Pecuária ocupa 123
mil hectares em terras indígenas, mostra estudo
Publicado
na última quarta-feira (19) pelo De Olho nos Ruralistas, o relatório “Os Invasores: quem são os empresários
brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas” revelou, de forma
inédita, o nome das pessoas físicas e jurídicas por trás de 1.692 casos de
sobreposição de fazendas em terras indígenas (TIs) delimitadas pela Fundação
Nacional do Índio (Funai). Juntas, essas propriedades ocupam 1.187.214,07
hectares dentro de 213 TIs – regularizadas ou não –, conforme dados fundiários
do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Entre
as áreas de imóveis rurais sobrepostas, apenas 18,6% são atualmente destinadas
à produção agropecuária. Desse total, 55,6% são ocupados por pasto, isto é,
123.098,91 hectares — uma área equivalente à do Rio de Janeiro, a capital, dona
da segunda maior população do país. Esses bois em terras indígena ocupam também
um território maior que o de Hong Kong. Ou o da Ilha da Madeira, em Portugal.
Não
são os pequenos criadores de gado que protagonizam as sobreposições. Entre os
pecuaristas estão fornecedores da gigante JBS, com incidência em duas terras
indígenas na região Centro-Oeste. Nomes “estrelados” do mercado financeiro,
como os irmãos Marcelo e Pedro Cerize (este último, dono do portal de notícias
O Antagonista), protagonistas de um conflito histórico na TI Xakriabá, em Minas
Gerais. Empresários do ramo de segurança, incluindo o ex-presidente da
CBC-Taurus, maior produtora de armas e cartuchos do Brasil. E a Frísia
Agroindustrial, uma das principais produtoras de leite do país, ligada ao grupo
francês Lactalis.
Também
participam líderes setoriais, incluindo três sócios da Associação Brasileira
dos Criadores de Zebu (ABCZ) — entre eles um ex-presidente — e diretores de
entidades setoriais do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
DONOS
DE FAZENDA EM TERRA INDÍGENA CONTINUAM A FORNECER PARA A JBS
Nos
últimos vinte anos, o crescimento exponencial da produção pecuária fez o Brasil
se tornar líder mundial na exportação de carne bovina. De acordo com a
Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), cujos membros
respondem por 98% do comércio internacional de carnes bovinas no país, o Brasil
exportou em 2022 em torno de 2 milhões de toneladas de carne in natura, tendo
como principais destinos China, EUA, Chile e União Europeia.
Líder
absoluto no mercado, o frigorífico JBS, dos irmãos Wesley e Joesley Batista,
possui um longo histórico de falhas em sua cadeia de suprimento, servindo de
porta de saída para a comercialização de carnes produzidas em áreas embargadas
por desmatamento, Unidades de Conservação e Terras Indígenas. Em 2022, a
Repórter Brasil mostrou que os pecuaristas Juscelino Dias Moreira e Cleosmar
Antonio Turmina, donos de fazendas incidentes na TI Apyterewá, no Pará, venderam
gado para a JBS de 2018 até, pelo menos, abril de 2022. Após a reportagem, os
dois fornecedores foram bloqueados pelo frigorífico.
Essa
última “limpa” não foi suficiente para eliminar as sobreposições da cadeia de
abastecimento, conforme os dados do Sigef analisados pelo De Olho nos
Ruralistas. Em Santo Antônio do Leverger (MT), a Fazenda Rio Vermelho invade
7,5 hectares do território homologado e regularizado da TI Tereza Cristina, do
povo Bororo. O dono da fazenda é o produtor rural Ario Barnabé Neto, citado em
2021 em um relatório do Greenpeace sobre o mercado de carne no Pantanal mato-grossense
como um fornecedor de primeiro nível da JBS.
Em
2018 e 2019, segundo o Greenpeace, Barnabé remanejou
gado da Fazenda Rio Vermelho para outras fazendas de sua propriedade que
abasteciam unidades de abate do frigorífico. O relatório cita dois embargos do
Ibama: um de 2014, outro de 2018, por desmatamento de vegetação nativa, além de
multas que somam R$ 1,44 milhão. Entre 1º de julho e 27 de outubro de 2020,
pelo menos 2.870 hectares de flora queimaram dentro dos limites da fazenda,
informa o relatório.
A
1.000 quilômetros dali, em Laguna Carapã (MS), a Fazenda Aricuri tem seus 337,5
hectares sobrepostos à TI Dourados-Amambaipeguá I, do povo Guarani Kaiowá,
ainda não demarcada. O imóvel é reclamado pelo presidente da Câmara Setorial da
Cadeia Produtiva de Carne Bovina do Ministério da Agricultura e Pecuária, o
pecuarista André Ribeiro Bartocci. Ele foi nomeado
em 2022 pela ex-ministra — hoje senadora — Tereza Cristina (PL-MS) após exercer
a vice-presidência da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ACNB). Bartocci é o
executivo da ACNB responsável pelo Programa de Qualidade Nelore Natural, uma
parceria da organização com a JBS-Friboi.
BILIONÁRIO
AVANÇA NA TERRA INDÍGENA COMEXATIBÁ
O
empresário mineiro Wilson Lemos de Moraes, fundador do Grupo Supergasbras, já
foi conhecido como o “Rei do Gás”, quando se consolidou como um dos maiores
empresários do ramo na década de 1950. Herdeiro de latifundiários da região de
Cássia (MG), município próximo da divisa com o estado de São Paulo, Wilson Lemos de Moraes construiu fortuna por meio da
pecuária e do comércio de gado. Também teve destaque no ramo do café e no
comércio de máquinas e equipamentos. Quando faleceu, em 2010, seu filho Wilson
Lemos de Moraes Junior se tornou o principal administrador da herança
diversificada deixada pelo empresário, com exceção da Supergasbras, alienada
pela família em 2004 para o grupo holandês SHV Energy.
Em
2021, Wilson Junior estreou no ranking de bilionários brasileiros da Revista Forbes, com fortuna
avaliada em R$ 1,05 bilhão. O empresário investe no agronegócio também com soja
e café. A família é conhecida na alta sociedade carioca, mas boa parte dos
herdeiros cresceu em Los Angeles, Califórnia. João Flávio Lemos de Moraes,
filho do fundador do grupo, foi amigo próximo do cantor Roberto Carlos, que
teria escrito a faixa “O Careta” (1987) em sua homenagem. João Flávio foi interditado
pelo seu histórico de abuso de substâncias, entre elas o crack. A vida do
empresário, habitué de festas de famosos em Beverly Hills, na Califórnia (EUA),
é narrada no livro de sua filha, Isabella Lemos de Moraes, “Agora é viver: A
história de uma família codependente” (2013).
A
família é proprietária de mais de 90% da WLM, que alia o agronegócio à revenda
de caminhões, máquinas e serviços da Scania. A parceria com os suecos inclui os
seguros e financiamentos disponibilizados pelo Scania Banco, comercializados
pela WLM em sua rede de vinte estabelecimentos localizados em cinco estados:
Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Pará e Amapá. O restante das ações da
empresa é vendido na Bovespa. A empresa tem um braço no agronegócio a partir
da Fartura Agropecuária, empresa que cria
mais de 20 mil cabeças de gado em Santana do Araguaia (PA), e da Itapura
Agropecuária, que possui mais de 1 milhão de pés de cafés plantados em Campinas
(SP) e São Sebastião do Paraíso (MG), além de cabeças de gado em Santa
Terezinha (MT).
Apesar
de não constar nas demonstrações financeiras da WLM, outra fazenda herdada pela
família é a Fazenda Cahy, em Prado (BA), registrada em nome de Maria Isbela
Lemos de Moraes, filha do empresário Wilson Lemos de Moraes. Um filho de Maria
Isbela, Don David Lemos de Moraes Magalhães Leite Jayanetti, é o atual
presidente do Conselho de Administração da WLM. Em seu currículo, ele afirma
ter gerenciado a Fazenda Cahy entre 2007 e 2011. A propriedade de 677 hectares
se encontra totalmente sobreposta à TI Comexatibá, no sul da Bahia, onde vive
parte do povo Pataxó.
O
governo federal prorrogou em março a instalação de um gabinete de crise voltado
para o acompanhamento da situação dos Pataxó na região, após o acirramento da
disputa entre indígenas e invasores. Em janeiro, dois jovens foram
assassinados. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciou o
caso na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados
Americanos (OEA).
OBSERVATÓRIO
DESTACARÁ CASOS EM SÉRIE DE REPORTAGENS
As
1.692 sobreposições em terras indígenas reveladas pelo relatório “Os Invasores” comprovam que a
violação dos direitos indígenas não é um mero subproduto do capitalismo
agrário. Entre os atores dessa política de expansão desenfreada sobre os
territórios tracionais estão algumas das principais empresas do agronegócio
brasileiro e global.
Os
casos descritos na pesquisa serão explorados também em uma série de vídeos e
reportagens, publicada pelo observatório, detalhando as principais teias
empresariais e políticas que conectam os “engravatados”, em cada setor econômico,
legal ou ilegal.
Ø
Retomada
da fiscalização ambiental irrita aliados políticos do agronegócio
A
volta da fiscalização ambiental do IBAMA parece que deixou alguns políticos
insatisfeitos, especialmente aqueles ligados às atividades econômicas que vivem
tropeçando quando o assunto é legalidade. O incômodo é maior entre as “viúvas”
do ex-presidente Jair Bolsonaro nos ruralistas, mas aliados políticos do atual
governo também se movimentam para aliviar a barra do agronegócio.
De
acordo com Rubens Valente, da Agência Pública, um grupo formado
por 16 deputados federais, quatro senadores, dois deputados estaduais e
prefeitos de estados amazônicos procuraram o secretário-executivo do Ministério
do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), João Paulo Capobianco, e o
presidente do IBAMA, Rodrigo Agostino. Na pauta, estavam as ações recentes do
IBAMA que resultou na apreensão de milhares de cabeças de gado criadas em áreas
com indícios de desmatamento ilegal e outros crimes ambientais.
Nas
conversas, os políticos pró-agro pressionaram o governo federal por uma
“dilação de prazo” para que os proprietários de áreas embargadas pelo IBAMA possam
se regularizar sem o risco de perder seu gado. O grupo também defendeu
interesses de madeireiras na Amazônia para permitir que empresas embargadas
possam retomar suas atividades.
Ao
melhor estilo bolsonarista, críticos da política ambiental do governo Lula
estão promovendo fake news nas redes sociais para atacar o que
eles colocam como abuso de poder do IBAMA e de outros órgãos ambientais contra
produtores rurais. Por exemplo, uma das mentiras diz que o IBAMA teria
bloqueado “95%” das madeireiras no Acre, quando na verdade foram 4%. O número
de gado apreendido também foi falsificado pelos mentirosos – “500 mil” cabeças
de gado, quando o número verdadeiro gira em torno de 3 mil.
Ainda
no assunto “lorotas políticas”, O Globo destacou o
encampamento de propostas fracassadas da gestão Bolsonaro por parlamentares do
partido do antigo presidente, o PL. Dos 352 projetos apresentados por
correligionários do ex-mandatário na Câmara e no Senado, 66 resgatam promessas
como a liberação do garimpo em Terras Indígenas. A proposta original foi
recentemente retirada do Congresso
pelo presidente Lula.
Em
tempo:
A
JBS voltou aos holofotes por conta da falta de controle ambiental sobre sua
cadeia de fornecimento de gado. A Folha divulgou um
levantamento inédito que identificou 68 casos de desmatamento em fazendas com indícios
de ligação direta, indireta ou potencial com a empresa na Amazônia e no
Cerrado, entre 2019 e 2022. Os casos somam pouco mais de 125 mil hectares de
áreas desmatadas, dos quais 73,7 mil seriam em Áreas Protegidas, como reservas
legais e áreas de proteção permanente (APP).
Fonte:
De Olho nos Ruralistas/ClimaInfo
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