sexta-feira, 5 de maio de 2023

A MP 1.151 e a Lei de Gestão de Florestas protegem as comunidades tradicionais?

A qualquer momento, pode ser votada no Senado a Medida Provisória (MP) 1.151/2022, que pretende ampliar o rol de atividades alvo de concessão em florestas públicas. Além da exploração madeireira, a medida prevê a possibilidade do manejo de animais, da pesca, do uso da biodiversidade e patrimônio genético, da geração e venda de créditos de carbono. Se for aprovada como está, a MP segue à sanção presidencial. Caso seja alterada, será novamente analisada pela Câmara. 

Para os defensores da proposta, a extração legal e sustentável da madeira não consegue concorrer com a exploração ilegal e predatória. Seria preciso tornar as concessões mais atrativas economicamente. Daí a ideia de diversificá-las. 

A MP altera a Lei de Gestão Florestal (11.284/2006) e, nesse ponto, acabou por resgatar uma polêmica de 17 anos atrás, quando essa norma foi criada. Assim como no caso da lei de 2006, há várias dúvidas sobre os impactos que a MP pode trazer aos territórios dos povos e comunidades tradicionais e ao seu reconhecimento oficial. 

Tanto a exploração madeireira quanto as outras atividades previstas na MP podem colocar em risco a subsistência e a qualidade de vida dessas comunidades, quando houver sobreposição e conflitos sobre as mesmas áreas. Há ainda várias dúvidas se a MP traria mais dificuldades para o reconhecimento oficial dos territórios tradicionais. Pelo menos é isso o que a experiência vem mostrando. 

A 11.284/2006 traz dispositivos que visam proteger as comunidades tradicionais e seus locais de uso. Apesar disso, inúmeros conflitos entre as áreas destinadas à concessão e os territórios tradicionais de uso das comunidades vem acontecendo.

Segundo o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), em 2020 uma área total de 1 milhão de hectares de florestas públicas estava sob concessão federal, dividida em 18 unidades de manejo localizadas em seis Florestas Nacionais (Flonas): três na Flona do Jamari (RO), quatro na Flona de Saracá-Taquera (PA), duas na Flona de Jacundá (RO), duas na Flona do Crepori (PA), quatro na Flona de Altamira (PA) e três na Flona de Caxiuanã (PA). O SFB é o órgão responsável pelas concessões florestais de acordo com a legislação. 

Vale lembrar, porém, que as Flonas podem abrigar comunidades tradicionais, conforme o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). E é justamente ali onde as concessões vêm sendo realizadas que os conflitos emergem. 

Parte deles tem relação com o não “reconhecimento” dessas populações como “tradicionais”, apesar do Decreto 6.040/2007 (Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais) caracterizá-las como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.” 

É o que acontece, por exemplo, na Flona do Crepori, criada em 2006, no município de Jacareacanga (PA), com 740.661 hectares. As comunidades que a habitam não foram reconhecidas como “tradicionais” pelo Plano de Manejo, o que resultou em áreas concedidas à exploração florestal em territórios de uso tradicional dessas comunidades. 

Isso aconteceu a despeito dessas populações descenderem de seringueiros que chegaram à região na primeira leva de exploradores da borracha, ainda no final do século XIX, e viverem nas margens do Rio Crepori e principalmente do Rio Tropas, ambos com trechos dentro da Flona.

O problema é semelhante na Flona Saracá-Taquera. No Plano Anual de Outorga Florestal (PAOF) de 2007-2008, que transformou essa Unidade de Conservação (UC) em área prioritária para concessão, o SFB omitiu informações acerca das comunidades tradicionais ali existentes. 

As referências às comunidades quilombolas careciam de seus respectivos processos de titulação sobrepostos à Flona e as comunidades ribeirinhas sequer foram mencionadas, além de terem ficado de fora do zoneamento realizado pelo Plano de Manejo. 

A despeito do procedimento administrativo instaurado pelo Ministério Público Federal para apurar o descumprimento do  artigo  6° da Lei de Gestão de Florestas Públicas (veja quadro abaixo), permanece a sobreposição entre áreas exploradas por madeireiras e territórios tradicionalmente ocupados no interior da Flona. Estradas foram abertas nas florestas tradicionalmente manejadas pelas comunidades, máquinas espantaram a caça, árvores importantes para construções e para a alimentação foram abatidas.

As Florestas Estaduais (Flotas) padecem do mesmo tipo de problema, que pode ser ilustrado pelo caso da Flota do Paru. Esta UC foi criada pelo governo do Pará, em 2006, com uma área de 3,6 milhões de hectares, abrangendo porções dos municípios de Monte Alegre, Alenquer, Almeirim, Prainha e Óbidos. 

A área tem a presença de balateiros, extrativistas de balata. Com a substituição dessa matéria-prima por materiais sintéticos na indústria, eles passaram a usá-la para produzir artesanato. O Plano de Manejo da Flota simplesmente ignora essas e outras comunidades extrativistas. Consequentemente, vários conflitos entre a concessionária e essas populações emergiram.

Historicamente, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outros agricultores familiares acessam o Ministério Público quando não conseguem criar espaço para influenciar decisões governamentais, e isso aconteceu em quase todos os casos de concessões florestais no Brasil. 

Tal situação sinaliza uma brecha na lei, que ou não tem dispositivos que impeçam a inviabilização da manutenção das comunidades locais ou não possui mecanismos de controle para evitar concessões sobrepostas aos territórios tradicionais.

Diante de tantos conflitos, torna-se  imperativo que a nova lei seja acompanhada de salvaguardas adequadas para a proteção dos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Seria de se esperar uma regulamentação que estabeleça a titularidade dos vários atores que vivem e manejam florestas, e não apenas para empresas concessionárias. 

É essencial reconhecer sua presença nessas unidades de conservação concedidas à exploração florestal, sob pena de seguirmos sendo racistas e coloniais. A Lei de Gestão de Florestas se revelou um desastre para muitas comunidades. É hora de corrigir esse cenário com a nova lei, ao invés de agravá-lo.

 

Ø  Para cumprir meta de reflorestamento, Brasil precisaria plantar 8 bilhões de árvores

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou recentemente a retomada do compromisso de reflorestar 12 milhões de hectares de vegetação nativa no país, assumido no âmbito do Acordo de Paris, em 2015, mas nunca de fato implementado. Falta ele detalhar, no entanto, como seu governo pretende cumprir essa meta desafiadora. Para especialista, será necessária a estruturação de uma “indústria de recuperação florestal no país”.

Desde o início de 2016, quando o Acordo de Paris passou a vigorar, o Brasil restaurou ativamente, por meio do plantio de árvores nativas, apenas 79 mil hectares, ou 0,65% da meta brasileira, segundo cálculos do Observatório da Restauração e Reflorestamento

A iniciativa, coordenada pela Coalização Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, diferencia as áreas em restauração – quando há o plantio ativo de mudas e que contabilizam os 79 mil hectares citados acima – e as áreas em regeneração natural, que somam hoje cerca de 11 milhões de hectares.

Segundo Sérgio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, se toda a área prevista no compromisso brasileiro fosse reflorestada de forma ativa, seriam necessárias 8 bilhões de árvores. 

“O anúncio do presidente Lula é fundamental para que a gente tenha uma perspectiva de que vamos sair desse índice absolutamente irrisório, insignificante, indigente que temos [de reflorestamento], diante de uma meta de 12 milhões de hectares”, diz.

Leitão ressalta que, para dar conta da meta, seria necessário um esforço conjunto de vários órgãos estatais na estruturação de um “sistema de recuperação florestal” no país, onde os Ministérios da Fazenda, Agricultura e Meio Ambiente, o BNDES e outros bancos de fomento na Amazônia atuassem ativamente.

“Nós não fizemos nenhum investimento para estruturar um sistema de recuperação de florestas tropicais, não existem mudas, não existem sementes, não existe financiamento. E isso, se não for feito, é impossível que o país dê conta. Quando a gente fala 12 milhões de hectares de floresta, nós estamos falando de oito bilhões de árvores, nós estamos falando de plantar uma área do tamanho da Inglaterra”, diz.

Atualmente, o Instituto Escolhas – voltado para a geração de estudos e pesquisas em economia e meio ambiente – trabalha na análise de quanto a tarefa demandaria em termos financeiros. Em 2015, quando a meta de restauração foi anunciada, essa cifra estava em R$ 52 bilhões.

Além do ponto de vista climático, investimentos em reflorestamento também significam geração de empregos e movimentação da economia, diz Leitão. Em meados de março, o Instituto Escolhas lançou um estudo mostrando o impacto da restauração florestal em estados amazônicos.

No Pará, por exemplo, a recuperação de 5,9 milhões de hectares de florestas tem o potencial de geração de R$ 13,6 bilhões em receita, geração de 1 milhão de empregos e redução de 50% no índice de pobreza no estado.

Enquanto isso, no Maranhão, a recuperação de 1,9 milhão de hectares de florestas poderia gerar R$4,6 bilhões de receita, criar 350 mil empregos diretos e reduzir em 21,5% o índice de pobreza no estado.

“É necessário um conjunto de esforços para que o Brasil estruture uma indústria de recuperação florestal. Ou a gente encara isso como uma atividade em escala industrial, ou ela [restauração] nunca irá acontecer”, finaliza Leitão.

 

Fonte: ((o))eco

 

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