domingo, 30 de abril de 2023

Militares nomeados por Bolsonaro eram únicos com acesso a joias guardadas em fazenda de Piquet

Dois militares nomeados pelo hoje ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) contaram à Polícia Federal que eram as únicas pessoas com acesso aos dois conjuntos de joias da Arábia Saudita que estavam armazenados em fazenda pertencente ao ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet, em Brasília.

Assessor de confiança de Bolsonaro, o coronel da reserva do Exército Marcelo de Costa Câmara foi incumbido de cuidar do “acervo pessoal” do ex-presidente após a saída do Palácio do Planalto. Câmara nomeou o tenente do Exército Osmar Crivelatti como auxiliar.

As informações sobre o acesso às joias sauditas foram divulgadas pelo colunista do UOL Aguirre Talento. O jornal teve acesso ao depoimento dos militares à Polícia Federal nas investigações sobre irregularidades na entrada dos presentes no país, além de apurar se houve interferência de Bolsonaro para incorporar itens milionários ao patrimônio pessoal.

Nos depoimentos, aos quais o UOL teve acesso, os militares confirmaram que o acervo em questão tem mais de 9 mil objetos, que foram levados a um depósito no imóvel do ex-piloto, chamado Fazenda Piquet, em região nobre de Brasília.

No depoimento, os militares ressaltaram que somente eles tinham acesso ao acervo armazenado em um espaço de aproximadamente 200 m³. Explicaram que os itens contendo uma caixa com um relógio Rolex, uma caneta Chopard, abotoaduras, anel e uma espécie de rosário árabe estavam em espaço separado dos outros 9 mil itens que estão no local.

Os militares foram avisados pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) — responsável por identificar itens recebidos na Presidência da República e informar, por exemplo, se são objetos de caráter personalíssimo — que esses dois estojos estavam separados no galpão de Piquet por serem de interesse do ex-presidente.

Assim, os dois militares sabiam o que buscar quando foram até a fazenda para recolher as joias e devolver ao Poder Público, conforme determinou o TCU.

Os conjuntos de joias, segundo os militares, foram guardados em local específico, separados dos demais itens. O material foi entregue ao Tribunal de Contas da União (TCU) pela defesa de Bolsonaro, e Câmara e Crivelatti foram escalados para levar os objetos.

Ainda de acordo com os depoimentos, não há controle formal de entrada e saída de pessoas no depósito, mas apenas eles dois tinham acesso ao local. Câmara disse, ainda, que Bolsonaro não levou as joias aos Estados Unidos quando deixou o país antes mesmo do fim de seu mandato, em 30 de dezembro de 2022.

Os dois kits de joias foram armazenados separadamente dos demais itens do acervo, por serem de possível "interesse" maior do ex-presidente. Esse procedimento foi realizado pelos servidores do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica durante o processo de catalogação do material para armazenamento. "Os técnicos do GADH separaram alguns itens mais sensíveis que pudessem ser do interesse do presidente Bolsonaro e informaram ao depoente e ao Marcelo Câmara", explicou Crivelatti.

Esses itens foram colocados em um local mais reservado na Fazenda Piquet, facilitando a sua localização no meio do acervo presidencial privado.

•        Fazenda de Piquet

Os presentes que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu ao longo do mandato e que quis manter como patrimônio pessoal foram guardados em uma fazenda de Nelson Piquet. Entre os 9 mil itens lá armazenados estão presentes recebidos por Bolsonaro.

Até março, quando a defesa de Bolsonaro entregou, em Brasília, as joias e armas à Caixa Econômica Federal e à Polícia Federal, os materiais ainda estavam na fazenda.

A fazenda do tri-campeão mundial de Formula 1 Nelson Piquet fica em Brasília, no Lago Sul, bairro nobre da capital. Segundo afirmou o ex-ministro e advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, em coletiva no dia do depoimento de Bolsonaro à PF, assim que outro local arejado e com tamanho adequado for encontrado, todos os materiais serão removidos de lá.

•        Depósito ‘emprestado’

Segundo Bolsonaro, Piquet cedeu gratuitamente o espaço para armazenamento do material. As caixas que foram enviadas para a fazenda do ex-piloto, em dezembro de 2022, continham produtos que Bolsonaro “não queria entregar para a União” – incluindo joias, segundo o jornal O Estado de S.Paulo.

Durante a disputa eleitoral de 2022, Piquet foi ainda o autor da maior doação feita por uma pessoa física à campanha de Bolsonaro: R$ 501 mil. Coincidência ou não, a empresa do ex-piloto, a Autotrac Comércio e Comunicações, que era contratada pelo Ministério da Agricultura, tinha recebido, meses antes, um aditivo contratual de cerca de R$ 6,6 milhões, sem licitação.

Em mais um episódio de sua carreira pós aposentadoria das pistas, Piquet foi condenado, em março, a pagar R$ 5 milhões depois de falas racistas e homofóbicas dirigidas ao piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton durante entrevista a um canal na internet.

•        Terceiro kit

Um terceiro kit de joias, apreendido pela Receita Federal, não foi para a fazenda de Nelson Piquet.

Essas joias, no valor de R$ 16,5 milhões, chegaram ao Brasil, em outubro de 2021, com uma comitiva do Ministério de Minas e Energia. Ao chegar ao país, com o pacote, a Receita Federal apreendeu o conjunto que estava com o ajudante de ordens do ex-ministro Bento Albuquerque, o militar Marcos André dos Santos Soeiro.

Depois da apreensão, o governo Bolsonaro teria tentado reaver o pacote de joias pelo menos quatro vezes, por meio dos ministérios da Economia, de Minas e Energia e de Relações Exteriores.

Em uma quarta movimentação para recuperar os objetos, realizada a três dias de Bolsonaro deixar o governo, um funcionário público utilizou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para se deslocar a Guarulhos, em São Paulo.

 

       Auxiliar de Bolsonaro fez no fim do governo 2ª tentativa de liberar joias

 

Um servidor da Secretaria Especial de Administração da Presidência da República revelou, em depoimento à Polícia Federal, uma segunda tentativa realizada no apagar das luzes do governo de Jair Bolsonaro para a liberação de um conjunto de joias retidas pela Receita Federal em Guarulhos. O servidor, porém, também recusou-se a atender o pedido.

# UOL teve acesso aos detalhes da investigação sigilosa sobre as joias dadas de presente pelo governo da Arábia Saudita ao ex-presidente Bolsonaro. Reportagem publicada na quinta-feira mostrou que o Ministério Público Federal identificou indícios do crime de peculato no episódio.

# O depoimento inédito prestado à PF foi de Clóvis Félix Curado Júnior, no último dia 12 de abril. Ele disse aos investigadores que recebeu telefonemas no dia 30 de dezembro do ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, e do então chefe da Receita Federal, Júlio Cesar Vieira Gomes para lhe pedir que retirasse os bens retidos.

# No dia anterior, Mauro Cid havia enviado ao Aeroporto de Guarulhos um funcionário do Palácio do Planalto para que tentasse retirar as joias, mas não obteve sucesso. No episódio, os auditores da Receita Federal entenderam que o ajudante de ordens da Presidência não tinha competência legal para solicitar a liberação dos bens e que isso deveria ser feito pela Secretaria Especial de Administração.

Foi por isso que, em 30 de dezembro, último dia útil do governo Bolsonaro, Mauro Cid fez nova tentativa, desta vez com um funcionário da Secretaria Especial de Administração, conforme relatado por ele à Polícia Federal. A revelação mostra o empenho do Palácio do Planalto em resolver o assunto antes do término do mandato presidencial.

"Recebeu uma ligação na manhã do dia 30/12/2022, logo nas primeiras horas do dia (antes das 09:00h, se não se engana), primeiramente do ten cel Mauro Cid, Chefe da Ajudância de Ordens do Presidente da República, e depois do Secretário Especial da Receita Federal Júlio César, esclarecendo que havia joias retidas pela Receita Federal do Brasil, as quais teriam sido trazidas pelo Ministro de Minas e Energia em viagem oficial há um ano, ou seja, desde 2021", diz a transcrição do depoimento.

Nos telefonemas, Clóvis foi informado sobre a tentativa frustrada da retirada das joias e a conclusão de que essa liberação deveria ser solicitada pela secretaria na qual atuava.

"Informaram que esse pedido deveria ser feito pela Secretaria Especial de Administração. (...) O depoente informou que era preciso que fosse realizado um encaminhamento formal da situação e do pedido, para que pudesse ser realizada a análise técnica devida e, somente então, seria decidido se era caso de fazer um pedido formal de incorporação dos bens retidos na Receita Federal para a Presidência da República", contou à PF.

Clóvis citou que as conversas com Mauro Cid e Júlio César foram sucintas e que ele frisou a obrigatoriedade de formalizar a solicitação para que fosse feita uma análise técnica, mas que as joias integrariam o patrimônio público da Presidência.

"Haveria a necessidade de formalizar aquela situação e fazer uma análise pela SA/SG para então ser tomada qualquer decisão e, logicamente, para integrar o patrimônio público da Presidência da República", afirmou à PF.

Após ter deixado claro que era necessário um procedimento formal, em vez de apenas um pedido por telefone, Clóvis não voltou a ser procurado por Mauro Cid ou por Júlio César a respeito do assunto.

•        Outro lado

A defesa de Jair Bolsonaro não quis comentar. O ex-presidente tem negado irregularidades no caso das joias.

A defesa de Mauro Cid não respondeu até a publicação desta matéria.

A defesa de Júlio César Vieira Gomes afirmou que o ex-secretário da Receita Federal "jamais solicitou a Clóvis Júnior a retirada dos objetos". "Limitou-se, única e tão somente, a esclarecer o conteúdo e a decisão da Receita Federal de não atender o pedido inicial. Informou, ainda, que, se houvesse interesse na continuidade do procedimento, o ofício de solicitação deveria ser assinado pela própria Secretaria de Administração. Não há, portanto, nesse aspecto, qualquer ilegalidade", disse o advogado Conrado Gontijo.

 

Fonte: Jornal GGN/Metrópoles/UOL

 

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