Saiba em que
estágio está a ciência na luta contra o Alzheimer
O
neurologista Rudy Tanzi ainda era um estudante de pós-graduação na Harvard Medical
School quando ajudou a identificar o primeiro gene associado à doença de Alzheimer hereditária —
precursor da proteína beta-amiloide, ou APP.
“Era o verão de 86. Eu tinha 27 anos”, lembra
Tanzi. “Lembro-me de pensar que, pela primeira vez desde quando o médico Alois
Alzheimer descreveu o amiloide em 1906, temos uma pista de suas origens”.
As
descobertas nunca pararam. Cientistas de todo o mundo continuaram a
desconstruir a base genética dessa doença dolorosa que rouba a mente, deixando
o corpo vazio de seu antigo eu.
Outros
42 genes ligados ao desenvolvimento da doença de Alzheimer foram descobertos em
2022, elevando o total para 75. Pouco depois dessa revelação, outro gene
chamado MGMT foi identificado — e este pode explicar por que as mulheres são
dois terços mais propensas a ser diagnosticadas com Alzheimer do que os
homens.
“É
uma descoberta específica para mulheres — talvez uma das associações mais
fortes de um fator de risco genético para a doença de Alzheimer em mulheres”,
disse a coautora sênior do estudo, Lindsay Farrer, chefe de genética biomédica
da Escola de Medicina da Universidade de Boston, à CNN.
·
Muitos caminhos levam ao Alzheimer
Com
tantos genes contribuindo para o desenvolvimento da doença de Alzheimer e
outros tipos de demência, os cientistas
estão convencidos de que a jornada de cada pessoa pode ser diferente.
“Existe
um ditado: uma vez que você viu uma pessoa com Alzheimer, você viu uma pessoa
com Alzheimer”, disse Richard Isaacson, diretor da Clínica de Prevenção de
Alzheimer no Centro de Saúde do Cérebro da Faculdade de Medicina Charles E.
Schmidt, da Universidade Atlântica da Flórida.
“A
doença de Alzheimer é uma doença multifatorial, composta por diferentes
patologias, e cada pessoa tem seu próprio caminho. A doença se apresenta de
forma diferente e progride de forma diferente em pessoas diferentes”.
Uma
via genética chave é a APOE ε4, uma variante do gene responsável pela
codificação de proteínas que transportam colesterol no cérebro. Ter uma cópia
do gene coloca as pessoas com mais de 65 anos em perigo, enquanto ter duas
cópias é considerado o fator de risco mais forte para o desenvolvimento futuro
da doença de Alzheimer nessa faixa etária.
Mas
não é uma certeza. Algumas pessoas com APOE ε4 não desenvolvem a doença de
Alzheimer, enquanto outras sem o gene podem se encontrar com os sinais
característicos de emaranhados de tau e placas beta amilóides.
Outro
caminho para a doença de Alzheimer é a inflamação, “que é comum a todas as
doenças crônicas”, disse Farrer. Vários novos genes descobertos este ano
parecem desempenhar um papel na forma como o sistema imunológico do corpo
remove células danificadas do cérebro.
Um aumento no financiamento
Para
reforçar a pesquisa, o financiamento
federal nos Estados Unidos para a
pesquisa de Alzheimer aumentou sete vezes desde 2011, para mais de US$ 3,4
bilhões anualmente, disse Rebecca Edelmayer, diretora sênior de engajamento
científico da Alzheimer’s Association.
Um
foco da pesquisa é encontrar terapias que tenham como alvo o sistema
imunológico, bem como a inflamação no cérebro, disse Edelmayer, enquanto outras
pesquisas investigam o metabolismo celular e como as células usam energia.
Os
cientistas também estão tentando entender mais sobre como as células cerebrais
estão conectadas e se comunicam por meio de sinapses, e “estamos até vendo
investigações que analisam a conexão intestinal e cerebral, o que é outra
abordagem interessante”, disse ela.
Os
pesquisadores estão correndo para encontrar avanços no tratamento, auxiliados
por financiamento adicional nos últimos anos dos setores público e privado,
acrescentou Edelmayer. Somente a Alzheimer’s Association, com sede em Chicago,
está fornecendo mais de US$ 300 milhões em financiamento para mais de 920
projetos em 45 países.
“Queremos
nos concentrar em estratégias que sejam culturalmente apropriadas, mas também
eficazes e escaláveis em todo o mundo”, disse Edelmayer.
·
Procurando por drogas existentes
Outro
foco de pesquisa é o exame de drogas existentes que possam impedir que o
Alzheimer se enraíze no cérebro.
Em
seu laboratório, Tanzi, da Harvard, usa minúsculos organoides compostos de
células cerebrais humanas que podem desenvolver as típicas placas amiloides e
emaranhados de tau da doença de Alzheimer em pouco mais de um mês. Tanzi e os
cocriadores de Harvard, Doo Yeon Kim e Se Hoon Choi, publicaram um artigo
seminal sobre sua descoberta em 2014, apelidando-o de “Alzheimer em um prato”.
Tanzi
e sua equipe passaram sete anos testando drogas que a agência reguladora, Food
and Drug Administration (FDA), dos EUA já aprovou. Como o FDA já verificou a
segurança desses medicamentos, encontrar um candidato desse grupo aceleraria a
aprovação federal do medicamento para a doença de Alzheimer, levando os
tratamentos aos pacientes mais rapidamente, disse ele.
Tanzi
também testou produtos naturais, como ervas, especiarias, vitaminas, minerais e
antioxidantes, por sua capacidade de afetar as placas e emaranhados em sua
criação de minicérebros.
“Conseguimos
rastrear rapidamente todos os medicamentos aprovados e mais de 1 mil produtos
naturais”, disse Tanzi. “E agora temos mais de 150 medicamentos identificados e
produtos naturais que podem ser testados em ensaios clínicos para atingir
placas, emaranhados ou neuroinflamação”.
Ele
e sua equipe do MassGeneral Institute for Neurodegenerative Disease, em Boston,
esperam iniciar em breve os ensaios clínicos e colaborar com outros cientistas
para ver quais dos potenciais candidatos podem apresentar resultados.
“Trata-se
de encontrar a pessoa certa com a droga certa, no momento certo no curso de sua
doença”, disse ele à CNN.
“Muitas
pessoas podem não saber disso, mas depois dos 40 anos, quase todos nós
começamos a desenvolver a patologia inicial do Alzheimer, que é a placa
amiloide no cérebro e os emaranhados neurofibrilares”, continuou ele. “É parte
da vida, assim como a maioria de nós começa a acumular um pouco de placa nas
artérias por causa do colesterol”.
De
fato, Tanzi estima que cerca de 30 milhões a 40 milhões de americanos têm
amiloide suficiente em seus cérebros agora para se beneficiar de uma droga para
reduzi-los — se a ciência tivesse a
capacidade de fazê-lo de forma segura e acessível.
“Gosto
de dizer que o amiloide é como o fósforo, e os emaranhados são como incêndios
que se propagam e se espalham por décadas”, disse Tanzi. “E ao longo do caminho
você está provocando grandes incêndios florestais, isso é neuroinflamação”.
No
momento em que uma pessoa mostra quaisquer sinais de declínio cognitivo, ele
acrescentou, “o incêndio florestal da neuroinflamação está em chamas”, e é
tarde demais para resgatar o cérebro de forma significativa e melhorar as
habilidades de pensamento e memória.
“O
elefante na sala é que esperamos até que o cérebro se deteriore ao ponto de disfunção
antes de tratarmos esta doença”, disse Tanzi. “É como dizer: espere até perder
metade das células beta do pâncreas antes de diagnosticar o diabetes”.
Uma
das razões pelas quais os ensaios clínicos de medicamentos nas últimas décadas
não conseguiram controlar o acúmulo de amiloide foi porque muitos dos
participantes do estudo estavam em estágios mais avançados da doença, quando
“destruição demais já foi feita”, disse Edelmayer.
“Remover
amiloide naquela época não foi necessariamente útil”, disse ela. “Levamos algum
tempo para realmente entender em que ponto do processo da doença precisamos
direcionar especificamente amiloide com drogas”.
Caso
em questão: o controverso medicamento de remoção de amiloide, aducanumab,
vendido sob a marca Aduhelm, foi testado apenas em pessoas com comprometimento
cognitivo leve. A FDA aprovou o uso do aducanumab em 2021, apesar do fato de
que todos, exceto um membro de um júri de especialistas independentes
encarregados de revisar a eficácia do medicamento, votaram contra sua
aprovação.
Embora
o aducanumab tenha removido o amiloide, o ensaio clínico mostrou apenas uma
pequena melhora na cognição em um subgrupo de pacientes. Alguns médicos e
instituições médicas em todo o país decidiram não oferecer aducanumab a seus
pacientes depois de equilibrar o fraco desempenho do medicamento com custo e
efeitos colaterais significativos.
Em
abril, o Medicare anunciou que só cobriria o custo do medicamento de US$ 56 mil
por ano se a pessoa estivesse inscrita em um estudo aprovado pelos Centros de
Serviços Medicare e Medicaid. No mesmo mês, a Biogen, empresa que desenvolveu o
medicamento, desistiu de obter a aprovação do medicamento na União Europeia. Em
maio, a empresa anunciou que deixaria de apoiar o medicamento.
“Quero
deixar claro para as pessoas que, para acabar com o Alzheimer, precisamos de
detecção precoce, intervenção precoce cerca de 10, 20 anos antes que os
sintomas apareçam”, disse Tanzi. “E como ficam os 6 milhões de pessoas neste
país com esta doença agora? Para eles, precisamos apagar incêndio, parar a
neuroinflamação, parar a morte de neurônios”.
·
Intervenções no estilo de vida
Ferramentas
de triagem para Alzheimer acelerariam a pesquisa e ajudariam os médicos a
encontrar casos da doença em um estágio inicial. No entanto, a maioria dos
testes atuais são invasivos, como punções lombares, ou extremamente caros, como
tomografia por emissão de pósitrons, que as seguradoras de saúde geralmente se
recusam a cobrir.
“No
final, precisamos de ferramentas de triagem que sejam escaláveis, não invasivas
e certamente algo que seja econômico para os pacientes e suas famílias”, disse
Edelmayer. “Um exame de sangue é realmente o santo graal se pudermos chegar lá.
Ainda não chegamos lá, mas estamos chegando mais perto. Pergunte-me daqui a dois
anos”.
Os
métodos preventivos são o foco principal de grande parte das pesquisas atuais.
Mudanças no estilo de vida, como exercícios físicos,
comer uma dieta baseada em vegetais, lidar com os déficits de sono,
reduzir o estresse,
melhorar as conexões sociais e o engajamento e alguns tipos de treinamento
cognitivo estão mostrando resultados impressionantes para as pessoas no início
do processo da doença.
Manter
o colesterol e o açúcar no sangue sob controle em idades precoces também são
fundamentais para uma boa saúde do cérebro.
Dois
estudos recentes nos EUA mostraram que essas intervenções no estilo de vida, juntamente com
medicamentos, vitaminas e suplementos, podem prevenir o declínio e também
melhorar a memória e as habilidades do cérebro.
“Na
verdade, houve melhorias cognitivas aos 18 meses em mulheres e homens quando
comparados às populações de controle”, disse Isaacson, autor dos estudos. Mesmo
as pessoas que carregavam o gene APOE ε4 da doença de Alzheimer, que aumenta o
risco de demência mais tarde na vida, viram benefícios na cognição, disse ele.
Mais
de 25 países estão realizando intervenções multidomínio no estilo de vida
semelhantes como parte da rede World Wide FINGER, disse Edelmayer. FINGER, vem
do inglês e significa Estudo de Intervenção Geriátrica Finlandês para Prevenir
Deficiências Cognitivas e Outras Deficiências. As pessoas que participaram
melhoraram sua cognição em 25% em dois anos, de acordo com o estudo.
“Sou
muito cauteloso ao usar palavras como cura”, disse Isaacson. “Mas quando usamos
todas essas várias ferramentas cedo, durante os anos de pré-demência, acho que
a prevenção é a cura. E espero que a redução do risco possa atrasar a patologia
por tempo suficiente para que a pessoa morra de outra coisa antes de
desenvolver demência”.
Todas
essas abordagens de pesquisa estão “nos levando ao limiar de uma nova era
transformadora na pesquisa de Alzheimer”, disse Edelmayer. “Agora, estamos
apenas lutando contra o tempo, especialmente para aqueles que atualmente vivem
com a doença”.
Fonte:
CNN Brasil
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