domingo, 28 de maio de 2023

Haddad é ótimo para o mercado, mas não sei se é tão bom para o Brasil, diz aliado de Lula

O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, faz um balanço positivo dos primeiros meses de governo Lula (PT), mas vê como preocupante o arcabouço fiscal aprovado na Câmara dos Deputados, por avaliar que ele limita investimentos.

Siqueira diz que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) tem uma política alinhada ao mercado e afirma ter dúvidas sobre a condução da pasta pelo petista.

O ministro é apelidado por correligionários como o petista mais tucano. "Ele [Haddad] é mais aberto ao mercado e isso tem suas consequências. Para o mercado, ótimas, mas para o país, não sei se [é] tão bom assim", diz Siqueira em entrevista à Folha.

Para o dirigente do PSB, partido do vice-presidente Geraldo Alckmin, a articulação política tem se esforçado nesse início de governo. No entanto, o Palácio do Planalto deveria dar agilidade à liberação de emendas e nomeações políticas.

LEIA A ENTREVISTA:

* Pergunta - Qual balanço o sr. faz dos primeiros meses de governo?

Carlos Siqueira - Faço um balanço positivo. Primeiro, a eleição do presidente Lula e a formação de um novo governo [permitiu ao país] sair de uma reta de retrocesso. Vejo também como interessante a iniciativa do governo em priorizar essa questão econômica. Acho que o arcabouço fiscal tem limites, digamos assim, do investimento, por isso eu acho preocupante que o Estado brasileiro possa ficar muito limitado para iniciativas importantes de grande porte.

•        O sr. está falando da aprovação do arcabouço. Avalia que esse projeto pode acabar gerando problemas políticos para o governo futuramente?

Há setores da esquerda que têm uma visão crítica sobre essa política econômica, assim, muito relacionada aos interesses do mercado. Mas eu acho que temos que cair na realidade que, politicamente, é o que é possível fazer nesse momento. Por isso mesmo o PSB acompanhou firmemente a votação do arcabouço fiscal, mas não deixa de ser preocupante.

* O sr. endossa as críticas feitas, então?

Acho que elas têm razão de ser, embora a realidade política nos chame para responder a desafios que são possíveis. Acho que a política exige realismo e isso precisa ser encarado na prática.

* O Planalto conseguiu amarrar o PT, que votou a favor do arcabouço, mas com críticas. Isso gera instabilidade no governo?

Não diria instabilidade. Quando você olha para a área econômica do governo, vê claramente que tem um horizonte que é mais sintonizado com ele. As críticas são de que podíamos ter uma margem maior de investimento, e não temos por conta de limites que foram criados, e que decorrem do excesso de liberalismo do passado recente. Então, são coisas que tanto um lado como o outro têm suas razões.

* A medida partiu do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tem sido criticado por setores do PT, que o consideram excessivamente liberal. O sr. concorda?

Eu não diria excessivamente. Excessivamente era no Bolsonaro. No governo Bolsonaro era o [Paulo] Guedes, né? Ele [Haddad] é mais aberto ao mercado e isso tem suas consequências. Para o mercado, ótimas, mas para o país, não sei se [é] tão bom assim.

* Por que o sr. diz isso sobre Haddad?

Eu até gosto muito do Haddad, mas acho que as políticas que foram feitas nas últimas décadas no país estão muito sintonizadas. O poder do sistema financeiro nacional e internacional é muito grande e ele se reflete no mundo da política de uma maneira que as pessoas nem sequer percebem. Há uma predominância hoje disso aí, inclusive a própria composição do Congresso e as dificuldades do governo são reflexo dessa influência.

* Um dos planos do Ministério da Fazenda é zerar o déficit no próximo ano. O sr. concorda com isso?

O país tem R$ 600 bilhões de renúncia fiscal. Haddad está propondo uma recuperação de R$ 150 bilhões do lado da receita. Tem que ter espaço para investimentos. Há que se ter responsabilidade fiscal, mas também com margem para investimentos e direitos sociais, como educação, saúde etc.

* O governo sofreu uma derrota nos decretos do saneamento, inclusive com voto do PSB. Qual sua avaliação sobre a articulação política?

*Carlos Siqueira -* Naquele caso [do saneamento], que foi um assunto secundário, digamos assim, e o governo realmente vacilou um pouco, porque poderia ter feito de uma maneira mais ágil. Isso faz parte do processo. O próprio governo depois reagiu bem porque me chamou para conversar, tivemos uma reunião com os três ministros, com o vice-presidente, com o ministro [de Relações Institucionais, Alexandre] Padilha, com o próprio PT.

* O que gerou essa derrota, a falta de diálogo?

Eu acho que aquilo ali foi um recado do Congresso ao governo com a insatisfação pela não liberação de emendas, pela demora nos cargos. Achei que tanto o PT como o governo, quando ele nos criticou, nos cobrou corretamente. Acho que governo é governo, oposição é oposição. Se você tem uma insatisfação, tem que demonstrar internamente. Em votação, pode ter uma visão crítica, mas isso não quer dizer que vote contra o governo.

* O sr. considera que o governo tem base no Congresso, ou ele é dependente do presidente da Câmara?

Acho que o presidente da Câmara tem um poder muito grande sobre as bancadas do chamado centrão, e ele tem exercido esse poder. Porém o governo também tem sua margem de manobra, porque governo tem os instrumentos, que inclusive contribuíram na votação do arcabouço, para exercer sua influência. O governo tem uma base que ideologicamente eu considero móvel. Para alguns assuntos, ela vai funcionar bem, para outros, nem tanto, e para um outro, pode não funcionar bem.

* Para o que ela vai funcionar bem?

Acho que para a questão econômica, com os limites que mencionei. Para a questão democrática, ela pode e já tem ajudado. E do ponto de vista de costumes, eu acho que ela é muito conservadora e continuará sendo.

* O sr. tem uma posição sobre a exploração de petróleo na região da Foz do Amazonas?

O país não pode dispensar seus recursos. Agora, obviamente, quando se trata da Amazônia, há que se ter os cuidados necessários, de maneira que seja um desenvolvimento sustentável. A defesa do meio ambiente não significa dizer interrupção do desenvolvimento do país.

* O sr. acha que isso pode passar uma imagem, principalmente para o exterior, de que houve uma intromissão do presidente Lula no caso?*

Eu não chamaria de intromissão, porque o presidente da República é quem decide no governo. Ministro cumpre decisão. E se tem meios que não deterioram o meio ambiente, por que não fazer?

* O PSB se sente contemplado na Esplanada?*

Sim. O PSB tem três ministros, três pessoas com experiência. E estão procurando dar sua contribuição. Nós nunca reclamamos. É claro que há questões de deputados, cargos aqui ou ali num estado que ainda não foram atendidos. Esperamos que tenha uma solução adequada que possa também colaborar com aqueles que contribuem com o governo no Congresso.

 

Ø  Eixo das decisões econômicas se desloca nitidamente do Planalto para Congresso. Por William Waack

 

A manhã desta terça-feira, dia 23, foi mais tranquila para os ocupantes do Palácio da Alvorada. Passaram longe dali as colunas de carrões e SUVs transportando os chefes das Casas Legislativas, o ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central e um grupo de empresários de peso dos segmentos de finanças, indústria, serviços, varejo e agronegócio.

Rumavam para o Lago Sul, para a residência oficial do presidente do Congresso Nacional, onde se reuniram para uma discussão aberta sobre como seria a tramitação das regras para cuidar das contas públicas. E também como tratar de fazer passar depressa algum tipo de reforma tributária.

Em outros tempos, esse tipo de reunião teria ocorrido no Palácio da Alvorada ou no Palácio do Planalto. O que aconteceu na terça-feira foi a demonstração visível de como o eixo de poder se deslocou em Brasília. Boa parte do que se discutiu na reunião foi aprovada na noite do mesmo dia com o nome de arcabouço fiscal. A segunda parte vem agora, a da reforma tributária.

A Câmara dos Deputados impôs ao governo uma série de travas e restrições em matéria fiscal. Elas são um recado, sobretudo político, dado pela base parlamentar que é do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), e não do presidente da República. Seu verdadeiro teste, porém, será o da reforma tributária.

É dela que os vários segmentos da economia esperam o “ganho de produtividade” capaz de fazer o PIB crescer em ritmo melhor.

Não há ilusões quanto ao marco fiscal: a dívida não deve cair significativamente, portanto os juros não vêm para baixo tão depressa (foi isso o que o presidente do Banco Central deixou claro no Lago Sul).

E o governo vai se concentrar pesadamente em arrecadar, dominado pela necessidade de fazer a receita subir – portanto, para as empresas só há ganhos se houver simplificação de impostos.

Se o presidente Lula da Silva ainda tinha dúvidas, falando lado a lado, os presidentes das Casas Legislativas deixaram claro quem é o dono da agenda de política econômica nas próximas semanas. São eles, escorados em um entendimento direto com vozes dos vários setores da economia. E com o ministro da Fazenda, que está sendo visto como figura deslocada em relação aos homens fortes petistas dentro do Palácio do Planalto.

Foram eles, e Lula, os principais ausentes.

 

Ø  Com articulação frágil no Congresso, governo Lula guarda 60 cargos para agradar aliados

 

Em quase cinco meses de governo, mais de 60 postos espalhados pela Esplanada dos Ministérios seguem desocupados. São 39 cargos de segundo e terceiro escalão - entre secretarias, diretorias e departamentos dos 37 ministérios do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —, e 27 entidades vinculadas (nas quais se enquadram empresas públicas, autarquias e outros).

Pela relevância política ou orçamento robusto, as colocações atraem aliados e podem ser usadas para contemplar partidos do Centrão, através da indicação de afilhados políticos. As nomeações para esses postos estão sob análise do Palácio do Planalto, enquanto a articulação política do governo ainda patina dentro do Congresso Nacional.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MTCI) é o que possui mais cadeiras de segundo escalão vagas, com duas secretarias: de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação e de Ciência e Tecnologia para Transformação Digital, além de quatro departamentos vinculados. A pasta está sob comando de Luciana Santos, do PCdoB.

Há imbróglios envolvendo algumas nomeações e nós que ainda não foram desatados. Por exemplo, no Ministério da Agricultura e Pecuária, chefiado por Carlos Fávaro, a Secretaria de Política Agrícola — uma das mais importantes da pasta — ainda está sem comando. Fávaro chegou a anunciar publicamente o ex-deputado Neri Geller para a secretaria, mas ele ainda não foi nomeado.

FIliado ao PP do Mato Grosso e próximo de Blairo Maggi, ex-ministro da Agricultura e um dos maiores produtores de soja do país, Geller também foi cotado para presidir a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.

Em março, o titular da pasta, Paulo Teixeira, arbitrou a disputa e optou pelo nome defendido pelo Partido dos Trabalhadores, o ex-deputado estadual Edegar Pretto (RS). Pretto é ligado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e, após perder a disputa ao governo gaúcho em 2022, ficou sem mandato.

Teixeira está ainda debruçado sobre o nome que virá a assumir a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), que o PT também pleiteia. No governo Jair Bolsonaro (PL), a companhia federal era comandada pelo coronel da reserva Ricardo Mello Araújo, considerado como indicação da cota pessoal do então presidente.

O Gabinete de Segurança Institucional (GSI), única pasta a ter uma mudança de ministro até este momento do governo, tem duas secretarias (de Coordenação de Sistemas e de Assuntos de Defesa e Segurança Nacional) e um departamento vagos.

O novo ministro-chefe do GSI, o general da reserva do Exército Marcos Antônio Amaro dos Santos, tomou posse no início de maio e ainda reorganiza o órgão após a saída do general Gonçalves Dias, o G. Dias, e a passagem interina de Ricardo Cappelli.

Com cerca de 900 servidores — a maioria, militares — o GSI tem assistido a dispensas em série desde os atos golpistas de 8 de janeiro, quando agentes do órgão não foram capazes de conter a depredação do palácio.

Também com gabinete no Planalto, a Secretaria-Geral (SG) da Presidência ainda não preencheu duas secretarias: a Secretaria Executiva da Comissão de Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e a Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Fomento e Colaboração. A SG é chefiada pelo ex-tesoureiro do PT Márcio Macêdo.

Projeção política e controle orçamentário tornam as entidades vinculadas aos ministérios cobiçadas por partidos. Os ministérios de Minas e Energia e de Portos e Aeroportos, apesar de estarem com o segundo e terceiro escalões completos, ainda têm, cada um, seis entidades em aberto.

É o caso, por exemplo, da Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), a estatal responsável por comercializar o óleo e o gás extraídos da camada pré-sal, e daCompanhia Docas do Ceará (CDC), empresa pública que faz a administração e exploração comercial do Porto de Fortaleza.

O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) também segue vago. O nome do marido da senadora Eliziane Gama (PSD), Inácio Melo, foi ventilado, mas a indicação política gerou resistência dentro da empresa pública e empacou.

No Ministério da Fazenda, a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), empresa pública responsável por fazer seguros para exportações de grande valor agregado, segue com presidente e um diretor nomeados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O Banco da Amazônia (Basa) emitiu um comunicado aos acionistas e ao mercado na última quinta-feira (25) comunicando a eleição de Luiz Cláudio Moreira Lessa para ocupar o cargo de presidente do Basa. Ele foi indicado em meados de maio.

Também vinculado à pasta de Fernando Haddad, o Banco do Nordeste (BNB) só trocou de presidente em março. Lula indicou o ex-governador de Pernambuco Paulo Câmara, que se desfiliou do PSB em janeiro e hoje está sem partido.

A indicação para presidir o BNB dependia da mudança na Lei das Estatais, porque a legislação exigia que dirigentes partidários ficassem afastados das legendas por pelo menos três anos antes de serem nomeados para cargos de direção da administração direta ou em empresas públicas, como o BNB. Essa regra foi suspensa pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Sob o guarda-chuva do Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional estão ainda o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), esta última a estatal preferida do Centrão. Ambos seguem sem comando.

Apesar de filiado ao PDT, o ministro Waldez Góes é da cota do União Brasil, partido que também integra a base do governo, mas tem enfrentado dificuldades na relação com o Planalto.

As indicações para os postos da administração federal passam pela chancela da Casa Civil, que analisa currículos e requisitos jurídicos dos nomes. O ministro Rui Costa tem enfrentado críticas em algumas das nomeações. Quanto maior o nível de detalhamento, mais difícil fica o controle dos antecedentes dos indicados.

É exemplar o desconforto causado pela nomeação do deputado olavista Heitor Freire (União Brasil), confirmado em 11 de maio no comando de um diretoria da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), órgão vinculado à pasta de Integração.

 

Fonte: FolhaPress/Agencia Estado

 

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