'As pessoas param
de respirar antes que se deem conta': o que o fentanil faz com o cérebro
Diante
do grande número de mortes por overdose pelo uso da droga fentanil, o governo
americano aprovou recentemente a venda sem receita no país do Narcan
(cloridrato de naloxona), um spray que bloqueia o efeito da substância.
Quando
um usuário de fentanil parece ter parado de respirar e fica inconsciente, o
spray é aplicado em uma das vias nasais. É uma forma de ganhar tempo até o socorro
médico chegar.
Cem
vezes mais potente que a morfina e 50 vezes mais potente que a heroína, o
fentanil é um opioide sintético aprovado como anestésico para uso médico pela
Food and Drug Administration (FDA), o órgão do governo americano que controla
alimentos e remédio no país.
No
entanto, quando usado de forma recreativa, fora do contexto médico, essa
poderosa droga pode ser mortal. Só em 2021, foram 70.601 mortes por opioides
sintéticos nos EUA, segundo o Instituto Nacional de Abuso de Drogas. A maioria
dos casos envolvia fentanil.
O
Brasil, que parecia ileso da epidemia, registrou em fevereiro último a primeira
apreensão de fentanil, no Espírito Santo. Segundo a Polícia Civil, é possível
que a substância seja traficada no país para intensificar o efeito de drogas
como ecstasy e cocaína.
·
Liberação de dopamina
Desenvolvido
pela primeira vez em 1959 e introduzido na década de 1960 como analgésico
intravenoso, o fentanil, em suas diversas formas (comprimidos, adesivos,
injeções etc.) é usado como anestésico e para aliviar as dores agudas de uma
cirurgia ou um problema de saúde com dores crônicas.
Como
outros opioides, caso da heroína ou morfina, o fentanil interage com os
receptores opioides encontrados em áreas do cérebro que controlam a dor e as
emoções.
Esses
receptores normalmente respondem a substâncias químicas liberadas pelo nosso
próprio corpo para nos fazer sentir bem, uma espécie de recompensa por
atividades que contribuem para nossa sobrevivência (comer, beber, fazer sexo
etc).
O
efeito dos opioides depende da quantidade da substância e com que rapidez ela
entra no cérebro — e o fentanil é uma droga extremamente poderosa mesmo em
pequenas doses.
Uma
vez que o fentanil entra no cérebro, ele interage com os receptores opioides,
facilitando a liberação de dopamina, anulando a dor, dando ao usuário um
disparo da sensação de prazer, de calma e a redução da ansiedade.
"É
um pouco como a cocaína, no sentido de que na primeira vez que as pessoas usam,
há um efeito poderoso e logo se busca a repetição desse efeito", explica
Daniel Sitar, professor emérito da Faculdade de Ciências da Saúde da
Universidade de Manitoba, no Canadá, à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da
BBC.
Essa
sensação é o que torna o fentanil tão viciante. No entanto, outro de seus
efeitos no cérebro — e é isso que o torna letal — é que ele faz com que a
pessoa pare de respirar e morra de hipóxia (quando a oxigenação se reduz
perigosamente no corpo).
·
A respiração se interrompe
O
tronco cerebral, que controla a função respiratória, também possui receptores
opioides. E quando eles são inundados com fentanil, "você pode parar de
respirar, mesmo se estiver consciente", explica Sitar.
Um
estudo recente conduzido por pesquisadores do Hospital Geral de Massachusetts,
ligado à Universidade Harvard, revelou que a droga interrompe a respiração
antes que se notem outras mudanças e ocorra a perda de consciência.
A
pesquisa também revelou que o fentanil começa comprometer a respiração cerca de
quatro minutos antes da ativação do estado de alerta e em uma concentração
1.700 vezes menor do que outras drogas que causam sedação.
"Isso
explica por que o fentanil é tão mortal: faz com que as pessoas parem de
respirar antes mesmo que se deem conta de alguma alteração", disse o
pesquisador Patrick L. Purdon, principal autor do artigo.
Em
um contexto médico, quando altas doses da substância são usadas como anestésico
durante uma operação, a supressão da respiração "não é realmente um
problema, porque a pessoa é entubada e os pulmões são inflados mecanicamente
para simular a respiração", diz Sitar.
Os
resultados do estudo de Harvard deixam claro que nenhuma quantidade de fentanil
é segura fora de um ambiente médico controlado por especialistas.
Sitar
também acrescenta que quando o fentanil é usado de forma recreativa, as pessoas
não têm controle sobre doses e quantidades.
Além
disso, ele esclarece, a droga costuma ser adulterada com outras substâncias
químicas, o que "torna seus efeitos imprevisíveis, pois variam conforme a
mistura".
"Às
vezes é misturado com estimulantes, porque estes tendem a exagerar o efeito de
recompensa", diz o pesquisador.
Isso
acelera a liberação de dopamina e o impacto na função respiratória.
Fonte:
BBC News Brasil
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