas na Rússia que estão atuando na guerra também irão acabar.

"Embora sejam tecnicamente ilegais na Rússia, vimos uma proliferação delas nos últimos 12 meses”, apontou D'Anieri.

Ele considera que a revolta do grupo de mercenários deixou claro “como é pequeno o círculo de tomada de decisões em Moscou” e como a autoridade de Putin é frágil.

E D'Anieri avalia que é difícil traçar exatamente um possível cenário que a guerra terá a partir de agora, em razão da natureza pouco clara das informações vindas da Rússia.

 

Ø  EUA mantinham informações sobre plano de rebelião do Grupo Wagner, mas mantiveram segredo, dizem fontes

 

Funcionários da inteligência dos EUA conseguiram reunir uma imagem extremamente detalhada e precisa dos planos do chefe do Grupo WagnerYevgeny Prigozhin, que levaram à sua rebelião de curta duração, incluindo onde e como Wagner planejava avançar, disseram fontes familiarizadas com o assunto à CNN.

Mas a inteligência era tão confidencial que era compartilhada apenas com aliados selecionados, incluindo altos funcionários britânicos, e não no nível mais amplo da Otan, disseram fontes à CNN.

Não ficou claro exatamente quando Prigozhin agiria, segundo as informações. Mas ele parece ter decidido seguir em frente com seu plano após uma declaração de 10 de junho do Ministério da Defesa da Rússia de que todas as empresas militares privadas, incluindo Wagner, seriam forçadas a assinar contratos com as forças armadas da Rússia a partir de julho e essencialmente absorvidas.

A inteligência era tão secreta que, dentro dos Estados Unidos, foi informada apenas aos funcionários mais escalados do governo, bem como aos membros da “Gangue dos Oito” do Congresso, que têm acesso aos assuntos de inteligência mais sensíveis.

O sigilo em torno da inteligência foi o motivo pelo qual alguns altos funcionários europeus e até altos funcionários do governo dos EUA foram pegos de surpresa pelo ataque de Prigozhin na sexta-feira (23) e pela velocidade com que as forças de Wagner marcharam para Rostov-on-Don e subiram em direção a Moscou na manhã de sábado, disseram as fontes.

Alguns funcionários da Otan expressaram frustração pelo fato de a inteligência não ter sido compartilhada. Mas fazer isso arriscaria comprometer fontes e métodos extremamente sensíveis, explicaram as fontes.

As autoridades ucranianas também não foram informadas sobre a inteligência com antecedência, disseram as autoridades, principalmente devido ao temor de que as conversas entre autoridades americanas e ucranianas pudessem ser interceptadas por adversários.

Joe Biden passou os dias após o fracasso da rebelião conversando com aliados, incluindo os líderes da França, Alemanha, Reino Unido e Canadá, bem como o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.

Durante essas conversas, ele compartilhou as informações que os EUA tinham sobre a rebelião, segundo as autoridades, a fim de garantir que os líderes tivessem uma melhor compreensão do que era conhecido pela inteligência dos EUA

 

Fonte: BBC News Brasil/CNN Brasil

 

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