Vacina contra
poliomielite: entenda os riscos de não imunizar crianças contra a doença
Diante da baixa adesão, o Ministério da Saúde
decidiu prorrogar a campanha de vacinação contra a doença poliomielite até o
dia 30 de setembro.
Até
a última sexta-feira, dados do Ministério da Saúde indicavam que apenas 30% do
público-alvo havia recebido a imunização - cerca de 3,5 milhões de crianças -
quando o número esperado era de 11,5 milhões. Roraima, Acre e Rio de Janeiro
registraram apenas 12% de cobertura na campanha.
A
doença tem consequências graves e é considerada erradicada no Brasil desde
1989, mas há risco de surgimento de novos casos devido à baixa adesão vacinal.
Na
campanha, crianças com menos de cinco anos poderão se vacinar e, em paralelo,
menores de 15 anos também têm a chance de atualizar a caderneta vacinal. As
imunizações são feitas gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
A
faixa de cobertura vacinal recomendada para a poliomielite, de acordo com a
Fiocruz, é de 80%. Em 2021, a imunização contra a poliomielite foi de apenas
67,1%.
"Um
dos motivos prováveis dessa queda vacinal é a falsa sensação de proteção de
doenças que não conhecem. A pólio, junto com sarampo, já foi uma das principais
doenças da infância em índice de sequelas e de mortes, mas os pais e tutores de
hoje em dia são de uma geração que foi muito vacinada, e por isso, não têm
experiência com a doença", aponta Juarez Cunha, presidente da SBIm
(Sociedade Brasileira de Imunizações).
·
O que pode acontecer com quem não é vacinado contra a
poliomielite
A
poliomielite é uma doença infecto-contagiosa causada por um vírus que vive no
intestino, chamado poliovírus (existente nos sorotipos 1, 2 e 3). O agente é
capaz de infectar crianças e adultos por meio do contato direto com fezes ou
com secreções eliminadas pela boca das pessoas infectadas.
Quando
se trata de uma pessoa sem histórico de vacinação, ou seja, sem a proteção
imunológica contra o poliovírus, após uma infecção, o agente começa a se
multiplicar livremente na garganta ou nos intestinos.
Em
seguida, o vírus chega à corrente sanguínea e, se o quadro não for tratado a
tempo, pode atingir o cérebro, causando a chamada "infecção
paralítica".
Nesses
casos, mais raros, mas que podem causar sequelas irreversíveis, o vírus ataca o
sistema nervoso destruindo os neurônios motores e provoca paralisia nos membros
inferiores.
Foi
o que aconteceu com a célebre artista mexicana Frida Kahlo, que teve pólio aos
seis anos de idade e acabou com sequelas permanentes nos movimentos das pernas.
Posteriormente, por complicações da doença, a pintora ainda precisou amputar os
dedos do pé e, depois, uma das pernas.
Outra
possibilidade é que o vírus, depois de chegar ao cérebro, cause meningite,
inflamação das membranas que revestem o cérebro e a medula espinhal, que tem
como principais sintomas a febre, rigidez da nuca e náuseas.
Se
não for tratado adequadamente, o quadro de meningite também pode causar
sequelas. Entre elas, a perda de audição e visão parcial ou total, epilepsia e
paralisia em um ou ambos os lados do corpo.
Já
se forem infectadas as células dos centros nervosos que controlam os músculos
respiratórios e da deglutição, a doença pode afetar a capacidade da pessoa em
respirar de forma normal e se alimentar, podendo levar à morte.
"As
consequências da doença eram muito importantes e impactaram a vida de muitos
brasileiros no passado, já que praticamente todo mundo tinha alguém na família
que sofreu com a doença ou pelo menos conhecia alguém que foi infectado antes
da erradicação da doença", indica o presidente da SBIm.
·
Por que a pólio pode voltar se a doença já estava
erradicada?
O
Brasil é um dos oito países sul-americanos que apresentam alto risco de volta
da poliomielite, segundo relatório divulgado pela Opas (Organização
Pan-Americana de Saúde) em 2021.
Hoje,
a doença só existe de forma endêmica (circulando o ano todo), no Afeganistão e
no Paquistão países vizinhos na Ásia Meridional.
Mas
a poliomielite tem aparecido na forma de "derivado vacinal" nos
Estados Unidos, Israel, Inglaterra e outros países, o que acende um alerta para
o mundo todo.
São
chamados de "derivados da vacina" os vírus que circulam a partir de
uma forma modificada do vírus originalmente contido na VOP (a vacina oral da
poliomielite).
Conforme
explica Juarez Cunha, quando uma criança recebe a vacina oral (usada no Brasil
somente para as doses de reforço), que utiliza o vírus atenuado (vivo, mas
enfraquecido), parte desse vírus pode sair nas fezes e acabar no esgoto, como
foi observado em Londres no último mês de junho, aumentando o
risco de infecção para quem não foi vacinado.
De
acordo com um documento da "Polio Global Eradication Initiative", uma
iniciativa da OMS para a erradicação da doença, em raras ocasiões, quando se
replicam no intestino humano, as estirpes da VOP sofrem mutações genéticas e
podem propagar-se nas comunidades que não estejam totalmente vacinadas contra a
pólio, especialmente nas zonas onde não haja uma boa higiene, onde o saneamento
seja deficiente ou onde exista sobrepovoamento.
"Outras
mutações ocorrem à medida que estes vírus se propagam de pessoa para pessoa e,
se um deles conseguir continuar a propagar-se numa população subvacinada,
poderá, com o tempo, sofrer mutação genética até o ponto de recuperar a
capacidade de causar paralisia", diz o documento.
A
experiência demonstra que uma baixa cobertura vacinal contra a pólio é o
principal fator de risco para a emergência e propagação de um surto por
derivados da vacina.
Se
a vacina oral for administrada apenas a algumas pessoas numa grande população
suscetível, o vírus da vacina pode continuar a se multiplicar, mudar
geneticamente e infectar não vacinadas. Já uma população que tenha sido
amplamente vacinada estará protegida contra a mutação e propagação do vírus.
"Para
isso, a cobertura vacinal precisa ser melhor em muitos países, inclusive o
Brasil, que antes de 2015 era considerado um exemplo a ser seguido em termos de
imunização contra a pólio", aponta Gislayne Castro e Souza de Nieto,
pediatra e neonatologista e professora do curso de Medicina da Universidade
Positivo, em Curitiba, no Paraná.
Ambos
os especialistas consultados pela BBC News Brasil apontam que, no futuro, a
tendência é que somente vacinas de vírus inativados sejam usadas — no Brasil e
em todos os outros países.
Mas
essa é uma mudança que deve acontecer de forma gradual, e enquanto não é
concluída, todos os locais onde há baixa cobertura vacinal estão em risco.
"Nos EUA, só o imunizante com vírus inativado é usado, mas ainda assim foi
notificado um caso de infecção por derivado da vacina. Provavelmente se deu por
alguém que viajou", aponta Cunha.
Além
da necessidade de alta cobertura vacinal, outro ponto importante no combate de
novos surtos é vigilância das "paralisias flácidas", como são
chamados os casos de perda de movimentos causados pela pólio. "É
importante checar se são motivados pela doença, mas essa é uma vigilância que
não estamos conseguimos fazer no Brasil", indica.
Por
fim, a falta de uma vigilância ambiental ativa que verifique constantemente se
há poliovírus circulando nos esgotos também contribui para que o Brasil fique
mais suscetível a novos casos.
·
Como receber a vacina contra a poliomielite e outras
doenças
A
vacinação é a única forma de prevenção da poliomielite. Para que a criança
receba o imunizante, basta que seu responsável legal a leve até um posto de
vacinação.
A
campanha nacional contra a pólio busca alcançar crianças menores de cinco anos
que ainda não foram vacinadas com as primeiras doses do imunizante (que é
aplicado aos 2, 4 e 6 meses de idade por meio de injeção intramuscular) ou que
ainda não tomaram as doses de reforço com a vacina oral bivalente - VOP
(gotinha).
Para
adolescentes menores de 15 anos, os imunizantes disponíveis nos postos de
vacinação são contra a hepatite, pneumonia, rotavírus, febre amarela, sarampo,
caxumba, rubéola, varicela, HPV, difteria, meningite, entre outras.
Fonte:
BBC News Brasil
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