sexta-feira, 30 de junho de 2023

Aprovação de Putin na Rússia é de 81%, contrapondo Ocidente

O elo que liga os russos a Vladimir Putin não é da ordem do racional, mas do emocional.

Mais do que uma pessoa, Putin representa um lugar e um tempo: a União Soviética, onde todos — não só os russos, mas também as outras etnias — estavam juntos e seu país era respeitado pelos Estados Unidos e pela Europa.

A constatação é de Alexey Levinson, diretor de Pesquisas do Centro Analítico Yuri Levada, de Moscou, o mais importante instituto de opinião da Rússia. No cargo desde 2003, Levinson se baseia em mais de 270 pesquisas realizadas pelo Levada a partir da chegada de Putin ao poder, em 2000.

A última pesquisa, concluída na terça-feira (27), registra índice de aprovação de Putin de 81% — dois pontos a menos do que na sondagem de maio, variação considerada irrelevante.

De acordo com Levinson, guerras ajudam Putin, mesmo quando os resultados no terreno não são bons, como é o caso da Ucrânia. “Toda empreitada militar de Putin lhe dá adicional apoio do público”, disse o especialista à CNN.

“Foi o caso em 2008, na Geórgia, e em 2014, na Ucrânia, uma operação militar muito bem-sucedida, e quase o mesmo em fevereiro de 2022. Nesse caso, a operação não é tão bem-sucedida, mas os russos dizem que é, sem se importar em explicar a si mesmos que tipo de sucesso”, complementou.

Nos três casos, a guerra adicionou aprovação de cerca de 12 a 20 pontos percentuais.

Só em um momento nesses 16 meses de invasão, em setembro de 2022, quando foi declarada a mobilização de soldados, houve perda de sete pontos, mas com rápida recuperação, em dois meses.

“Talvez haja correlação entre baixa popularidade e a operação militar que, normalmente, lhe dá um impulso”, analisa Levinson.

Antes da invasão, em fevereiro de 2022, a aprovação de Putin havia alcançado o nível mais próximo do mínimo, 60%.

Desde 2002, a aprovação só esteve abaixo desse patamar uma vez: 59%. “Quando algum cheiro da guerra se tornou mais forte, em dezembro [de 2021] e janeiro [de 2022], o nível aumentou para 83%”, recorda Levinson.

Entretanto, não são características como beligerância ou masculinidade que os russos apontam em Putin.

A resposta mais popular à pergunta “Como você formula sua atitude em relação a Vladimir Putin?” é: “Não vejo nada negativo nele”, com 31%. Em seguida, “simpatia”, com 23%, “admiração”, 19%, e 12% se dizem “indiferentes”. As outras respostas têm menos de 5%.

·         Quem ou o que Putin representa?

Desde o início da presidência de Putin, o instituto Levada também pergunta que setores da população ele representa.

A resposta mais popular sempre foi “as forças de segurança”, já que o presidente vem do serviço secreto. Em seguida, os “oligarcas” (“banqueiros e capitalistas”, explica o pesquisador). “Os russos não têm ilusões”, conclui Levinson.

“Putin não é visto como representante das pessoas comuns. Não é pai dos pobres. Eles entendem quem ele é e o apoiam. E expressam desejo que continue no poder mesmo depois de 2024”, quando serão as próximas eleições.

Uma mudança na Constituição em 2019 permitiu a Putin reeleger-se pelo menos até 2036, quando fará 84 anos.

“A atitude dos russos em relação a Putin não é tão simples de entender”, adverte o pesquisador. “Não é adoração nem culto de personalidade nem carisma. Nem mesmo atração pelo pulso de ferro. O poder dele é simbólico. A analogia seria com a figura de um líder religioso, o chefe de uma igreja”, coloca.

Para a maioria dos russos, Putin não tem sequer virtudes especiais, não é tão bom.

“Eles precisam se concentrar em um símbolo. Os russos se sentem dispersos no espaço, em um território muito grande, em uma vida moderna que divide as pessoas em pequenos grupos. Eles têm nostalgia pelo tempo em que éramos todos uma família e um grande Estado”.

Putin faz os russos sentirem que os soviéticos — não só de etnia russa — ainda estão juntos.

“Ele representa o homem soviético. Não é uma questão da etnia russa. O mais importante é a adoração ao Estado. O Estado é o valor supremo dos russos. É o que eles realmente valorizam. Putin representa a glória da Rússia, especialmente quando contestada pelos EUA e pelo ocidente”, explica.

O dono do grupo mercenário Wagner, Yevgeny Prigozhin, que liderou um motim no sábado, ganhou bastante popularidade durante a guerra, em que atacou duramente as forças militares regulares e a elite russas. Pela última pesquisa do Levada, 35% dos russos aprovam Prigozhin, e 39% o desaprovam.

O instituto está fazendo uma pesquisa específica sobre o dono do Wagner depois do motim de sábado.

“Pode ter ambos efeitos: uns o admirarão e, também, um grande número o chamará de criminoso”, especula Levinson.

O diretor de uma importante organização de defesa dos direitos humanos, que pede para não ser identificado, diz que muitas pessoas na Rússia temem “uma nova onda de repressão” depois do motim do Wagner. “Mais adiante: de imediato, não haverá reação rápida.”

Diferentemente da imagem de Putin no Ocidente, ele é visto como “moderado” na Rússia, afirma Aleksander Losev, do Conselho para Política Externa e de Defesa, de Moscou, que faz análises de cenários com projeções de cerca de um ano.

“Na Rússia, o caos pode chegar na primavera (fim do primeiro semestre) de 2024, se Putin não obtiver vitória em suas próximas ‘eleições’ ou, Deus me livre, entrar em negociações com (o presidente da Ucrânia, Volodymir) Zelensky” prevê Losev.

“Então haverá outro líder na Rússia, muito mais duro e não tão pró-americano quanto Putin. Sim, a comunidade intelectual na Rússia considera Putin um líder pró-Ocidente”.

De acordo com o analista russo, “os Estados Unidos cometeram um erro gigante ao rejeitar Putin, atribuindo-lhe traços de autoritarismo”.

Losev prossegue: “Se um Putin moderado e racional não conseguir resultados na Ucrânia, então o futuro líder russo, com os poderes de um ditador, vencerá.
Nesse caso, a Europa perderá muito e a Ucrânia simplesmente desaparecerá”.

 

Ø  As perguntas que todos os russos fazem sobre Putin agora

 

Dois dias depois que o chefe do Grupo WagnerYevgeny Prigozhin, cancelou um motim contra a Rússia, o presidente russo, Vladimir Putin, não disse nada em público.

Tendo enfrentado o maior desafio à sua autoridade em 23 anos, e quase testemunhado a entrada de seu país em uma guerra civil, muitos esperavam que o presidente respondesse com firmeza e fúria.

Em vez disso, o silêncio foi quebrado primeiro por seu adversário. Em uma mensagem de áudio de 11 minutos postada em seu canal Telegram, Prigozhin afirmou ter apenas encenado um protesto, em vez de um golpe, tentando “levar à justiça” o alto escalão militar da Rússia por seus “erros durante a operação militar especial”.

Quando Putin finalmente se dirigiu à nação na segunda-feira (26), ele foi notavelmente clemente. Na última vez em que foi visto no sábado (24), disse à nação que o motim de Prigozhin foi “uma facada nas costas de nosso país e de nosso povo” e prometeu responsabilizar os insurgentes.

Agora, ele agradeceu aos insurgentes por tomarem a “decisão certa” ao deter seu avanço e lhes ofereceu contratos para se juntarem à força do Ministério da Defesa russo. Putin também afirmou que a “rebelião armada teria sido reprimida de qualquer maneira”, sem especificar como.

Para um líder conhecido por apresentar grandes teses históricas em tratados de uma hora, o discurso de segunda-feira foi conciso, durando apenas alguns minutos – e deixando mais perguntas do que respostas.

Por que Prigozhin foi autorizado a fugir para Belarus? Por que os insurgentes não foram punidos? Como Putin tenta reafirmar sua autoridade?

·         Primeiro pacifique, depois puna

Em 36 horas caóticas, Prigozhin avançou mais de mil quilômetros da fronteira da Ucrânia em direção a Moscou, capturou um comando militar regional, invadiu uma grande cidade e alegou ter derrubado um helicóptero militar.

Muitos esperavam que a resposta de Putin fosse rápida e brutal. Ele disse em seu discurso de sábado que a “traição” de Grupo Wagner foi uma “traição” de seu país.

“Putin valoriza a lealdade acima de tudo”, disse Dmitri Alperovitch, membro do Conselho Consultivo de Segurança Interna, à CNN. “Você pode roubar sob ele, pode matar, pode ser um criminoso. Mas a única coisa que você não pode ser é desleal.”

Diante disso, a aparente relutância de Putin em punir os insurgentes parecia intrigante. De acordo com Kirill Shamiev, membro do Conselho Europeu de Relações Exteriores, a primeira prioridade de Putin será “desmilitarizar, desarmar e desmobilizar o grupo de Wagner”, antes de aplicar qualquer possível punição.

“No nível tático, é importante pacificar um pouco, acalmar, dar alguma esperança e benefícios aos mercenários comuns de Wagner e ao comando sênior, reduzir seus incentivos para agir”, disse Shamiev à CNN.

Putin está atualmente envolvido em um ato de equilíbrio. Seu instinto pode ter sido responder rapidamente, demonstrar que o motim não será tolerado e projetar uma imagem de força. Mas se for rápido demais, corre o risco de provocar outra rebelião – e dar a impressão de pânico.

“Se você reagir muito rapidamente, pode mostrar às elites que está com medo”, disse Shamiev. Paradoxalmente, adotar a abordagem do “homem forte” pode revelar fraqueza.

De acordo com Shamiev, Prigozhin deve ser um exemplo, mas é uma questão cuidadosa de timing.

A guerra na Ucrânia está entrando em uma fase incerta: a contra-ofensiva de Kiev pode ter começado com problemas, mas a unidade e o moral das forças russas estão sendo questionados desde o caos do fim de semana passado.

Se o Kremlin tivesse de alguma forma despachado Prigozhin imediatamente e as forças da Rússia desmoronassem na Ucrânia, as críticas do chefe de Wagner poderiam simplesmente ter se mostrado corretas.

“Seria como, ‘Prigozhin estava certo, na verdade. Ele estava certo sobre os militares, ele estava certo sobre como os generais são despreparados e incultos, e agora eles o mataram. É uma má aparência para o Kremlin’”, disse Shamiev.

·         Uma imagem de calma

Portanto, a resposta um tanto moderada de Putin pode ser prudente. Ele estava mais visível na terça-feira (27), ao agradecer aos agentes de segurança por seu aparente papel em reprimir o motim. “Você parou uma guerra civil”, disse ele a autoridades em um endereço no Kremlin.

“Em uma situação difícil, você agiu com clareza e de maneira bem coordenada, provou por meio de ações sua lealdade ao povo da Rússia e ao juramento militar e mostrou responsabilidade pelo destino da Pátria e seu futuro”, disse ele.

O Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB) também disse na terça-feira que está desistindo do caso contra o Grupo Wagner, já que “seus participantes interromperam suas ações diretamente destinadas a cometer um crime”, segundo a mídia estatal RIA Novosti.

O presidente de Belarus, Aleksandr Lukashenko, também quebrou o silêncio na terça-feira, confirmando que Prigozhin viajou para Belarus sob os termos de um “acordo” que Lukashenko negociou com ele, permitindo que deixasse a Rússia sem enfrentar acusações criminais.

Lukashenko afirmou que disse a Prigozhin que seria “esmagado como um inseto” se continuasse seu avanço em direção a Moscou e o persuadiu a convocar o motim. Mas, embora tenha revelado alguns detalhes das negociações, Lukashenko disse pouco sobre o futuro de Prigozhin.

·         Falta de apoio público

Durante uma crise, a visibilidade é importante. Agora que a poeira baixou após um fim de semana caótico, Putin está tentando projetar uma imagem de controle.

No entanto, ele não conseguiu recorrer a outro método para reafirmar o controle que outros líderes usaram depois de enfrentar desafios semelhantes à sua autoridade: mobilizar apoio político.

Quando o presidente turco Recep Tayyip Erdogan enfrentou uma tentativa de golpe em 2016, sua resposta foi rápida e intransigente. Milhares foram presos em poucos dias. Ele anunciou publicamente que estava considerando restabelecer a pena de morte.

Durante toda a crise, Erdogan quase não saiu do ar. Ele compareceu aos funerais dos mortos no motim, e reuniu manifestantes em seu apoio, organizando manifestações pró-governo em massa nas principais cidades.

Tais pontos estão ausentes na Rússia. As únicas demonstrações públicas de apoio foram para Prigozhin. Quando ele foi expulso de Rostov na noite de sábado, as pessoas fizeram fila nas ruas para torcer por ele, como torcedores esperando do lado de fora de um estádio para dar uma olhada em seu astro do esporte favorito.

 “O poder do Kremlin depende fortemente da despolitização da maioria da população russa. Despolitização voluntária e independente – para que as pessoas não saiam sozinhas para as ruas”, disse Shamiev.

Por causa dessa tática há muito cultivada, Putin não pode esperar que milhões de cidadãos russos se unam em sua defesa, como no caso de Erdogan.

Por enquanto, é uma questão de esperar o momento certo antes de decidir como e quando punir Prigozhin. Mas, durante esse atraso, as dúvidas podem crescer na Rússia.

“Se ele não for preso, se não for morto por Putin, isso enviará a todos um sinal de que Putin é mais fraco do que pensavam, e você pode se safar de muita coisa”, disse Alperovitch.

“Não há dúvida de que seu poder agora está enfraquecido. Não há dúvida de que muitas pessoas em todo o país – as elites, vários governadores, várias pessoas nos serviços de segurança – provavelmente estão se perguntando: se Prigozhin pode realmente se safar disso, desafiando o poder do estado como este, o que posso conseguir?

 

Fonte: CNN Brasil

 

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