CLT 80 anos:
modernização como justificativa para redução de direitos
De
estabilidade para trabalhadores com 10 anos de serviço para a criação do Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). De horas extras pagas no salário, para
banco de horas. De carteira assinada com garantias trabalhistas, para contrato
por demanda. Essas foram algumas das alterações da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) ao longo do tempo.
Nesta
segunda-feira (1º) é celebrado os 80 anos da CLT. A legislação foi criada pelo
Decreto-Lei 5.452 de 1943 e sancionada pelo presidente Getúlio Vargas, durante
o Estado Novo. A CLT unificou a legislação trabalhista existente no país até
então.
Neste
marco, a Agência Brasil publica
reportagem especial que retoma os antecedentes históricos para a conquista
desses direitos, as mudanças ao longo do tempo e o atual cenário do Mundo do
Trabalho, especialmente diante da digitalização. Especialistas analisam a
legislação trabalhista do país e ressaltam a deterioração de direitos com a
Reforma Trabalhista de 2017, apontada como uma das mais drásticas da história.
A
arquiteta Marina* sentiu de perto esses impactos. Ela já trabalhava sem
carteira assinada, quando informou à empregadora que estava grávida, em 2019.
“Falei: mas fica tranquila que eu vou continuar trabalhando até o bebê nascer.
Poucos dias depois, veio falar que estavam reformulando a empresa e que iam
fazer um esquema de todo mundo ser PJ [pessoa jurídica]. Deu uma desculpa de
que isso era melhor pra todo mundo. Típica pejotização”, contou.
Para
a arquiteta, “a tal modernização da empresa, para otimizar os processos, nada
mais era, e é, do que um desestímulo à maternidade. Tem um valor social que não
é considerado.”
Na
avaliação da socióloga Maria Aparecida Bridi, pesquisadora da Rede de Estudos e
Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir), a modernização é “falsa”.
“Retirou-se
direitos, fragilizou-se direitos, buscou-se enfraquecer. A legislação
trabalhista, a CLT, tem esse papel contra a exploração, colocando limites na
exploração do trabalho. E houve uma fragilização dessa legislação. Você retoma
uma situação de exploração sem limite, reduzindo conquistas que foram
arduamente conquistadas pela classe trabalhadora ao longo de todo esse tempo”,
avalia.
·
Desigualdade
Para
a desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região
(TRT4), Magda Biavaschi, as reformas que vieram depois de 2016, sobretudo o
teto de gastos, a reforma da Previdência, especialmente a reforma trabalhista,
aprofundaram a desigualdade no mundo do trabalho. “Não só a reforma
trabalhista, mas a lei da terceirização, as duas de 2017, fizeram aprofundar,
legalizando formas espúrias de contratação, como o autônomo exclusivo, isso é
uma excrescência. Se ele é contratado para satisfazer as necessidades básicas
do contratante, ele não é autônomo, ele é subordinado e, portanto, ele é um
empregado.”
Segundo
ela, o autônomo exclusivo – profissionais que prestam serviços para uma única
empresa, sem que isso seja caracterizado como vínculo empregatício – e a
ampliação da terceirização para todas as atividades são um grande fator de
precarização e “se mostram inclusive como um locus em que há uma tênue
distinção, hoje em dia, entre terceirização e escravização, o trabalho
escravo.”
O
secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, conhecido como Juruna,
citou uma das primeiras mudanças, ocorrida durante a ditadura militar: a
substituição da lei que garantia estabilidade no emprego após 10 anos
registrado em uma mesma empresa pela criação do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS). Segundo ele, a mudança incentivou a rotatividade da força de
trabalho.
No
entanto, ele considera que “ainda pior foi o que aconteceu nos governos de
Michel Temer e de Jair Bolsonaro. Com alteração de mais de 200 dispositivos,
seguida por outras minirreformas, a Lei nº 13.467/2017 [reforma trabalhista]
inaugurou o maior desmonte em toda a história da legislação.”
·
Primeiras mudanças
Segundo
a pesquisadora Maria Aparecida Bridi, a primeira onda entre as principais
reformas da CLT ocorreu no governo militar, em 1967, justamente com o fim da
estabilidade dos trabalhadores em troca do FGTS. “Trouxe uma alteração
importante para a classe trabalhadora, porque é um momento em que o trabalhador
perde estabilidade. E, naquele contexto, lembra que os trabalhadores, os
movimentos, a organização sindical, estavam sob pressão e sob controle e
vigilância do regime ditatorial.”
Na
década de 1990, a pesquisadora aponta a ocorrência de uma segunda reforma de
peso, com as políticas neoliberais adotadas no contexto do governo FHC. “Ali,
ele já fez um conjunto de mudanças trazendo uma flexibilização na legislação,
introduzindo pautas como a possibilidade do banco de horas, flexibilizando
jornada, flexibilizando inclusive remuneração.”
Para
Bridi, tais mudanças foram pautadas por uma ideologia em que os atores
políticos e econômicos buscaram impor medidas redutoras de direitos do
trabalho, relacionadas ao processo de inserção do Brasil numa globalização
neoliberal.
“O
mundo vinha num contexto das crises desde os anos 70, em que as empresas
passaram por um processo de reestruturação produtiva e um discurso neoliberal
forte de que precisa dar liberdade para o capital, para as empresas. E os
contratos de trabalho por tempo indeterminado, por exemplo, trazia uma ‘certa
rigidez’, digamos assim, e que o capital precisava de flexibilidade, da
possibilidade de descartar mão de obra mais fácil, então tem assim um conjunto
de medidas que foram feitas lá já nesse governo FHC”, disse.
No
contexto das políticas de privatização e abertura de mercados, as alterações
incluíram a demissão sem justa causa, eliminando mecanismos de inibição de
demissão imotivada; uma legislação para favorecer cooperativas profissionais ou
de prestação de serviços que permitiu trabalhadores desempenharem funções sem
vínculo empregatício; introdução do banco de horas como alternativa ao
pagamento de horas extras; e a remuneração com a participação nos lucros e
resultados.
“É
uma forma flexível de remuneração, porque a chamada PLR [Programa de
Participação nos Lucros e Resultados] entrou e assim cresceu e hoje está aí
naturalizada, mas ela substitui um ganho real, porque é uma remuneração
flexível. Tem ano que o trabalhador recebe, e ele não incide outros direitos”,
explicou.
·
Governo Michel Temer
De
acordo com a socióloga, a reforma trabalhista ampliou a flexibilização de forma
drástica. “Impôs medidas que dificultaram, por exemplo, aos trabalhadores o
acesso à Justiça do Trabalho uma vez que estes passaram a ser obrigados a pagar
as custas processuais”, avaliou.
Um
ponto de destaque foi a prevalência do negociado sobre legislado, que definiu
que os direitos seriam passíveis de negociação. “Na prática, isso corrói o
direito do trabalho e coloca o trabalhador numa situação de a cada ano ter que
rever sempre os direitos.”
A
socióloga aponta que o trabalhador terceirizado tem uma pior condição de
trabalho e de remuneração, a partir da lei de terceirização, editada pelo
governo Temer em 2017.
A
terceira onda que trouxe mudanças profundas na legislação foi a reforma
trabalhista, atrelada a um discurso de modernização e criação de empregos. “Eu
lembro que a campanha, uma verdadeira campanha, trazendo a ideia de que a CLT
era uma velha senhora de 70 anos que tinha que se modernizar e, na verdade,
isso foi uma falácia, porque a CLT ao longo do tempo foi sofrendo algumas
alterações”
“Ele
faz uma reforma abrupta, sem discussão com a sociedade, alterou mais de 200
artigos da CLT. Introduziu, por exemplo, o trabalho intermitente, o contrato de
trabalho por jornada, que na prática se constitui no contrato zero hora, no
qual o trabalhador não tem garantia alguma de direito”, lembrou.
Além
disso, a reforma trouxe o fim da ultratividade do acordo coletivo e condições
que favorecem os acordos individuais entre patrão e empregado em detrimento das
convenções coletivas.
“A
gente retrocede a uma situação anterior à legislação e agora você tem todas
essas empresas de plataforma digital, por exemplo, que dispõe de uma força de
trabalho muito vasta e totalmente desregulada. Eles negam inclusive o estatuto
de trabalhador para eles, que se nomeiam como ‘empreendedores’.”
·
Negociações coletivas
Segundo
Juruna, a reforma permitiu que os sindicatos e as empresas pudessem negociar
condições de trabalho diferentes das previstas em lei, mas ressalta que isso
não necessariamente significa um patamar melhor para os trabalhadores. Além
disso, o fortalecimento dos sindicatos, importante para tal modelo de
negociação, também foi comprometido.
“A
reforma também tornou voluntária a Contribuição Sindical destruindo a
sustentação financeira dos sindicatos. Após a reforma, o Dieese estimou que as
entidades perderam, em média, 70% de suas receitas. Essas foram algumas das
mudanças radicais que só beneficiaram as empresas em detrimento das
trabalhadoras e dos trabalhadores, desvalorizando os sindicatos, as assembleias
e, assim, diminuindo o poder de negociação”, disse.
Para
a desembargadora, esse ponto representa um retrocesso grave na garantia de
direitos aos trabalhadores. “A reforma trabalhista transtrocou o locus da
produção normativa, da regulação pública universal, deslocou as fontes desse
sistema público de regulação para o encontro livre das vontades individuais, no
suposto de que comprador e vendedor da força de trabalho são iguais e podem
dispor sobre os seus direitos, que vão reger a compra e venda da relação
trabalho.”
·
Cenário
Com
a fragilização da legislação trabalhista após as reformas, o mercado de
trabalho tem ampliado a informalidade, a contratação via MEI [Microempreendedor
Individual] e plataformas digitais, sem garantia de direitos. Foi o que
aconteceu com a arquiteta Marina. Ao receber orientação da empregadora sobre
abertura de empresa, foi informada de que, dessa forma, poderia prestar serviço
para outras empresas. No entanto, decidiu consultar um advogado.
“Ele
falou ‘olha, ela está fazendo isso porque sabe que dessa forma vai se livrar
dos direitos trabalhistas. Ela vai poder dispensar você e você não vai poder
recorrer”, disse a arquiteta.
Como
não aderiu à PJ, Marina foi demitida e recorreu à Justiça. “Foi muito evidente
que se tratava de uma covardia. De discriminar uma mãe. Na época, eu pesquisei
sobre o assunto e fiquei assustada com os dados. As mulheres que retornam ao
trabalho depois dos quatro meses de licença são dispensadas. Além disso, ela
deixou claro que não queria pagar ‘por algo que eu fiz’ se referindo a licença
[maternidade] remunerada.”
·
Legislação robusta
Apesar
dos retrocessos apontados, Juruna acredita que ainda temos uma legislação
trabalhista robusta. O empregado formalizado tem direito a férias, 13º salário,
previdência social, seguro desemprego, salário mínimo, jornada de trabalho,
hora extra, reajuste salarial conforme a convenção coletiva do sindicato,
direito a sindicalização, justiça do trabalho.
“Vamos
lutar para reverter vários direitos que foram subtraídos ou relativizados nos
anos de desmonte. Já conseguimos derrubar no STF, através de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos
(CNTM), a cláusula escandalosa da reforma trabalhista que permitia o trabalho
de mulheres grávidas em locais insalubres”, relatou o dirigente sindical.
*Nome
fictício pois a entrevistada preferiu não se identificar
Ø
Lula
cria grupo para regulamentar trabalho de entregadores por app
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva instituiu nesta segunda-feira (1º), Dia do
Trabalhador, um grupo de trabalho para elaborar uma proposta de
regulamentação das atividades de entregadores e motoristas por
aplicativos.
O
grupo será composto por 15 representantes do governno federal - dentre eles,
membros da Casa Civil e dos ministérios da Fazenda e do Trabalho e Emprego -,
15 representantes dos trabalhadores, através de sindicatos e coletivos, e 15
representantes dos empregadores, por meio de associações patronais.
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O
Ministério do Trabalho e Emprego vai coordenar as negociações, que devem durar
150 dias. Depois disso, o grupo deve entregar propostas de ato normativo para
regulamentar as atividades de entregadores e motoristas por aplicativos.
A
pauta dos entregadores é uma das principais da gestão do ministro Luiz Marinho
no comando da pasta do Trabalho e Emprego. A ideia é fazer com que os
trabalhadores tenham acesso a direitos básicos, hoje negados a eles por não
serem considerados funcionários das plataformas para as quais atuam.
·
Lula
cria grupo para montar plano de igualdade salarial entre gêneros
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) instituiu nesta segunda-feira (1º),
Dia do Trabalhador, um grupo de trabalho interministerial para que seja
elaborada uma proposta para garantir a igualdade salarial entre homens e
mulheres.
O
grupo será coordenado pelo Ministério das Mulheres, e terá representantes
da Casa Civil e dos ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura
Familiar; do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à
Fome; do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; dos Direitos Humanos
e da Cidadania; da Igualdade Racial; e do Trabalho e Emprego.
O
colegiado terá duração de 180 dias e deverá definir um plano
com objetivos, metas e ações para que seja alcançada a igualdade salarial
entre homens e mulheres no Brasil.
No
Dia das Mulheres, Lula havia
assinado um projeto de lei para garantir a igualdade salarial entre
homens e mulheres que exercem a mesma função. Até o momento, porém, nenhum
plano para garantir o cumprimento da lei tinha sido colocado em prática.
Na
ocasião, o presidente afirmou que a força de uma lei faria com que a
fiscalização fosse aumentada, garantindo a igualdade. "Desde 1943, está
escrito na CLT [Consolidação das Leis Trabalhistas] que a mulher tem direito a
ter o mesmo salário do homem. Mas sempre tem uma vírgula que fica dando volta,
e se cria tantos empecilhos que a mulher termina nunca tendo [direito à
igualdade salarial]. Quando nós fizemos essa lei agora, nós fizemos questão de
colocar a palavra 'obrigatoriedade' de cumprir a lei, para que definitivamente
ninguém ganhe menos apenas pelo fato de ser mulher", disse Lula na
ocasião.
Fonte:
Agencia Brasil/iG
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