segunda-feira, 3 de abril de 2023

O eclipse que salvou a vida de Cristóvão Colombo em viagem à América

Muitos historiadores concordam que Cristóvão Colombo, o primeiro navegador europeu a chegar à América, era um homem extremamente inteligente.

Embora tenhamos poucas certezas sobre a sua vida, é consenso que sua inteligência e agilidade o ajudaram em diversas ocasiões, tanto para conseguir o que procurava como para driblar dificuldades.

Uma dessas ocasiões ocorreu em 1504, quando o almirante ficou preso na Jamaica durante sua quarta e última viagem ao continente americano.

E para conseguir o que queria dos nativos da ilha, ele se voltou para seus amplos conhecimentos astronômicos.

•        'Gênio do engano'

Colombo partiu em 1502 para a América com o objetivo de encontrar um estreito marítimo para a Ásia.

Mas depois de mais de um ano navegando, perdeu dois barcos e os outros dois estavam muito deteriorados, o que o impedia de continuar.

Então, ele e cem homens acabaram encalhados no norte da Jamaica.

Não foi a primeira vez que Colombo chegou a esta ilha, e nem a chamou assim.

O navegador chegou lá em 1494 e lhe deu o nome de Ilha de Santiago. No entanto, ele nunca se referiu a ela por esse nome em seu diário dessa quarta viagem. Ele sempre falou em Jamaica.

Este nome deriva do nome original dos aborígenes arawak, que é Xaymaca ou Yamaya, que significa "terra de madeira e água".

Os genoveses enviaram um grupo, comandado por um de seus colaboradores, Diego Méndez de Segura, de canoa à ilha de Hispaniola em busca de ajuda para resgatá-los.

Enquanto esperavam, ele conseguiu trocar alguns de seus pertences por comida com os nativos. Porém, dias e meses se passaram e o resgate não veio.

No final de 1503, a relação com os indígenas começou a se deteriorar.

"Eles se revoltaram e não queriam levar comida para ele como antes", disse Méndez de Segura em seu testemunho.

As memórias de Méndez de Segura e os detalhes desta última viagem foram publicados em 1825 por Martín Fernández de Navarrete no livro Coleção de viagens e descobertas feitas pelos espanhóis por mar desde os finais do século 15.

Se eles quisessem sobreviver, tinham que fazer algo. E Colombo elaborou um plano tão brilhante quanto perverso: assustar os aborígines com um eclipse que ocorreria em 29 de fevereiro de 1504, o dia extra daquele ano bissexto.

E o navegador sabia por seus estudos que não seria um eclipse qualquer, mas um eclipse lunar que mancharia o satélite natural da Terra de vermelho como o sangue. E ele poderia apresentá-lo como um castigo divino do qual os nativos não podiam escapar.

"Colombo foi um gênio do engano. E essa foi uma ideia salvadora", disse Antonio Bernal, divulgador científico do Observatório Astronômico Fabra, na Espanha, em entrevista à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).

Esse episódio é narrado com detalhes no livro O Memorial dos Livros Naufragados, do historiador inglês Edward Wilson-Lee.

•        Deus está com raiva

Segundo o relato de Méndez, "ele (Colombo) convocou todos os chefes e disse-lhes que estava maravilhado por eles não lhe trazerem a comida como costumavam fazer, sabendo, como ele havia dito, que tinha vindo por ordem de Deus".

O explorador disse "que Deus estava zangado com eles e que lhes mostraria naquela noite por sinais que faria no céu; e como aquela noite era o eclipse da Lua, quase tudo escureceu".

Colombo reforçou a ideia de que Deus causou o eclipse por raiva "porque não lhe trouxeram comida e acreditaram nele e saíram com muito medo e prometeram que sempre lhe trariam comida", diz o livro de Fernández de Navarrete.

Colombo sabia a que horas o eclipse começaria e que a Lua ficaria vermelha.

"O eclipse lunar tem duas partes principais: uma é o início, que é a parte parcial, em que a Lua parece parcialmente escura. E quando está toda preta começa a segunda parte, que é a da totalidade", explica Bernal.

"Esse eclipse também teve uma característica especial: a Lua foi eclipsada ainda sem nascer, abaixo do horizonte", acrescenta.

Então, quando apareceu no céu, já estava parcialmente escura.

"E depois da totalidade, os eclipses da Lua fazem com que ela pareça vermelha, pela refração da atmosfera da Terra", detalha.

Isso porque a luz do Sol não chega diretamente à Lua, mas parte dela é filtrada pela atmosfera terrestre e as cores avermelhadas e laranja são projetadas no satélite natural.

Mas por que Colombo estava tão certo de que haveria um eclipse?

•        O almanaque

Cristóvão Colombo tinha muito conhecimento a seu favor: conhecia a navegação, falava várias línguas e "tinha uma escrita muito bonita", segundo Consuelo Varela, professora pesquisadora do Conselho Superior de Pesquisa Científica da Espanha (CSIC).

"Ele foi um homem com grande capacidade e vontade de conhecer e aprender. Talvez a característica que mais se destaque em Colombo seja a determinação em saber as coisas", diz à BBC Mundo o historiador espanhol, especialista em questões americanas e em Colombo.

Mas, acima de tudo, "Colombo conhecia o céu", acrescenta Bernal. "Ele conhecia as estrelas e era guiado por elas."

O almirante era aficionado por astronomia e sabe-se que em suas viagens carregava consigo um calendário de eclipses: o almanaque Regiomontano.

A obra foi feita pelo astrônomo e matemático alemão Johann Müller (1436-76), cujo apelido era justamente "Regiomontano", que vem da tradução latina do nome da cidade alemã onde nasceu: Königsberg.

Calendários e almanaques impressos foram extremamente populares nos séculos 15 e 16, fornecendo às pessoas os conhecimentos básicos necessários para planejar suas rotinas diárias.

"Os fenômenos celestes serviam para muitas coisas: primeiro para se orientar, e segundo, a meteorologia era prevista com base nesses fenômenos celestes. Hoje sabemos que isso é um erro, mas naquela época não se sabia disso", explica Bernal.

O almanaque Regiomontano, em particular, foi amplamente utilizado porque seus cálculos eram bastante precisos.

Seu criador registrou vários eclipses lunares e seu interesse o levou a fazer a importante observação de que a longitude no mar poderia ser determinada pelo cálculo das distâncias lunares.

Ainda em 1472, ele observou um cometa, 210 anos antes que o astrônomo Edmund Halley o visse "pela primeira vez", destaca a Universidade de Glasgow em seus arquivos e coleções especiais, que tem uma cópia desse calendário impressa em 1482.

Foi um auxílio indispensável para cartógrafos, navegadores e astrólogos.

Esta foi a ferramenta que Colombo usou para "prever" o eclipse lunar de 29 de fevereiro de 1504 e salvar a si mesmo e seus homens da fome, até que em junho daquele ano seu socorro tão esperado finalmente chegou.

 

       A líder indígena que desafiou Cristóvão Colombo e foi condenada a uma morte trágica

 

Seu nome significava "flor de ouro" — e Anacaona era realmente uma bela e poderosa princesa do povo taíno.

E também foi uma mulher culta e talentosa, que acreditava na paz, na convivência e pagou com a vida por isso. Talvez por esta razão ela seja uma das poucas indígenas cujo nome é mencionado nos primeiros anos da conquista da América, no final do século 15.

Na sua História das Índias (1527-1547), o frei Bartolomeu de las Casas a descreveu como "uma mulher admirável, muito prudente, muito graciosa e palaciana em suas palavras, artes e gestos, muito amiga dos cristãos".

E o padre jesuíta francês Pierre François Xavier de Charlevoix escreveu no seu livro Histoire de l'Isle Espagnole ou de S. Domingue ("História da ilha de La Hispaniola ou de São Domingos", em tradução livre) que ela era uma mulher "muito inteligente, superior ao seu sexo e à sua nação".

Embora poucos cronistas a tenham conhecido ou tenham sido testemunhas dos fatos, escritos como estes permitiram traçar a história de uma mulher que se tornou lenda. Sua memória permanece viva até hoje, mais de 500 anos após a sua morte.

•        Filha de família poderosa

Acredita-se que Anacaona tivesse 18 anos de idade no dia 5 de dezembro de 1492, quando Cristóvão Colombo e sua tripulação chegaram à ilha que os nativos chamavam de Quisqueya ("mãe de todas as terras"), Bohio ("casa dos taínos"), Babeque ("terras do ouro") e Ayti.

Os europeus batizaram a ilha de La Hispaniola, hoje dividida entre o Haiti e a República Dominicana.

Naquela época, a ilha era principalmente dominada pelo povo taíno. E, segundo De las Casas, havia cinco caciques, cada qual responsável por uma região da ilha — os cacicados.

A região maior e mais populosa era Jaragua, que estava sob o comando do cacique Bohechío, irmão de Anacaona. Ela morava em Maguana, depois de ter se casado com o cacique daquela região, Caonabo.

Anacaona era respeitada e querida não só pela sua posição, mas também por compor poesias e canções.

Por isso, ela se destacava nos areítos, que eram manifestações culturais e religiosas do povo taíno, que usavam narração de histórias e dança para celebrar eventos importantes, como a visita de um cacique ou o sucesso da colheita.

A história de Anacaona é repleta de lendas, mas afirma-se que sua posição perante a chegada dos espanhóis inicialmente foi positiva e, mesmo após diversas decepções e consciente do poderio dos conquistadores, nunca deixou de defender a paz e a convivência.

•        Abusos e destruição

Em dezembro de 1492, Colombo ordenou a construção da Fortaleza de La Navidad, com os restos do navio Santa Maria, no litoral norte da ilha de La Hispaniola.

Colombo indicou 39 homens para cuidar dessa primeira construção espanhola na ilha e, antes de partir, ordenou a eles que não abusassem dos nativos.

Mas os homens não o obedeceram e, quando Colombo regressou, em 1493, o forte estava destruído.

O primeiro cronista oficial das Índias, Gonzalo Fernández de Oviedo, relatou que todos os homens haviam sido mortos pelos indígenas, "que não suportaram seus excessos, já que eles tomavam as mulheres e as usavam como quisessem, além de praticarem outros abusos e causarem ressentimentos, como pessoas sem liderança e desordenadas".

Caonabo foi considerado responsável e alguns relatos indicam que Anacaona, ao saber dos maus tratos dos espanhóis às mulheres indígenas, foi quem o convenceu a atacá-los.

Mas existem historiadores que contestam esta versão, como Luisa Navarro, ex-diretora da Faculdade de História e Antropologia da Universidade Autônoma de Santo Domingo, na República Dominicana.

Segundo a historiadora, era quase impossível chegar à Fortaleza de La Navidad sem meios de transporte adequados.

"Para chegar ao local onde ficava a fortaleza, era necessário subir pela cordilheira setentrional e descer pelo outro lado, até chegar à região costeira do vale do Atlântico", explicou Navarro à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

Seriam necessárias 63 horas para fazer esse trajeto a pé. "Como Anacaona teria feito essa viagem para saber o que estava acontecendo e voltar para contar a Caonabo?", questiona ela.

Outros historiadores suspeitam que Caonabo foi declarado culpado por razões políticas e que as acusações que o navegador espanhol Alonso de Ojeda usou para detê-lo, dois anos depois, eram falsas. E até a forma de aprisioná-lo foi enganosa.

Segundo Navarro, antes de prendê-lo, Ojeda propôs um acordo. Ele ofereceu ao cacique um presente e, quando ele estendeu as mãos para aceitá-lo, puseram-lhe os grilhões.

"Caonabo morreu aprisionado com correntes e grilhões", segundo De las Casas, quando uma tempestade afundou a embarcação que o levava à Espanha, em 1496. Anacaona tornava-se assim a rainha viúva de Maguana.

•        O encontro com o irmão de Colombo

Anacaona mudou-se para viver com seu irmão Bohechío, na vizinha região de Jaragua. Ali, ela era "respeitada e temida" como o cacique, segundo Gonzalo Fernández de Oviedo.

Pouco depois, chegou à região Bartolomeu, o irmão mais novo de Cristóvão Colombo. E, mesmo com a deterioração das relações com os conquistadores, Anacaona convenceu Bohechío a reconhecer a soberania dos reis católicos e comprometer-se a pagar um imposto que já era cobrado em outras regiões da ilha.

Os cronistas da época relatam que a visita de Bartolomeu Colombo foi um evento festivo, marcado por celebrações. Os presentes foram tantos que ele precisou fretar uma caravela para poder transportá-los.

Colombo, de sua parte, convidou Anacaona e Bohechío a visitar seu navio. Quando foram dados tiros em sua honra, o ruído os perturbou tanto "que quase se jogaram na água de espanto; mas, quando viram Bartolomeu rindo, acalmaram-se", segundo o cronista Antonio de Herrera y Tordesillas.

O mesmo cronista acrescenta que, após o incidente, eles "observavam a popa e a proa ao seu redor, entraram na caravela, foram ao porão e ficaram atônitos".

Já segundo De las Casas, a visita à caravela "deixou o rei e a rainha alegres, bem como a todos os senhores, e seus acompanhantes ficaram muito satisfeitos".

Este é um dos poucos fatos conhecidos da vida de Anacaona — e um dos mais felizes.

•        Cacique de Jaragua e Maguana

Em 1502, Anacaona, cacique de Maguana, perdeu seu irmão. E, em reconhecimento ao seu valor e inteligência, ela foi nomeada cacique da "coluna vertebral" da ilha: Jaragua.

Naquela época, La Hispaniola estava abalada. Havia ocorrido uma rebelião de espanhóis frustrados, além de um levante de diversos caciques indígenas que lutavam contra os invasores.

O novo governador das Índias — o comendador de Lares, frei Nicolau de Ovando — propôs-se a pacificar a ilha. A longínqua região de Jaragua estava na sua mira, não só porque ali se haviam refugiado os rebeldes espanhóis, mas também porque haviam chegado rumores de que Anacaona e outros caciques estariam conspirando contra a coroa espanhola.

Por isso, as ideias de "pacificação" do governador e da cacique eram muito diferentes.

Apesar do desprezo e dos contínuos abusos dos espanhóis contra os indígenas, Anacaona estava convencida de que somente uma paz estável poderia salvar seu povo. Mas a paz que Ovando desejava não trazia acordos, nem salvações.

O governador organizou suas tropas e partiu em direção a Jaragua, enquanto Anacaona organizava uma grande recepção para o comendador.

•        A armadilha

Em um domingo de julho de 1503, Anacaona recebeu Ovando na praça de Jaragua com grandes festas, cantos e danças, como era de costume. O governador chegou com 70 homens a cavalo e 200 andarilhos.

Compareceram também à celebração dezenas de caciques, súditos de Anacaona. Ela foi uma das últimas a chegar à praça, acompanhada da filha e de outras líderes mulheres.

"Ela organizou um areíto para Ovando... e mais de 300 donzelas participaram da dança, todas suas criadas, solteiras...", conta Fernández de Oviedo.

Depois de várias demonstrações das celebrações dos taínos, os homenageados convidaram os indígenas a reunir-se em uma choupana para retribuir as honras com um espetáculo próprio.

Entusiasmados e desarmados, os caciques e seus acompanhantes reuniram-se em uma casa de madeira e palha. Enquanto eles presenciavam uma competição, Ovando deu o sinal combinado para seus homens, que os capturaram, amarraram e queimaram vivos.

Enquanto isso, outros espanhóis atacavam os indígenas que estavam no lado de fora. De las Casas conta que eles cortaram as pernas das crianças enquanto elas corriam. E, quando algum espanhol tentava salvar uma criança fazendo-a montar no seu cavalo, outro se aproximava e "atravessava a criança com uma lança".

•        A condenação

Por vários meses depois do massacre, Nicolau de Ovando conduziu uma sangrenta campanha de perseguição contra os indígenas, até que foram quase exterminados da ilha, segundo Samuel M. Wilson no seu livro Hispaniola: Caribbean Chiefdoms in the Age of Columbus ("La Hispaniola: Os cacicados do Caribe no tempo de Colombo", em tradução livre).

Suas campanhas sangrentas e uma série de epidemias reduziram a população de La Hispaniola, das 500 mil pessoas estimadas na época da chegada de Colombo, para apenas 60 mil nativos, segundo dados do censo de 1507 no Manual de la Historia Dominicana ("Manual da história dominicana", em tradução livre), do historiador Frank Moya Pons.

Anacaona e sua filha sobreviveram ao ataque, que passou para a história como o Massacre de Jaragua. O sobrinho da cacique, Guarocuya ou Enriquillo, também se salvou e se rebelaria contra os espanhóis 15 anos depois.

Mas a sorte da cacique seria efêmera. Ela foi capturada, levada a Santo Domingo e condenada à forca por conspiração.

O diretor do Museu de Anacaona afirma que ela "foi a rainha taína mais adorada pelo povo. Não baixou a cabeça até o último dia e deu sua vida por eles".

Já Navarro a descreve simplesmente como "a líder máxima de toda a população, não somente nesta ilha [La Hispaniola], mas também em Porto Rico, Cuba e parte da Jamaica".

Sua história é recordada em canções, como "Anacaona", do cantor porto-riquenho Cheo Feliciano, e nos poemas que levam seu nome, escritos pela poetisa dominicana Salomé Ureña.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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