domingo, 30 de abril de 2023

PL das Fake News traz imunidade parlamentar e é criticado

O parecer do PL das Fake News, apresentado na noite da última quinta-feira (27) pelo relator Orlando Silva (PCdoB-SP), já está repercutindo entre algumas das mais de 100 Organizações da sociedade civil e entidades acadêmicas que integram a Sala de Articulação contra a Desinformação (SAD).

Uma dessas entidades é o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. Segundo a coordenadora executiva da entidade, Ramênia Vieira, um documento detalhado sobre o parecer apresentado para o PL das Fake News será divulgado em breve. Ela, no entanto, adiantou à Agência Brasil algumas críticas ao texto. Entre elas, a questão da imunidade parlamentar, que poderá ser estendida a conteúdos publicados por deputados e senadores em redes sociais e em mensagens privadas.

 “A gente já percebeu que, dentro da Câmara dos Deputados, está bem difícil de debater essa questão”, disse. Ela afirmou que essa garantia de imunidade cria uma categoria de usuários acima do restante da população. “Parece uma autorização para que os parlamentares, que são grandes propagadores de desinformação, continuem usando suas redes para distribuir essa desinformação”, complementou.

Religiões

Ramênia também chama atenção para um outro ponto que, de acordo com o Intervozes, causa preocupação: a possibilidade de se criar uma “imunidade religiosa”. Algo que, segundo ela, tem como origem a recente “campanha de desinformação” que usou redes sociais para espalhar a falsa notícia de que trechos da bíblia seriam proibidos nas redes sociais.

“A gente vê essa imunidade religiosa com preocupação, porque poderá ser usada para justificar discursos religiosos em ataques a comunidades LGBTQIA+, religiões de matizes africanas e contra o movimento negro, entre tantos outros grupos, como já vemos nas redes sociais”, explicou. Em seu artigo 1º, o projeto garante a livre manifestação religiosa, dentre outras formas de manifestação, como artística e política.

•        Limitações

Coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, Maria Mello diz que o projeto está limitado ao escopo de redes sociais, ferramentas de busca e mensageria instantânea, e que, dessa forma, acaba por excluir “outros produtos e serviços digitais que podem conter padrões enganosos e de manipulação”, como dispositivos inteligentes, sites e jogos eletrônicos, que são muito voltados a crianças e adolescentes.

•        Órgão regulador

Sobre a questão do órgão regulador, o Intervozes tem ser a favor de “um mecanismo de regulação; uma entidade reguladora que seja autônoma, e que ela seja criada exatamente com esse objetivo”, uma vez que não existe, atualmente, uma entidade com “formação técnica e cuidado para ser um órgão realmente efetivador dos direitos digitais”. A previsão de criação desse órgão, porém, não foi incluída no relatório de Orlando Silva.

“A Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações] já tem vários problemas como entidade reguladora das telecomunicações no Brasil, e não tem essa expertise para regulação da internet. Por isso a excluímos completamente deste papel”, acrescentou.

A avaliação de que a Anatel não deve exercer esse papel de órgão regulador é corroborada pela Coalizão Direitos na Rede, entidade que também integra a SAD.

Segundo a integrante da Coalizão – e presidente do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife – Raquel Saraiva, a Anatel tem “falhado recorrentemente” no cumprimento de suas atribuições no setor de telecomunicações.

Além disso, acrescentou, “a Anatel é historicamente refratária à participação da sociedade civil, o que é incompatível com o modelo de governança multissetorial e colaborativa da internet no país”.

“Atribuir a regulação das plataformas a essa agência poderá agravar o cenário, prejudicando o avanço da conectividade significativa no Brasil, e levando os interesses econômicos das plataformas e empresas de telecomunicações a prevalecerem sobre os interesses dos usuários”, complementou.

•        Conquistas

Na avaliação do Intervozes, o texto, de uma forma geral, “vem com várias conquistas importantes”. Ramênia Vieira citou, por exemplo, a questão da transparência de procedimentos.

“A gente vê que a relatoria do projeto fez um grande trabalho ao dar maior transparência para o cidadão. Dá, também, mais poder para reivindicar junto às plataformas, porque hoje não há nada nesse sentido. O cidadão não tem a quem recorrer e não tem direito de recurso. E não há transparência de moderação para se saber os motivos de retirada de conteúdos. Acho que a relatoria conseguiu melhorar e mitigar alguns dos problemas que existem”, concluiu.

Maria Mello, do Instituto Alana, destaca que em relação ao tema de crianças e adolescentes, o texto atual é “bastante bem-vindo” por apresentar parâmetros de serviços positivos para o público infantil e por adotar medidas que asseguram privacidade, proteção de dados e segurança desse público.

O texto do parecer prevê, segundo ela, a possibilidade de vedar a criação de perfis comportamentais de usuários crianças e adolescentes. “A adoção e o aprimoramento dos sistemas de verificação da idade; o desenvolvimento e promoção de ferramentas de controle parental; a notificação de abusos e a busca de apoio por parte de crianças e adolescentes são, também, pontos positivos”, acrescentou.

A Agência Brasil entrou em contato com outras entidades ligadas à Sala de Articulação contra a Desinformação. Elas informaram que o parecer do PL das Fake News está sendo avaliado e que, em breve, serão apresentadas novas manifestações.

Relatório

Na véspera da apresentação do parecer, as entidades divulgaram um documento conjunto sobre a regulação das plataformas digitais no Brasil, no qual apresentam seis pontos considerados essenciais para a para a construção de um “ambiente digital democrático, seguro e saudável”.

O maior destaque foi dado à necessidade de criação de um “órgão regulador independente e autônomo” – que acabou sendo retirado da atual versão apresentada por Orlando Silva, para evitar maiores dificuldades na tramitação da matéria.

Entre as reivindicações feitas pelas entidades integrantes da SAD estão, também, a ampliação das exigências de transparências das plataformas digitais; a responsabilização dos provedores pelos conteúdos impulsionados; exigir obrigações específicas para violência política e desinformação socioambiental; ações de fomento à educação; e avanços na regulação econômica.

 

       Perda financeira motivou traições no projeto das fake news

 

Partidos como União Brasil, PL e Republicanos descobriram que as traições na votação da urgência do projeto de lei das fake news ocorreram porque parte de seus quadros vislumbrou prejuízos financeiros para as redes que apoiam Jair Bolsonaro.

Para deputados que votaram contra a urgência –e que também são contrários ao projeto–, os canais bolsonaristas geram tanto engajamento e visualizações que acabaram abocanhando parte substancial dos anúncios fora da mídia tradicional em canais do Youtube, por exemplo.

Não se sabe o tamanho desse mercado, mas esses deputados não querem, nas palavras de um líder partidário que não quis se identificar, dar um tiro no pé.

•        Presidente do Republicanos age para conter rebelião e diz que bancada votará contra PL das fake news

O presidente do Republicanos, Marcos Pereira, anunciou neste sábado, 29, que a bancada do partido na Câmara votará contra o projeto de lei das fake news. O movimento de Pereira, que é vice-presidente da Câmara, ocorre para conter uma crise na legenda – após a maioria da bancada ter votado a favor da tramitação do texto em regime de urgência – e cria dificuldades para o Palácio do Planalto.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conta com a aprovação do projeto na próxima terça-feira, 2. A proposta estabelece a regulação das plataformas digitais e obrigações aos provedores de redes sociais, mas sofre forte oposição das chamadas big techs, como Google e Tik Tok, e também do segmento evangélico.

O Republicanos tem ligações com a Igreja Universal do Reino de Deus e muitos de seus parlamentares são evangélicos. O partido também abriga o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, visto como possível candidato à sucessão de Lula, em 2026, caso o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) fique inelegível.

Cabo de guerra

Na prática, a votação do projeto de lei das fake news virou um cabo de guerra entre aliados do governo e oposição. O argumento oficial para que evangélicos sejam contra a proposta é o de que há ali “censura” à liberdade religiosa.

Nos últimos dias, o deputado Orlando Silva (PC do B-SP), relator do projeto, fez várias mudanças no texto, na tentativa de conter resistências. Incluiu, por exemplo, um trecho segundo o qual a lei deve observar “o livre exercício da expressão e dos cultos religiosos (...) e a exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados”. Além disso, retirou da proposta a criação de uma agência reguladora de supervisão das plataformas digitais, batizado ironicamente pela oposição de “Ministério da Verdade”.

Mesmo assim, a cúpula do Republicanos – que apoiou a reeleição de Bolsonaro, no ano passado – considerou as mudanças insuficientes. Nos bastidores, o partido negocia com o Planalto apoio a um projeto que amplia a isenção de impostos para igrejas.

 “A decisão do Republicanos é votar não ao projeto das fake new”, afirmou Marcos Pereira, que também é bispo licenciado da Universal. “Tem de ter, sim, uma regulamentação sobre o assunto (fake news nas redes sociais), mas não esta que está sendo proposta no momento (...). O texto continua ruim”, emendou Pereira, em vídeo postado nas redes sociais.

•        Centrão

Com uma bancada de 42 deputados, o partido sempre compôs o núcleo duro do Centrão com o PP do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), e o PL de Bolsonaro. Recentemente, porém, formou um bloco de 142 parlamentares com siglas como MDB e PSD, cada uma delas com três ministérios no governo. Pereira é pré-candidato ao comando da Câmara, em 2025.

A articulação do Republicanos fez Lira montar um grupo ainda maior – o chamado “blocão”, com 174 deputados –, isolando o PT de Lula e o PL de Bolsonaro.

Agora, seis deputados dissidentes do União Brasil, partido que integra o “blocão” de Lira, querem migrar para o Republicanos. No grupo está a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, que é deputada licenciada e também entrou com ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para se desfiliar do União Brasil sem perder o mandato.

Daniela pretende se filiar ao Republicanos, que, nesse caso, poderá fazer parte da base aliada de Lula no Congresso. Atualmente, o partido se declara independente em relação ao Planalto.

Filiada ao Republicanos, a senadora Damares Alves (DF), disse não entender a urgência para votar o projeto das fake news.

“Acho estranha a pressa. Será que querem nos calar durante a CPMI?”, perguntou ela, numa referência à Comissão Parlamentar de Inquérito que vai investigar os ataques de 8 de janeiro, na Praça dos Três Poderes.

Ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no governo Bolsonaro, Damares defendeu mais tempo para a apreciação do projeto, alegando que o tema é delicado. “De 2019 para cá, eu tenho sido uma das maiores vítimas do ódio e das ameaças nas redes sociais, mas não posso deixar que a minha dor seja maior que a coerência. Nós temos liberdades e conquistas que precisam ser respeitadas”, afirmou a senadora.

Na avaliação da senadora, as plataformas digitais estão dispostas a colaborar. “Se temos dúvida de que o efeito (do projeto de lei) não é o que esperamos, é melhor recuar e estudar mais o tema. Isso não quer dizer que a gente não terá, num outro momento, que melhorar o que está acontecendo nas redes”, argumentou.

 

       PL das Fake News é vago, e plataforma já modera conteúdo, diz diretor do Google

 

 O diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas do Google Brasil, Marcelo Lacerda, avalia que o PL das Fake News é vago. Ele também defende que a empresa já adota medidas para moderar conteúdo de ódio e que a responsabilidade por violência nas escolas não é só das plataformas.

Lacerda tece uma série de críticas ao projeto relatado pelo deputado Orlando Silva (PC do B-SP), que deve ser votado na próxima terça-feira (2). Segundo ele, o texto deixa incertezas sobre como será feita a regulação das plataformas e se equivoca ao equiparar o cuidado exigido por mecanismos de buscas ao de redes sociais.

A discussão em torno do projeto ganhou força após o ataque a uma escola em São Paulo que terminou com a morte de uma professora e um atentado em creche de Blumenau (SC) que deixou quatro mortos. O argumento é que a regulamentação das redes poderia ajudar a impedir novas ondas de violência.

A movimentação causou reação das big techs, que afirmam que o projeto relatado por Orlando é genérico e que a violência nas escolas é um problema social, não apenas digital.

"A gente está olhando um problema que tem várias facetas sob só um ponto específico. Não adianta a gente só atacar as redes e falar que foram as plataformas [as responsáveis pela violência] quando tem uma série de outras questões que também precisam ser endereçadas, de cunho social, da própria escola, dos próprios pais, e que a gente também ajuda, como a educação midiática", diz à reportagem Lacerda.

"Se a gente olhar isso só sob um aspecto, a gente pode eventualmente resolver ou endurecer [as leis], mas tem uma série de outros aspectos que não vão", continua.

Lacerda defende que o parecer apresentado na noite desta quinta-feira (27) é vago e traz dispositivos que podem ser "perversos".

Quando questionado se as regras de controle interno do Google são suficientes para impedir a disseminação de discurso de ódio na internet, tendo em vista os ataques às escolas, o diretor defendeu que o projeto precisa ser mais debatido e que sempre há espaço para melhorar.

"A questão é que a gente não é contra nenhum tipo de regulação que fale, ‘ok, a partir de agora você vai ter que fazer x, y ou z'. A questão só é que a gente ainda tem dúvidas sobre o texto que está na mesa, se isso realmente vai ter esse efeito positivo que todo mundo está esperando", diz.

"Porque ainda falta mais concretude em vários dos dispositivos que estão lá e, para isso, precisaria de um pouco mais de tempo para entender e discutir se essas soluções que estão na mesa realmente vão dar o resultado esperado", afirma.

Ele diz ainda que o Google, entre março e abril, cumpriu 740 pedidos de acessos a dados das autoridades governamentais relacionados a terrorismo e ataques a escolas. Mas entende que o projeto, da forma como está redigido, abre brechas para que a lei seja usada contra os seus princípios.

 

Fonte: Dinheiro Rural/FolhaPress/Agencia Estado

 

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