terça-feira, 30 de maio de 2023

A vitória de Haddad, os verdes e os cinzas

A aprovação da nova política fiscal, com larga margem na Câmara dos Duputados, configura uma importante vitória política do governo que, claro, deve ser compartilhada com Arthur Lira. Mas, do ponto de vista da significação política, a aprovação do texto pesa muito mais a favor do governo. Isto porque a aprovação dissipa uma série de dúvidas e temores que eram alimentados por agentes econômicos e políticos quanto aos compromissos do governo acerca da estabilidade econômica. Se o governo tivesse encampado uma proposta idílica, como queriam alguns setores de esquerda, e fosse derrotado, os danos políticos seriam de difícil recuperação.

Ao regulamentar em lei os compromissos com a estabilidade a aprovação supera o mero aspecto declaratório vinculado ao passado e cria um horizonte de previsibilidade que favorece a retomada dos investimentos, potencializando o crescimento econômico, a geração de empregos e a arrecadação tributária, tão necessária para garantir as políticas públicas e sociais.

A política fiscal tem alguns méritos que precisam ser enfatizados: equilibra os princípios da responsabilidade social e fiscal, é flexível permitindo o seu manejo adequado de acordo com a variação das circunstâncias e conjunturas econômicas, estabeleceu travas para a irresponsabilidade fiscal e fechou as portas para aquelas tentações populistas que abririam um caminho para um processo de argentinização da economia brasileira. Os que desenvolveram o esforço para aprovação da nova política fiscal, num processo negociado, entenderam que não se trata apenas de uma norma que incidirá sobre a conduta do governo Lula. Trata-se de uma norma de Estado que valerá para os futuros governos, sem deixar de ser passível de aperfeiçoamentos.

No âmbito do governo deve ser saudado o esforço desenvolvido pelo ministro Haddad. Esforço que não se restringiu à construção teórica e técnica do projeto. Haddad já foi criticado por adotar um tão acadêmico e professoral em suas intervenções políticas. Mas, na condução do processo que levou à aprovação da política fiscal, ele se conduziu com habilidade que o fez o mais político dos ministros. Soube negociar com todos os principais atores políticos e conduziu-se com humildade, bem distante da arrogância de alguns ministros planaltinos. A humildade é necessária para dialogar e persuadir. Ela abre portas para angariar não só simpatias, mas também adesões quando as coisas são bem conduzidas.

A aprovação da política fiscal é apenas um ponto de largada para a retomada do crescimento, do emprego e da renda e para a queda dos juros. Agora existe a reforma tributária pela frente. Terá que se ver se ela será capaz de avançar na constituição da justiça fiscal ou se será uma mera racionalização do sistema tributário. Haddad vem insistindo que é necessário atacar as renúncias fiscais. Grande parte dessas renúncias se constitui em privilégios inescrupulosos, em atos de assalto do orçamento público. São renúncias ineficientes para induzir industrialização e crescimento.

A semana passada, contudo, terminou mal para o governo como um todo, devido às trapalhadas da Casa Civil e da Articulação Política em torno da MP da restruturação ministerial. A articulação política deixou que essa MP se arrastasse no Congresso a ponto de estar perto de caducar. Por outro lado, terminou aceitando quase que passivamente as mudanças desidratadoras dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Originários. O ministro Padilha chegou a dizer que o relatório aprovado na Comissão desidratadora era uma vitória. Pegou mal.

A falta de empenho dos ministros para evitar as mudanças foi alvo de criticas da opinião publica e da militância progressista. Lula teve que puxar o freio de arrumação para reduzir danos. As subsequentes declarações dos dois ministros, de que farão esforços para remediar a situação e de que a política ambiental e de proteção aos povos originários não serão afetadas, foram pouco convincentes. O principal ativo internacional do governo, proteção ambiental e dos povos originários, corre um sério risco de ficar esmaecido.

Hoje, no Brasil e no mundo, existe uma nova divisão de conteúdo político-moral. É a divisão entre os verdes e os cinzas (gray). Os verdes (ambientalistas) podem ser definidos como aqueles que colocam a questão ambiental (mudanças climáticas, riscos, redução de danos, etc.,) como paradigma central no sistema de hierarquias visando uma nova organização das sociedades, as formas de produção e de distribuição, as questões energéticas, os recursos hídricos etc.

Os cinzas colocam o crescimento econômico subjacente ao modo de produção capitalista como paradigma central na organização do sistema de hierarquias da organização social e da produção. Em grande medida, as políticas concretas dos governos relativas à exploração energética (energia renovável versus petróleo), a intervenção em florestas, recursos hídricos, agricultura, polução, distribuição de renda… são definidas a partir das tomadas de posição em relação a esses paradigmas.

Hoje no Congresso, no governo e em partidos de esquerda existem significativos setores que se declaram verdes, mas cuja fisionomia vai adquirindo um tom acinzentado. O presidente da Petrobrás parece querer liderar esse bloco. O senador Randolfe Rodrigues teve que reiterar em declarações, artigos e entrevistas, o seu compromisso com o meio ambiente. Piscou. Compromissos passados, embora importantes, não garantem necessariamente compromissos futuros. O governo precisa tomar o cuidado para não declarar uma coisa e fazer o contrário da declaração. A sociedade está vigilante e as faturas serão cobradas. O Brasil não pode correr o risco de um novo retrocesso.

Note-se que o ataque cinza do relatório de Isnaldo Bulhões, aprovado pela comissão mista da MP, teve alvos certos: os Ministérios do Meio Ambiente, dos Povos Originários e do Desenvolvimento Agrário. É nas áreas de atuação relacionadas a esses ministérios onde ocorrem os conflitos mais sangrentos do país. São as áreas de maior interesse do agronegócio, dos predadores ambientais, dos desmatadores, dos garimpeiros e de várias formas de organizações criminosas.

Também são áreas em relações às quais o bolsonarismo estrutura seus interesses e promove a guerra ideológica contra populações aflitas, desprotegidas e carentes de direitos. Não foi por acaso que o bolsonarismo e o conservadorismo apostaram forte na CPI do MST.

Ao enfraquecerem os ministérios liderados por Marina Silva, Sônia Guajajara e Paulo Teixeira, os grupos bolsonaristas e de extrema-direita querem enfraquecer as linhas de frente da resistência dos grupos sociais vulneráveis. Enfraquecer a visibilidade desses ministros é um passo para a continuidade dos assassinatos de líderes e ativistas dessas causas e do genocídio dos povos originários para explorar as riquezas de suas terras, devastar e destruir. Esses ministros precisam resistir. Mas serão enfraquecidos ou derrotados se a sociedade civil não abraçar com mobilizações as causas ambientais, as causas dos povos originários e as causas dos sem terra e da agricultura familiar.

 

Ø  Estratégia do governo na política é a economia. Por Helena Chagas

 

Lula sabe desde o dia seguinte à eleição — mesmo antes de confirmado presidente, o que ocorreu só no segundo turno — que não teria maioria estável para governar num Congresso conservador, dominado pela centro-direita. Talvez tenha se surpreendido com o jogo bruto do centrão modelito Arthur Lira no balcão das emendas, mostrando que velhas moedas de troca, como ministérios, não valem mais tanto assim. Como não tem outro jeito, o Planalto vai dando carne aos leões, mas não está tão dramaticamente subjugado como parece. Sua principal estratégia em relação ao Legislativo passa pela economia e tem chances de dar certo.

Lula e seus articuladores políticos entendem que o método para controlar esse Congresso que aí está é de fora para dentro, ou seja, pela pressão popular, usando a força gravitacional que governos bem sucedidos e bem avaliados exercem sobre  deputados e senadores. Quem disputa mandato eletivo quer estar sempre ao lado de um presidente forte junto à população, capaz de alavancar a próxima eleição — e não só pela força da caneta. 

Passada a lua-de-mel dos seis meses, quando o presidente ainda está banhado pela força das urnas e os parlamentares hesitam em confrontá-lo, o jogo ficou mais pesado para o Planalto. As derrotas da semana passada, quando a bancada ruralista passou o trator sobre Marina Silva e outras pastas de esquerda, foram um aviso ao navegante Lula — que entendeu o recado e deu sinais de que vai conversar mais, articular mais, dar mais emendas.

Mas Lula e articuladores mais próximos sabem que o decisivo não é isso, como parece. O que importa de fato é a estratégia do governo para fazer a economia voltar a crescer, gerar empregos, disseminar sensação de bem estar para toda a população. É o que importa para Lula, e para onde convergem todos os seus esforços. 

Nesses quase seis meses, o governo já cuidou de problemas sociais com ações para os mais pobres, como o Bolsa Família, o MCMV e outros. Mudou a política de preços da Petrobras, conforme prometeu na campanha, o que pode repercutir no bolso da classe média e na inflação. Na cruzada contra o BC, tem agora chance de ver baixar os juros altos porque a inflação já está caindo mesmo. Fez acenos ao empresariado e à classe C com medidas para reduzir preços dos carros populares. Trabalha para facilitar o acesso da população ao crédito.

Acima de tudo, enquanto boa parte da mídia e dos políticos choravam as pitangas das derrotas da semana e dos problemas na base, o governo teve, na mesma semana, sua maior vitória parlamentar desde que tomou posse: a aprovação na Câmara, por maioria acachapante, do novo marco fiscal. Não é pouco. Apesar dos narizes torcidos de boa parte da esquerda — inclusive daqueles que temem o fortalecimento de Fernando Haddad —  é condição básica para a retomada da economia. O passo seguinte é  a aprovação da reforma tributária até o fim do ano. Se isso ocorrer, e a economia der sinais de que vai deslanchar, o apoio político-parlamentar virá num efeito centrípeto.

É por aí que as derrotas conjunturais de Marina Silva e Sonia Guajajara estão sendo aceitas pelo Planalto como algo meio inevitável na negociação com o centrão. Dificilmente a desidratação do MMA e do Ministério dos Povos Indígenas será revertida esta semana na votação da MP da estrutura do governo.  Mas o que é possível fazer neste momento foi feito. Antes de tudo, o esclarecimento de que a agenda ambiental e da sustentabilidade do governo não mudou — o que poderia impactar na imagem internacional e nos investimentos estrangeiros. 

Igualmente importante, a articulação feita pelo próprio presidente em reunião no Planalto, sexta-feira, para convencer Marina Silva e Sonia Guajajara a não saírem botando a boca no trombone em caso de nova derrota no plenário (muito provável), e muito menos xingando a base conservadora e a bancada ruralista. Há dúvidas sobre o sucesso integral dessa segunda parte, mas já se pode observar que as ministras baixaram o tom. Talvez convencidas de que, se engolirem o centrão agora, melhores dias virão…

 

Fonte: Por Aldo Fornazieri, no Jornal GGN/Os Divergentes

 

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