Militares nomeados
por Bolsonaro eram únicos com acesso a joias guardadas em fazenda de Piquet
Dois
militares nomeados pelo hoje ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) contaram à
Polícia Federal que eram as únicas pessoas com acesso aos dois conjuntos de
joias da Arábia Saudita que estavam armazenados em fazenda pertencente ao
ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet, em Brasília.
Assessor
de confiança de Bolsonaro, o coronel da reserva do Exército Marcelo de Costa
Câmara foi incumbido de cuidar do “acervo pessoal” do ex-presidente após a
saída do Palácio do Planalto. Câmara nomeou o tenente do Exército Osmar
Crivelatti como auxiliar.
As
informações sobre o acesso às joias sauditas foram divulgadas pelo colunista do
UOL Aguirre Talento. O jornal teve acesso ao depoimento dos militares à Polícia
Federal nas investigações sobre irregularidades na entrada dos presentes no
país, além de apurar se houve interferência de Bolsonaro para incorporar itens
milionários ao patrimônio pessoal.
Nos
depoimentos, aos quais o UOL teve acesso, os militares confirmaram que o acervo
em questão tem mais de 9 mil objetos, que foram levados a um depósito no imóvel
do ex-piloto, chamado Fazenda Piquet, em região nobre de Brasília.
No
depoimento, os militares ressaltaram que somente eles tinham acesso ao acervo
armazenado em um espaço de aproximadamente 200 m³. Explicaram que os itens
contendo uma caixa com um relógio Rolex, uma caneta Chopard, abotoaduras, anel
e uma espécie de rosário árabe estavam em espaço separado dos outros 9 mil
itens que estão no local.
Os
militares foram avisados pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH)
— responsável por identificar itens recebidos na Presidência da República e
informar, por exemplo, se são objetos de caráter personalíssimo — que esses
dois estojos estavam separados no galpão de Piquet por serem de interesse do
ex-presidente.
Assim,
os dois militares sabiam o que buscar quando foram até a fazenda para recolher
as joias e devolver ao Poder Público, conforme determinou o TCU.
Os
conjuntos de joias, segundo os militares, foram guardados em local específico,
separados dos demais itens. O material foi entregue ao Tribunal de Contas da
União (TCU) pela defesa de Bolsonaro, e Câmara e Crivelatti foram escalados
para levar os objetos.
Ainda
de acordo com os depoimentos, não há controle formal de entrada e saída de
pessoas no depósito, mas apenas eles dois tinham acesso ao local. Câmara disse,
ainda, que Bolsonaro não levou as joias aos Estados Unidos quando deixou o país
antes mesmo do fim de seu mandato, em 30 de dezembro de 2022.
Os
dois kits de joias foram armazenados separadamente dos demais itens do acervo,
por serem de possível "interesse" maior do ex-presidente. Esse
procedimento foi realizado pelos servidores do Gabinete Adjunto de Documentação
Histórica durante o processo de catalogação do material para armazenamento. "Os
técnicos do GADH separaram alguns itens mais sensíveis que pudessem ser do
interesse do presidente Bolsonaro e informaram ao depoente e ao Marcelo
Câmara", explicou Crivelatti.
Esses
itens foram colocados em um local mais reservado na Fazenda Piquet, facilitando
a sua localização no meio do acervo presidencial privado.
• Fazenda de Piquet
Os
presentes que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) recebeu ao longo do mandato e
que quis manter como patrimônio pessoal foram guardados em uma fazenda de
Nelson Piquet. Entre os 9 mil itens lá armazenados estão presentes recebidos
por Bolsonaro.
Até
março, quando a defesa de Bolsonaro entregou, em Brasília, as joias e armas à
Caixa Econômica Federal e à Polícia Federal, os materiais ainda estavam na
fazenda.
A
fazenda do tri-campeão mundial de Formula 1 Nelson Piquet fica em Brasília, no
Lago Sul, bairro nobre da capital. Segundo afirmou o ex-ministro e advogado de
Bolsonaro, Fabio Wajngarten, em coletiva no dia do depoimento de Bolsonaro à
PF, assim que outro local arejado e com tamanho adequado for encontrado, todos
os materiais serão removidos de lá.
• Depósito ‘emprestado’
Segundo
Bolsonaro, Piquet cedeu gratuitamente o espaço para armazenamento do material.
As caixas que foram enviadas para a fazenda do ex-piloto, em dezembro de 2022,
continham produtos que Bolsonaro “não queria entregar para a União” – incluindo
joias, segundo o jornal O Estado de S.Paulo.
Durante
a disputa eleitoral de 2022, Piquet foi ainda o autor da maior doação feita por
uma pessoa física à campanha de Bolsonaro: R$ 501 mil. Coincidência ou não, a
empresa do ex-piloto, a Autotrac Comércio e Comunicações, que era contratada
pelo Ministério da Agricultura, tinha recebido, meses antes, um aditivo
contratual de cerca de R$ 6,6 milhões, sem licitação.
Em
mais um episódio de sua carreira pós aposentadoria das pistas, Piquet foi
condenado, em março, a pagar R$ 5 milhões depois de falas racistas e
homofóbicas dirigidas ao piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton durante entrevista
a um canal na internet.
• Terceiro kit
Um
terceiro kit de joias, apreendido pela Receita Federal, não foi para a fazenda
de Nelson Piquet.
Essas
joias, no valor de R$ 16,5 milhões, chegaram ao Brasil, em outubro de 2021, com
uma comitiva do Ministério de Minas e Energia. Ao chegar ao país, com o pacote,
a Receita Federal apreendeu o conjunto que estava com o ajudante de ordens do
ex-ministro Bento Albuquerque, o militar Marcos André dos Santos Soeiro.
Depois
da apreensão, o governo Bolsonaro teria tentado reaver o pacote de joias pelo
menos quatro vezes, por meio dos ministérios da Economia, de Minas e Energia e
de Relações Exteriores.
Em
uma quarta movimentação para recuperar os objetos, realizada a três dias de
Bolsonaro deixar o governo, um funcionário público utilizou um avião da Força
Aérea Brasileira (FAB) para se deslocar a Guarulhos, em São Paulo.
Auxiliar de Bolsonaro fez no fim do
governo 2ª tentativa de liberar joias
Um
servidor da Secretaria Especial de Administração da Presidência da República
revelou, em depoimento à Polícia Federal, uma segunda tentativa realizada no
apagar das luzes do governo de Jair Bolsonaro para a liberação de um conjunto
de joias retidas pela Receita Federal em Guarulhos. O servidor, porém, também
recusou-se a atender o pedido.
#
UOL teve acesso aos detalhes da investigação sigilosa sobre as joias dadas de
presente pelo governo da Arábia Saudita ao ex-presidente Bolsonaro. Reportagem
publicada na quinta-feira mostrou que o Ministério Público Federal identificou
indícios do crime de peculato no episódio.
#
O depoimento inédito prestado à PF foi de Clóvis Félix Curado Júnior, no último
dia 12 de abril. Ele disse aos investigadores que recebeu telefonemas no dia 30
de dezembro do ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, e
do então chefe da Receita Federal, Júlio Cesar Vieira Gomes para lhe pedir que
retirasse os bens retidos.
#
No dia anterior, Mauro Cid havia enviado ao Aeroporto de Guarulhos um
funcionário do Palácio do Planalto para que tentasse retirar as joias, mas não
obteve sucesso. No episódio, os auditores da Receita Federal entenderam que o
ajudante de ordens da Presidência não tinha competência legal para solicitar a
liberação dos bens e que isso deveria ser feito pela Secretaria Especial de
Administração.
Foi
por isso que, em 30 de dezembro, último dia útil do governo Bolsonaro, Mauro
Cid fez nova tentativa, desta vez com um funcionário da Secretaria Especial de
Administração, conforme relatado por ele à Polícia Federal. A revelação mostra
o empenho do Palácio do Planalto em resolver o assunto antes do término do
mandato presidencial.
"Recebeu
uma ligação na manhã do dia 30/12/2022, logo nas primeiras horas do dia (antes
das 09:00h, se não se engana), primeiramente do ten cel Mauro Cid, Chefe da
Ajudância de Ordens do Presidente da República, e depois do Secretário Especial
da Receita Federal Júlio César, esclarecendo que havia joias retidas pela
Receita Federal do Brasil, as quais teriam sido trazidas pelo Ministro de Minas
e Energia em viagem oficial há um ano, ou seja, desde 2021", diz a
transcrição do depoimento.
Nos
telefonemas, Clóvis foi informado sobre a tentativa frustrada da retirada das
joias e a conclusão de que essa liberação deveria ser solicitada pela
secretaria na qual atuava.
"Informaram
que esse pedido deveria ser feito pela Secretaria Especial de Administração.
(...) O depoente informou que era preciso que fosse realizado um encaminhamento
formal da situação e do pedido, para que pudesse ser realizada a análise
técnica devida e, somente então, seria decidido se era caso de fazer um pedido
formal de incorporação dos bens retidos na Receita Federal para a Presidência
da República", contou à PF.
Clóvis
citou que as conversas com Mauro Cid e Júlio César foram sucintas e que ele
frisou a obrigatoriedade de formalizar a solicitação para que fosse feita uma
análise técnica, mas que as joias integrariam o patrimônio público da
Presidência.
"Haveria
a necessidade de formalizar aquela situação e fazer uma análise pela SA/SG para
então ser tomada qualquer decisão e, logicamente, para integrar o patrimônio
público da Presidência da República", afirmou à PF.
Após
ter deixado claro que era necessário um procedimento formal, em vez de apenas
um pedido por telefone, Clóvis não voltou a ser procurado por Mauro Cid ou por
Júlio César a respeito do assunto.
• Outro lado
A
defesa de Jair Bolsonaro não quis comentar. O ex-presidente tem negado
irregularidades no caso das joias.
A
defesa de Mauro Cid não respondeu até a publicação desta matéria.
A
defesa de Júlio César Vieira Gomes afirmou que o ex-secretário da Receita
Federal "jamais solicitou a Clóvis Júnior a retirada dos objetos".
"Limitou-se, única e tão somente, a esclarecer o conteúdo e a decisão da
Receita Federal de não atender o pedido inicial. Informou, ainda, que, se
houvesse interesse na continuidade do procedimento, o ofício de solicitação
deveria ser assinado pela própria Secretaria de Administração. Não há,
portanto, nesse aspecto, qualquer ilegalidade", disse o advogado Conrado
Gontijo.
Fonte:
Jornal GGN/Metrópoles/UOL
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