quinta-feira, 29 de junho de 2023

Índice Global da Paz aponta aumento de mortes em conflitos

O século 21 nunca registrou tantas mortes em conflitos como agora, apontou o novo Índice Global da Paz (IGP), contabilizando mais de 238 mil pessoas vítimas só no ano passado. E a Ucrânia, que há mais de ano tenta se defender da agressão russa, não foi sequer o conflito mais sangrento do mundo.

Desde o início do século 21, a humanidade nunca pagou tão caro pela guerra: em comparação com o ano anterior, o número de mortes em conflitos quase dobrou em 2022. A guerra também provocou uma perda de 13% do PIB global, segundo o IGP, divulgado nesta quarta-feira (28/06) pelo Instituto para Economia e Paz (IEP).

O enorme levantamento do think tank mundial disse que o nível médio de "pacificação global" caiu pelo nono ano consecutivo, com as mortes em conflitos superando o pico anterior alcançado em 2014 com a guerra civil na Síria.

O aumento dramático nas taxas de mortalidade foi impulsionado principalmente pela guerra na Ucrânia, onde 83 mil pessoas foram mortas no ano passado, embora o conflito mais sangrento tenha ocorrido na Etiópia, onde 100 mil pessoas tiveram suas vidas extirpadas.

·         Conflito internacionalizado

Para a elaboração do IGP, são avaliados quase todos os países do mundo de acordo com 23 indicadores, divididos em três categorias: "Conflito interno e internacional contínuo", "Segurança social e proteção" e "Militarização", que refletem tanto a paz social (estatísticas criminais, número de homicídios) e os conflitos internos e externos de um país. Ao todo, o nível médio de "tranquilidade global", conforme medido pelo índice, deteriorou-se em 0,42%.

Segundo Steve Killelea, fundador e presidente executivo do IEP e um dos autores do relatório, a tendência mais perceptível foi a internacionalização dos conflitos: atualmente, 91 países estão envolvidos em algum tipo de confrontamento, em comparação com 58 em 2008.

"Isso não é necessariamente bom ou ruim", disse Killelea à DW. "Alguns podem estar envolvidos em operações de manutenção da paz, como a CEDEAO [Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental]. Por um lado, mais países estão se envolvendo em guerras no exterior, mas também podemos dizer que estamos nos tornando mais internacionalizados na forma como trabalhamos juntos."

Isso pode parecer surpreendente para muitos, dado que a intervenção militar ocidental tem sido reduzida na última década. Os Estados Unidos e a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) já se retiraram do Iraque e do Afeganistão, por exemplo. Mas, conforme aponta Killelea, os EUA ainda estão envolvidos em conflitos – sendo agora inclusive os maiores apoiadores da Ucrânia.

·         'Guerras são difíceis de vencer'

Para Killelea, o novo índice mostra que "as guerras são realmente difíceis de vencer". No Iêmen e na Síria, os conflitos já duram 9 e 12 anos, respectivamente, e em nenhum deles há perspectiva aparente de uma vitória militar.

"Mesmo os militares mais bem equipados do mundo acham difícil vencer uma população local que não quer ser invadida e tem bons recursos", disse Killelea. Ele acrescenta que isso se deve à sofisticação e à disponibilidade de armamento moderno, que estão fazendo com que guerras assimétricas sejam cada vez mais fáceis de ser mantidas. "Quase qualquer pessoa com treinamento básico em engenharia pode agora detonar bombas remotamente, ao tempo que as armas têm muito mais precisão." O relatório também aponta que o número de grupos não governamentais usando drones dobrou entre 2018 e 2022, enquanto o número total de ataques com drones quase triplicou no mesmo período.

O resultado dessas tendências é que a guerra (e a paz) se mostram notavelmente duráveis: a Islândia continua sendo o país mais pacífico do mundo, uma posição que ocupa no índice desde 2008, enquanto o Afeganistão foi classificado como o país menos pacífico do mundo por oito anos consecutivos. Da mesma forma, Iêmen, Síria, Sudão do Sul e República Democrática do Congo estão entre os dez países menos pacíficos do mundo desde que o índice foi lançado, em 2007.

Killelea, contudo, insiste em alguns pontos positivos: "Acho que um dos desdobramentos mais positivos ocorreu no Oriente Médio e no Norte da África, onde, nos últimos três anos, 13 países tiveram, na verdade, uma melhora nos indicadores de paz, enquanto apenas sete pioraram", destacou. "Existe hoje uma tendência duradoura de melhora no quesito paz no Oriente Médio. Portanto, essas dinâmicas todas não são necessariamente ruins."

Outra observação positiva foi que muitas nações se tornaram mais seguras internamente: no ano passado, vários países do Caribe e da América Central, por exemplo, registraram reduções nas taxas de terrorismo doméstico e homicídios.

·         O preço da guerra

Uma das descobertas mais marcantes do relatório é o custo econômico da guerra. No total, guerra e violência custaram ao mundo 17,5 trilhões de dólares no ano passado, ou 12,9% do PIB global. Para os países mais afetados por conflito, o impacto é particularmente devastador: a Ucrânia, por exemplo, gastou 63% de seu PIB na defesa contra a invasão russa.

A ameaça de conflitos futuros também é alarmante: conforme o relatório, um potencial bloqueio chinês a Taiwan, por exemplo, levaria a uma queda na produção econômica mundial equivalente ao dobro da perda ocorrida como resultado da crise financeira global de 2008.

Claro, muitas empresas de armas também ganham dinheiro com a guerra, mas de acordo com o índice, esses ganhos econômicos são irrisórios quando comparados com as despesas que guerra e militarização impõem. "Se eu construir um porta-aviões, isso pode me custar 20 bilhões de dólares para construí-lo e 500 milhões de dólares por ano para mantê-lo em funcionamento", disse Killelea. "O melhor que pode acontecer é eu não ter que usá-lo. Mas esse dinheiro poderia ser usado para estimular negócios, no sistema de saúde, onde teria um benefício muito mais produtivo para a economia."

 

Ø  General sabia dos planos de rebelião de Prigozhin, diz NYT

 

O general russo Sergei Surovikin, vice-comandante das operações militares russas na Ucrânia, sabia dos planos de rebelião do líder do Grupo paramilitar Wagner, informou nesta quarta-feira (27/06) o jornal The New York Times, citando assessores do governo dos EUA que receberam informações dos serviços secretos.

Horas depois, o Kremlin chamou a notícia de especulação. "Em torno desses acontecimentos haverá muitas especulações e conjecturas. Creio que esse é um exemplo", declarou o porta-voz do Kremlin.

Os assessores americanos acrescentaram que há sinais de que outros generais russos teriam apoiado a tentativa do líder mercenário Yevgueni Prigozhin de derrubar à força a liderança do Ministério da Defesa da Rússia.

Segundo essas mesmas fontes, ainda não está claro se Surovikin, o anterior comandante das tropas russas na Ucrânia, teria ajudado a planejar a revolta de Prigozhin, no fim da semana passada.

·         Líder respeitado

Analistas políticos veem Surovikin como um líder respeitado entre os militares russos e que ajudou a fortalecer as posições russas nas frentes de batalha após a contraofensiva ucraniana do ano passado, afirmou o New York Times.

Ele foi indicado para comandar as forças russas na Ucrânia em novembro e substituído já em janeiro, mas, segundo o jornal, manteve influência na execução de operações de guerra e é muito popular entre os soldados.

Prigozhin trabalhou com Surovikin durante a intervenção militar russa na Síria e já descreveu o general como o mais capaz das Forças Armadas da Rússia.

Os funcionários do governo americano avaliam que Prigozhin não teria iniciado sua rebelião se não esperasse contar com o apoio de outras pessoas em cargos de poder, escreveu o New York Times.

Os serviços secretos americanos ainda tentam determinar que grau de apoio Prigozhin tinha dentro da liderança militar russa. Analistas observam que o Grupo Wagner tomou facilmente o QG da campanha militar em Rostov.

·         Lutas internas

Se Surovikin esteve mesmo envolvido na rebelião, esse seria mais um sinal das lutas internas da cúpula militar russa desde o início da guerra na Ucrânia e poderia indicar uma divisão mais profunda entre os partidários de Prigozhin, de um lado, e os principais assessores militares do presidente Vladimir Putin, do outro: o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e o chefe do Estado-Maior, Valery Gerasimov, acrescentou o diário.

O jornal indica, contudo, que às autoridades americanas interessa difundir informação que abale o prestígio de Surovikin, que é considerado mais competente e impiedoso que os outros membros do comando, e cuja destituição beneficiaria a Ucrânia.

Na sexta-feira passada, pouco depois do início do levante, Surovikin havia apelado aos combatentes do grupo Wagner a pararem e regressarem às suas casernas antes que fosse tarde demais. "É necessário obedecer à vontade e às ordens do presidente eleito da Rússia", afirmou num vídeo difundido no Telegram por um jornalista da televisão estatal russa.

·         Troca no comando da guerra

Em janeiro, Shoigu nomeou Gerasimov comandante das forças russas na Ucrânia, em substituição a Surovikin, que havia assumido o cargo há apenas três meses.

A condução da guerra por Surovikin foi seguidamente elogiada por Prigozhin, que já se referiu a Shoigu nos piores termos possíveis e inúmeras vezes criticou Gerasimov.

Em fevereiro, por exemplo, Prigozhin disse que, quando Surovikin comandava as forças russas na Ucrânia, o Grupo Wagner não tinha problemas de munição.

Ele sugeriu, então, que os problemas começaram quando a liderança da campanha foi assumida por Gerasimov. Ele falou que, enquanto alguns comem com "talheres de prata" e mandam suas filhas e netos de férias para Dubai, "soldados russos estão morrendo na linha de combate".

·         Rivalidade com Shoigu e Gerasimov

A tensão entre Prigozhin, de um lado, e Shoigu e Gerasimov, do outro, atingiu um ponto alto em 10 de junho, quando Shoigu anunciou que os grupos mercenários, como o Wagner, teriam que assinar contratos com o Ministério da Defesa até 1o de julho.

Putin apoiou a decisão de Shoigu, mas Prigozhin reafirmou sua recusa em assinar qualquer contrato. Já naquele momento serviços secretos ocidentais detectaram que a tensão poderia resultar numa rebelião do chefe do Grupo Wagner.

Nesta segunda-feira, ao justificar o fim da sua rebelião, Prigozhin disse que precisava salvar a organização e rejeitou ter tentado um golpe de Estado. "O objetivo da marcha era evitar a destruição do grupo Wagner", disse Prigozhin numa mensagem áudio de 11 minutos, em que quebrou o silêncio que mantinha desde sábado, quando recuou na "marcha sobre Moscovo". Segundo ele, o grupo Wagner "estava ameaçado de desmantelamento pelas autoridades" russas. 

O líder mercenário insistiu que o objetivo não era derrubar o poder no país.

Segundo o ditador de Belarus, Aleksandr Lukashenko, que mediou o acordo para pôr fim ao levante, o chefe do Grupo Wagner exigia de Putin a destituição de Shoigu e de Gerasimov.

·         Rebelião armada

Prigozhin, um aliado de longa data de Putin, lançou uma rebelião armada com seus mercenários na noite de 23 de junho, alegando que os militares russos mataram vários de seus combatentes num ataque aéreo, o que as autoridades russas negaram.

Um dia depois, quando a marcha comandada por ele chegou a cerca de 200 quilômetros de Moscou, Prigozhin anunciou que estava encerrando a rebelião. Pouco depois, o Kremlin anunciou que o líder mercenário iria para Belarus, com base num acordo mediado por Lukashenko, e que as acusações criminais contra os rebeldes seriam retiradas.

Prigozhin, que disse não ter intenção de derrubar Putin, chegou a Belarus nesta terça-feira, e as autoridades russas disseram ter encerrado uma investigação criminal sobre a rebelião armada.

 

Ø  Ministro russo da Defesa na corda bamba após insurreição

 

O ministro russo da Defesa, Sergei Shoigu, voltou a aparecer na televisão. Em 24 de junho, durante a insurreição armada do exército privado Grupo Wagner, direcionada contra ele, e no dia seguinte, ele se manteve longe da esfera pública. Só na segunda-feira a mídia nacional mostrou imagens suas: de manhã supostamente na zona de combate na Ucrânia, e pela noite num encontro das autoridades de segurança com o presidente Vladimir Putin. Até hoje Shoigu não se pronunciou sobre o motim.

"Ele está seguindo o próprio instinto", analisa Brian Taylor, especialista em Rússia da Syracuse University de Nova York. "Quando era ministro da Defesa Civil, ele gostava de aparecer nos locais dos desastres. Ele frisava que lá era quem mandava, e ganhava um bônus de confiança. Agora, que se trata de uma catástrofe pela qual ele próprio é responsável, não quer ser visto em público. Mas nos bastidores está trabalhando junto a Putin e outros para garantir sua posição."

O conflito entre o fundador e líder do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, e a chefia do Ministério da Defesa se agravou nos últimos meses. Primeiro Prigozhin responsabilizou Shoigu e o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Valery Gerasimov, pela falta de munição nos combates em Bakhmut. O departamento de imprensa do ministério rebateu e Shoigu não embarcou no conflito.

·         Bons motivos para despedir Shoigu

No entanto, o líder mercenário acirrou suas críticas não só à forma como a guerra está sendo travada e a que preço, mas também a como o Kremlin justifica a invasão da Ucrânia. Na opinião de Taylor, as imputações contra Shoigu e Gerasimov são "justificadas até certo ponto, e a guerra está correndo muito mal para a Rússia", contudo muitas acusações de Prigozhin "atingem expressamente Putin", que teria invadido o país vizinho sob falsos pretextos.

O chefe do Kremlin precisa decidir se mantém Shoigu no cargo. Taylor constata que muito do que o ministro da Defesa contou a seu superior sobre o novo exército "provou não ser verdade, e assim seria lógico se Shoigu fosse mandado embora". Porém essas inverdades já eram óbvias um ano atrás, logo em seguida à invasão da Ucrânia.

O analista recorda que Shoigu é um ministro civil da Defesa, enquanto os militares são responsáveis por fiascos em diversos níveis. Por outro lado, quem responde é o presidente por maus cálculos e metas não alcançadas, como uma troca de poder na Ucrânia. Entretanto Putin demitir Shoigu imediatamente isso seria um sinal de fraqueza, seria ceder a Prigozhin, que ele acusou de traição, argumenta Taylor.

Também para Fabian Burkhardt, especialista em Rússia da Universidade de Regensburg, uma demissão logo após a insurreição seria "um sinal inequívoco de fraqueza": "Mesmo tendo ficado claro que a impopularidade de Shoigu é extrema, também no Exército, pode haver bons argumentos para se aguardar e anunciar o afastamento num momento mais tardio."

·         Aliado íntimo de Putin

Sabe-se que Putin não despede aqueles que considera como gente sua. Até porque Sergey Shoigu é um caso especial, como mostra sua biografia. Hoje com 68 anos de idade, ele provém dos meios abastados da nomenklatura soviética: seu pai era secretário do Partido Comunista em Tuva, atualmente república autônoma.

Após formar-se como engenheiro civil, Sergey fez carreira rápido, dirigindo ainda jovem projetos de construção importantes. Nos últimos anos da União Soviética, mudou-se para Moscou, onde fundou e dirigiu o Serviço de Salvamento estatal. Este se transformaria no Ministério da Defesa Civil, que Shoigu liderou por quase 20 anos.

No fim dos anos 90, contava como ministro russo mais apreciado, e liderou o recém-formado partido do Kremlin, o Unidade, precursor do atual Rússia Unida. Em 2012, assim que Putin voltou a trocar o cargo de primeiro-ministro pelo de presidente, Shoigu foi nomeado governador da região de Moscou.

Poucos meses mais tarde, assumiu a pasta da Defesa e começou com reformas. Logo retomou-se no exército russo a prática soviética de controles de prontidão de combate não anunciados. Nas eleições de 2021, Shoigu ocupou mais uma vez a primeira posição na lista de seu partido.

No segundo e quarto semestres de 2021, pouco antes de a Rússia mobilizar tropas para as fronteiras com a Ucrânia, o presidente e o ministro da Defesa se recolheram para as florestas boreais de taiga. Fotos da época evidenciam a relação especial entre os dois.

·         Impasse de Shoigu pode ser vantagem para Kiev?

Então, Shoigu era cogitado para sucessor de Putin, mas para Brian Taylor é improvável que isso ocorra. Além do fato de que "toda a lógica do sistema altamente personalizado de Putin não prevê alternativa nem sucessor", o analista aponta dois outros motivos: primeiro, ambos têm quase a mesma idade, e um novo presidente teria que vir da geração mais jovem.

Em segundo lugar, "o potencial de Shoigu para se tornar presidente é também restrito pelo fato de ele não ser russo étnico". Em vez disso, permanece "um ministro da Defesa bem seguro e um aliado de Putin que é prestigiado e apreciado".

Um detalhe biográfico confere uma nota emocional ao conflito com Yevgeny Prigozhin: no começo da década de 80, Shoigu dirigia uma firma empreiteira da Sibéria, como mais de 10 mil presidiários sob duas ordens. E agora, 40 anos mais tarde o Grupo Wagner – a que hoje pertencem numerosos ex-prisioneiros, entre os quais o próprio Prigozhin – iniciou um levante armado com o fim de expulsar Shoigu do cargo.

O impasse de Putin é duro, constata Taylor: exonerar Shoigu seria sinal de fraqueza; mantê-lo poderá agravar a insatisfação nas Forças Armadas com o Ministério da Defesa. Portanto não seria de surpreender se, dentro de algumas semanas, o presidente dispensar o ministro, concedendo-lhe um outro posto honorável.

Na opinião do especialista, "a Ucrânia também pode se beneficiar das consequências da insurreição": a reação do exército russo à contraofensiva de Kiev poderá estar menos organizada, e a moral de combate, debilitada. Como as lutas prosseguiram mesmo durante o motim, contudo, não é de se esperar um colapso das forças russas no front.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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