terça-feira, 25 de abril de 2023

Jair de Souza: O confronto da verdade com o poder da narrativa

Conforme podemos avaliar pelas notícias veiculadas nos meios de informação nos últimos dias, uma Comissão Parlamentar Mista de Investigação deverá ser instalada brevemente para apurar as responsabilidades com relação aos acontecimentos de 08 de janeiro, em Brasília, quando foi desfechado um golpe de Estado com o intuito de depor ou, ao menos, inviabilizar o governo recém-empossado de Luiz Inácio Lula da Silva.

Como todos sabemos, graças a uma rápida e firme atuação do governo nacional, em especial de parte do Ministro da Justiça Flávio Dino e de seu assessor Ricardo Capelli, o golpe foi debelado e uma grande quantidade de participantes nos atos vandálicos foi detida e colocada à disposição do Poder Judiciário.

Agora, chegou o momento de colocar as coisas em pratos limpos. Quem estava por trás do fracassado golpe? Quem o idealizou? Quem o financiou? E quem o executou?

Embora, numa primeira instância, alguns parlamentares do campo da esquerda tivessem sugerido a abertura de uma comissão parlamentar para abordar esta questão, várias outras vozes ligadas ao campo governamental se alçaram em contra da ideia. O que se alegava era que a prioridade deveria ser concentrar nossos esforços em programas de reconstrução das estruturas sociais da nação, as quais tinham sido arrasadas durante os anos de gestão do nazismo bolsonarista. Portanto, não seria conveniente dispersar energia com as atividades desgastantes que uma tal comissão demandaria.

Por sua vez, a direita nazista bolsonarista aproveitou-se desse desinteresse inicial do governo por uma CPI para inundar as redes sociais com a exigência de sua abertura. Sua argumentação mais contundente passou a ser: “Se o governo não quer a CPI é porque o governo está com medo de seus resultados. Portanto, o governo é o culpado pelos acontecimentos”.

É muito provável que o vazamento feito pela CNN das fotos e vídeos que expunham a presença do general Gonçalves Dias nos locais depredados tivesse o propósito de incriminar o próprio governo de Lula pelo vandalismo praticado naquela jornada. Com isso, os vazadores esperavam dar a volta no disco e transmutar a imagem dos bolsonaristas envolvidos naquele evento. De violentos perpetradores da destruição e devastação causadas nas sedes dos três poderes naquele fatídico dia, eles seriam vistos como vítimas inocentes da manipulação lulista. Talvez seja isso o que eles esperavam, mas o resultado pode não vir a ser bem assim.

Se um de seus objetivos tinha sido derrubar o general G. Dias, podemos dizer que nisto eles foram vitoriosos. Porém, com a exposição pública de todo o material gravado daqueles episódios, muitas caras de bolsonaristas incrustados no GSI acabaram sendo reveladas. Em consequência, o panorama resultante pode até ser visto como bastante favorável ao atual governo. Perde-se o general G. Dias, mas elimina-se todos os bolsonaristas incrustados naquele órgão vital para a segurança interna presidencial. Ou seja, uma troca nada desprezível.

Além do mais, abriu-se uma possibilidade inédita para que a sociedade brasileira dê seus primeiros passos efetivos para livrar-se por completo da tutela militar a que estamos submetidos desde os primórdios de nossa república.

Está mais ou menos evidente que o bolsonarismo vai sair no prejuízo neste ponto. Por isso, sua intenção é compensar essa perda com um forte desgaste do governo junto à opinião pública. Se o bolsonarismo conseguisse se passar por vítima da perseguição lulista, e não como os executores das atividades terroristas que buscavam consumar um golpe de Estado, sem dúvidas, haveria um significativo saldo positivo para essa força política de extrema direita.

No entanto, muitos julgam impossível que o bolsonarismo não saia dessa CPI amplamente derrotado. O material das câmeras de vigilância já disponibilizado expõe de maneira cristalina que todas as ações vandálicas perpetradas foram cometidas por gente profundamente ligada ao bolsonarismo. E se a presença do general G. Dias foi detectada em atitude passiva em certas cenas, quase uma dezena de oficiais bolsonaristas de alto escalão lotados no GSI foram flagrados prestando solidariedade ativa às turbas de saqueadores bolsonaristas. Por lógica, não haveria como confrontar a realidade. Os golpistas eram, sim, bolsonaristas.

Em consonância com este entendimento, o deputado Lindbergh Farias proferiu as seguintes palavras no programa Quem tem medo da CPMI, transmitido pela TV 247: “Não tem narrativa possível que passe por cima da verdade”. Em outras palavras, os fatos estão tão nítidos que ninguém vai conseguir impedir que eles sejam vistos e aceitos tal como realmente aconteceram. Diversos outros observadores do cenário vêm externando opiniões semelhantes a esse respeito. No entanto, gostaria de levantar um alerta em relação com tal posicionamento.

Precisamos levar em conta que, em termos sociais, nem sempre a verdade se impõe como tal. Não foi à toa que o principal teórico da comunicação do nazismo hitlerista (Joseph Goebbels) defendia a tese de que “uma mentira repetida mil vezes passa a ser uma verdade”. O que o responsável pela propaganda nazista queria dizer é que o que vale em termos político-sociais é aquilo que as pessoas venham a considerar como sendo a verdade. Para efeitos políticos práticos, o que vale é a narrativa que se consegue impor junto à população. Esta era a essência da comunicação na Alemanha nazista. E não podemos nos esquecer, o bolsonarismo é a atual versão brasileira do nazismo. E para o bolsonarismo, até mais do que o era para os hitleristas, a máxima da reiteração da mentira continua em plena validade.

Só para refrescar nossa memória, retomemos a questão do kitgay trazida à tona pelos bolsonaristas no pleito de 2018. Todos nós estávamos inteiramente conscientes de que se tratava de uma mentira, uma besteira, um absurdo, uma baboseira que não merecia nenhuma atenção de nossa parte. Mas, mesmo assim, quem tem dúvidas de que a martelação constante do tema pelas redes sociais, a divulgação de fotos e a montagem de vídeos falsos com denúncias relacionadas ao tópico induziram a um bom número de pessoas desinformadas a votar no capitão nazista bolsonarista naquela eleição?

O que eu quero enfatizar ao chamar a atenção para este problema é a necessidade de aumentar nossa capacidade de atuação no combate à propagação de campanhas de mentiras e falsificações. Por mais que nos desagrade a ideia, é importante ter em mente que a realidade não  se impõe junto às pessoas tão somente por ser a verdade. Para todos os efeitos práticos, o que vai ser considerado como verdadeiro é a narrativa que venha a ser aceita pelas pessoas. Muitas vezes, os fatos por si só podem não dar conta do recado. A prevalência da verdade está sempre em confronto com o poder da narrativa.

Ainda quando saibamos que a verdade está conosco, teremos de nos empenhar para que essa consciência se generalize. Diferentemente do nazismo bolsonarista que depende de repetições constantes para fazer valer suas mentiras, nós dependemos de que a verdade chegue com clareza a nosso povo pelo menos uma vez. Como não dispomos dos mesmos recursos que as classes dominantes, essa tarefa não nos resulta fácil. Mas é indispensável.

Nossa militância precisa encontrar maneiras de enfrentar o poder dos algoritmos dos grandes conglomerados informacionais. Precisamos aprender a combinar nossas atividades nas redes digitais com uma presença constante e permanente junto às massas populares. Claro que isto é algo simples de dizer, porém muito difícil de ser efetivado. No entanto, estou seguro de que vale a pena dedicar-se a esta luta.

 

Ø  Oito de janeiro, o dia que “ainda” não acabou. Por Valéria Guerra Reiter

 

O termo “golpe” significa soco, bofetada. Estamos sendo esbofeteados, há tempos; e vivemos sob a égide de golpismos. Somos resistentes, e já provamos isso, através de tantas sublevações de renome: Canudos, Comuna de Manaus, Cabanagem, Revolta da Chibata e tantas outras, sejam nativistas ou separatistas.

 Em 15 de novembro de 1889 foi proclamada a República, que na verdade, tardiamente funcionou como um soco na Monarquia (próspera?). A questão religiosa foi uma questão de relevância para que acontecesse a mudança. As forças militares, com exceção da Marinha, foram também interessadas nesta situação. E a Abolição da Escravidão, foi outro marco de esta proclamação.

   A aristocracia rural descontente (sob os ideais positivistas) conspirou junto às forças armadas para que ocorresse o golpe de Deodoro da Fonseca. Derrubar a Monarquia foi uma questão de tempo: com tudo planejado, inclusive a geração de massa de escravos (já libertos) que ficaram descalços e à deriva, como mendicantes.

 Há uma versão historiográfica de que os abolicionistas, que realmente visaram a liberdade dos seres humanos escravizados por trezentos anos, eram monarquistas. A quartelada de Quinze de Novembro foi necessária em relação aos interesses mundiais. Trocou-se a coroa pela cartola, segundo Gilberto Freire. Já que o imperador Pedro II, iniciou um processo de desleixo em relação ao comando imperial...

   Um país ainda nem independente viu nascer uma república de brinquedo com a espada na mão, e seguimos daí de golpe em golpe, até chegarmos em 1964, ano fatídico, que transforma e patenteia o povo aqui gestado, em “oprimidos vigiados” dentro de um pedaço de chão encharcado de tortura e morte. Na verdade, os golpistas trabalham contra o povo. Sim, a burguesia, a elite, ou o que o valha obedece ao capital, na toada do “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.

  Há clichês sobre o golpe de 1964, os militares e o regime também vão sendo abandonados, como a ideia de que só após 1968 houve tortura e censura; a suposição de que os oficiais generais não tinham responsabilidade pela tortura e o assassinato político, a impressão de que as diversas instâncias da repressão formavam um todo homogêneo e articulado, a classificação simplista dos militares em “duros” ou “moderados” etc. Por tudo isso pode falar de uma nova fase da produção histórica sobre o período.

Por isso o que aconteceu no dia 08 de Janeiro de 2023, pode representar para certos historiadores, o que “atualmente” a imprensa de direita, de cativeiro, ou o que o valha vem classificando apenas como uma atuação da Esquerda, inclusive com a participação governista, vamos repensar leitores, pois este fato acontecido no dia supracitado na Esplanada dos Três Poderes em Brasília, poderá ser o dia que não acabou...e sem dúvida entra já, para a galeria dos “socos” ( ou golpes) contra a reconquista do estado democrático de direito de cada cidadão brasileiro.

  Sem dúvida que o bolsonarismo plantou sua semente ultrajante no âmago de uma parcela da população que passou a destilar seu ódio por todos seus poros direitistas e sectários.

 

Ø  Dino e Pimenta conhecem as tocas dos golpistas escondidos. Por Moisés Mendes

 

Os ministros Flávio Dino e Paulo Pimenta se dirigem aos golpistas ainda impunes com o mesmo tom e a mesma imagem, para definir o lugar em que os fascistas se encontram nas atuais circunstâncias.

Dino e Pimenta disseram no mesmo dia, na semana passada, que as instituições e a CPMI do Golpe irão iluminar sombras e esconderijos dos que continuam escondidos e escapando.

Os esconderijos são conhecidos, os criminosos escondidos são manjados, os crimes cometidos já foram provados.

Falta chegar a civis e militares que ainda não foram alcançados pelo esforço de contenção das ações coordenadas pelo ministro Alexandre de Moraes.

Ainda falta saber o que o Ministério Público reuniu de provas e indícios, principalmente dos que lideraram e financiaram o bloqueio de estradas, os acampamentos e a invasão de Brasília.

Falta chegar além dos caminhoneiros patriotas de chinelo de dedo e dos acampados em transe que tentavam conversar com marcianos.

Falta enquadrar quem não estava em Brasília, para que os agora transformados em réus não sejam apenas os que tentaram se proteger ao lado do QG do Exército. E os outros? Os outros são a maioria ainda escondida.

Falta iluminar as sombras em que se escondem os que, como diz Flávio Dino, não têm coragem nem mesmo para prestar solidariedade aos presos na Papuda.

As sombras são frondosas para os que, desde muito antes do 8 de janeiro, desde a articulação do gabinete do ódio, escondem-se da Justiça, mesmo que estejam sendo investigados.

Buscam sombras até perto do governo os que, depois de fazer discurso golpista em churrascarias de beira de estrada, tentam se aproximar do poder e pedir trégua.

É preciso muito holofote para que os escondidos não continuem sendo apenas cercados. É preciso tirar idealizadores, planejadores e financiadores dos seus esconderijos.

Muitos deles são milionários que Alexandre de Moraes já identificou e determinou que ficassem quietos, antes da eleição.

É gente com habeas corpus econômico. Extremistas de grife mandam avisos sobre os ‘riscos sociais’ representados por suas eventuais prisões.

E apostam de novo que no fim todos ficarão impunes. Consideram-se protegidos pelo poder do dinheiro.

Assim como os militares se acham inalcançáveis porque usam fardas, incluindo os de pijama. 

Dino enxerga os golpistas escondidos um dia na cadeia, o que hoje parece pouco provável para quem já não espera tanta reparação.

Mas de fato não bastará, para alguns deles, que sejam indiciados, tornados réus e condenados. Terão de ser enjaulados.

“Alguns destes permanecerão muitos anos no cárcere”, disse o ministro da Justiça nas redes sociais. Na CPI do Genocídio, diziam o mesmo.

Metade do Brasil foi contagiada pelo otimismo dos senadores Omar Aziz, Renan Calheiros, Randolfe Rodrigues, Humberto Costa, Fabiano Contarato. Ninguém foi preso até hoje, nem ao menos indiciado.

Golpistas com dinheiro, que ocuparam a partir de 2018 e ainda ocupam posições estratégicas em suas cidades, nem sempre são vistos longe das luzes de Brasília.

Mas continuam operando, rearticulando bases regionais para as eleições municipais e aguardando o momento para dar o bote de novo.

É uma realidade incômoda. Um dos piores sentimentos na luta em defesa da democracia é o de que não há avanços.

Há escaramuças, há polvadeira e até algumas baixas entre o inimigo. Há vitória em algumas batalhas.

Mas a sensação destruidora para os que lutam é a mesma que tirava forças dos soldados na Primeira Guerra. É a de estar no mesmo lugar.

Eles transformavam buracos cavados na terra úmida em moradia, porque não conseguiam sair dali e avançar em direção ao inimigo.

Na eleição do ano passado, as trincheiras abertas contra o golpe conseguiram fragilizar o fascismo.

Mas pode ser pouco, se não houver, depois das baixas entre eles, a conquista de terreno.

A CPI do Golpe pode fortalecer o sistema de Justiça, para que todos sigam em frente, como pode afundar na armadilha do lamaçal armado pela extrema direita.

Os democratas não podem se contentar em morar dentro das trincheiras.

 

Fonte: Brasil 247

 

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