Jair de Souza: O
confronto da verdade com o poder da narrativa
Conforme
podemos avaliar pelas notícias veiculadas nos meios de informação nos últimos
dias, uma Comissão Parlamentar Mista de Investigação deverá ser instalada
brevemente para apurar as responsabilidades com relação aos acontecimentos de
08 de janeiro, em Brasília, quando foi desfechado um golpe de Estado com o
intuito de depor ou, ao menos, inviabilizar o governo recém-empossado de Luiz
Inácio Lula da Silva.
Como
todos sabemos, graças a uma rápida e firme atuação do governo nacional, em
especial de parte do Ministro da Justiça Flávio Dino e de seu assessor Ricardo
Capelli, o golpe foi debelado e uma grande quantidade de participantes nos atos
vandálicos foi detida e colocada à disposição do Poder Judiciário.
Agora,
chegou o momento de colocar as coisas em pratos limpos. Quem estava por trás do
fracassado golpe? Quem o idealizou? Quem o financiou? E quem o executou?
Embora,
numa primeira instância, alguns parlamentares do campo da esquerda tivessem sugerido
a abertura de uma comissão parlamentar para abordar esta questão, várias outras
vozes ligadas ao campo governamental se alçaram em contra da ideia. O que se
alegava era que a prioridade deveria ser concentrar nossos esforços em
programas de reconstrução das estruturas sociais da nação, as quais tinham sido
arrasadas durante os anos de gestão do nazismo bolsonarista. Portanto, não
seria conveniente dispersar energia com as atividades desgastantes que uma tal
comissão demandaria.
Por
sua vez, a direita nazista bolsonarista aproveitou-se desse desinteresse
inicial do governo por uma CPI para inundar as redes sociais com a exigência de
sua abertura. Sua argumentação mais contundente passou a ser: “Se o governo não
quer a CPI é porque o governo está com medo de seus resultados. Portanto, o
governo é o culpado pelos acontecimentos”.
É
muito provável que o vazamento feito pela CNN das fotos e vídeos que expunham a
presença do general Gonçalves Dias nos locais depredados tivesse o propósito de
incriminar o próprio governo de Lula pelo vandalismo praticado naquela jornada.
Com isso, os vazadores esperavam dar a volta no disco e transmutar a imagem dos
bolsonaristas envolvidos naquele evento. De violentos perpetradores da
destruição e devastação causadas nas sedes dos três poderes naquele fatídico
dia, eles seriam vistos como vítimas inocentes da manipulação lulista. Talvez
seja isso o que eles esperavam, mas o resultado pode não vir a ser bem assim.
Se
um de seus objetivos tinha sido derrubar o general G. Dias, podemos dizer que
nisto eles foram vitoriosos. Porém, com a exposição pública de todo o material
gravado daqueles episódios, muitas caras de bolsonaristas incrustados no GSI
acabaram sendo reveladas. Em consequência, o panorama resultante pode até ser visto
como bastante favorável ao atual governo. Perde-se o general G. Dias, mas
elimina-se todos os bolsonaristas incrustados naquele órgão vital para a
segurança interna presidencial. Ou seja, uma troca nada desprezível.
Além
do mais, abriu-se uma possibilidade inédita para que a sociedade brasileira dê
seus primeiros passos efetivos para livrar-se por completo da tutela militar a
que estamos submetidos desde os primórdios de nossa república.
Está
mais ou menos evidente que o bolsonarismo vai sair no prejuízo neste ponto. Por
isso, sua intenção é compensar essa perda com um forte desgaste do governo
junto à opinião pública. Se o bolsonarismo conseguisse se passar por vítima da
perseguição lulista, e não como os executores das atividades terroristas que
buscavam consumar um golpe de Estado, sem dúvidas, haveria um significativo
saldo positivo para essa força política de extrema direita.
No
entanto, muitos julgam impossível que o bolsonarismo não saia dessa CPI
amplamente derrotado. O material das câmeras de vigilância já disponibilizado
expõe de maneira cristalina que todas as ações vandálicas perpetradas foram
cometidas por gente profundamente ligada ao bolsonarismo. E se a presença do
general G. Dias foi detectada em atitude passiva em certas cenas, quase uma dezena
de oficiais bolsonaristas de alto escalão lotados no GSI foram flagrados
prestando solidariedade ativa às turbas de saqueadores bolsonaristas. Por
lógica, não haveria como confrontar a realidade. Os golpistas eram, sim,
bolsonaristas.
Em
consonância com este entendimento, o deputado Lindbergh Farias proferiu as
seguintes palavras no programa Quem tem medo da CPMI, transmitido
pela TV 247: “Não tem narrativa possível que passe por cima da verdade”. Em
outras palavras, os fatos estão tão nítidos que ninguém vai conseguir impedir
que eles sejam vistos e aceitos tal como realmente aconteceram. Diversos outros
observadores do cenário vêm externando opiniões semelhantes a esse respeito. No
entanto, gostaria de levantar um alerta em relação com tal posicionamento.
Precisamos
levar em conta que, em termos sociais, nem sempre a verdade se impõe como tal.
Não foi à toa que o principal teórico da comunicação do nazismo hitlerista
(Joseph Goebbels) defendia a tese de que “uma mentira repetida mil vezes passa
a ser uma verdade”. O que o responsável pela propaganda nazista queria dizer é
que o que vale em termos político-sociais é aquilo que as pessoas venham a
considerar como sendo a verdade. Para efeitos políticos práticos, o que vale é
a narrativa que se consegue impor junto à população. Esta era a essência da
comunicação na Alemanha nazista. E não podemos nos esquecer, o bolsonarismo é a
atual versão brasileira do nazismo. E para o bolsonarismo, até mais do que o
era para os hitleristas, a máxima da reiteração da mentira continua em plena
validade.
Só
para refrescar nossa memória, retomemos a questão do kitgay trazida à tona
pelos bolsonaristas no pleito de 2018. Todos nós estávamos inteiramente
conscientes de que se tratava de uma mentira, uma besteira, um absurdo, uma
baboseira que não merecia nenhuma atenção de nossa parte. Mas, mesmo assim,
quem tem dúvidas de que a martelação constante do tema pelas redes sociais, a
divulgação de fotos e a montagem de vídeos falsos com denúncias relacionadas ao
tópico induziram a um bom número de pessoas desinformadas a votar no capitão
nazista bolsonarista naquela eleição?
O
que eu quero enfatizar ao chamar a atenção para este problema é a necessidade
de aumentar nossa capacidade de atuação no combate à propagação de campanhas de
mentiras e falsificações. Por mais que nos desagrade a ideia, é importante ter
em mente que a realidade não se impõe junto às pessoas tão somente por
ser a verdade. Para todos os efeitos práticos, o que vai ser considerado como
verdadeiro é a narrativa que venha a ser aceita pelas pessoas. Muitas vezes, os
fatos por si só podem não dar conta do recado. A prevalência da verdade está
sempre em confronto com o poder da narrativa.
Ainda
quando saibamos que a verdade está conosco, teremos de nos empenhar para que
essa consciência se generalize. Diferentemente do nazismo bolsonarista que
depende de repetições constantes para fazer valer suas mentiras, nós dependemos
de que a verdade chegue com clareza a nosso povo pelo menos uma vez. Como não
dispomos dos mesmos recursos que as classes dominantes, essa tarefa não nos
resulta fácil. Mas é indispensável.
Nossa
militância precisa encontrar maneiras de enfrentar o poder dos algoritmos dos
grandes conglomerados informacionais. Precisamos aprender a combinar nossas atividades
nas redes digitais com uma presença constante e permanente junto às massas
populares. Claro que isto é algo simples de dizer, porém muito difícil de ser
efetivado. No entanto, estou seguro de que vale a pena dedicar-se a esta luta.
Ø
Oito
de janeiro, o dia que “ainda” não acabou. Por Valéria Guerra Reiter
O
termo “golpe” significa soco, bofetada. Estamos sendo esbofeteados, há tempos;
e vivemos sob a égide de golpismos. Somos resistentes, e já provamos isso,
através de tantas sublevações de renome: Canudos, Comuna de Manaus, Cabanagem,
Revolta da Chibata e tantas outras, sejam nativistas ou separatistas.
Em
15 de novembro de 1889 foi proclamada a República, que na verdade, tardiamente
funcionou como um soco na Monarquia (próspera?). A questão religiosa foi uma
questão de relevância para que acontecesse a mudança. As forças militares, com
exceção da Marinha, foram também interessadas nesta situação. E a Abolição da
Escravidão, foi outro marco de esta proclamação.
A
aristocracia rural descontente (sob os ideais positivistas) conspirou junto às
forças armadas para que ocorresse o golpe de Deodoro da Fonseca. Derrubar a
Monarquia foi uma questão de tempo: com tudo planejado, inclusive a geração de
massa de escravos (já libertos) que ficaram descalços e à deriva, como
mendicantes.
Há
uma versão historiográfica de que os abolicionistas, que realmente visaram a
liberdade dos seres humanos escravizados por trezentos anos, eram monarquistas.
A quartelada de Quinze de Novembro foi necessária em relação aos interesses
mundiais. Trocou-se a coroa pela cartola, segundo Gilberto Freire. Já que o
imperador Pedro II, iniciou um processo de desleixo em relação ao comando
imperial...
Um
país ainda nem independente viu nascer uma república de brinquedo com a espada
na mão, e seguimos daí de golpe em golpe, até chegarmos em 1964, ano fatídico,
que transforma e patenteia o povo aqui gestado, em “oprimidos vigiados” dentro
de um pedaço de chão encharcado de tortura e morte. Na verdade, os golpistas
trabalham contra o povo. Sim, a burguesia, a elite, ou o que o valha obedece ao
capital, na toada do “manda quem pode e obedece quem tem juízo”.
Há
clichês sobre o golpe de 1964, os militares e o regime também vão sendo
abandonados, como a ideia de que só após 1968 houve tortura e censura; a
suposição de que os oficiais generais não tinham responsabilidade pela tortura
e o assassinato político, a impressão de que as diversas instâncias da
repressão formavam um todo homogêneo e articulado, a classificação simplista
dos militares em “duros” ou “moderados” etc. Por tudo isso pode falar de uma
nova fase da produção histórica sobre o período.
Por
isso o que aconteceu no dia 08 de Janeiro de 2023, pode representar para certos
historiadores, o que “atualmente” a imprensa de direita, de cativeiro, ou o que
o valha vem classificando apenas como uma atuação da Esquerda,
inclusive com a participação governista, vamos repensar leitores, pois este
fato acontecido no dia supracitado na Esplanada dos Três Poderes em Brasília,
poderá ser o dia que não acabou...e sem dúvida entra já, para a galeria dos
“socos” ( ou golpes) contra a reconquista do estado democrático de direito de
cada cidadão brasileiro.
Sem
dúvida que o bolsonarismo plantou sua semente ultrajante no âmago de uma
parcela da população que passou a destilar seu ódio por todos seus poros
direitistas e sectários.
Ø
Dino
e Pimenta conhecem as tocas dos golpistas escondidos. Por Moisés Mendes
Os
ministros Flávio Dino e Paulo Pimenta se dirigem aos golpistas ainda impunes
com o mesmo tom e a mesma imagem, para definir o lugar em que os fascistas se
encontram nas atuais circunstâncias.
Dino
e Pimenta disseram no mesmo dia, na semana passada, que as instituições e a
CPMI do Golpe irão iluminar sombras e esconderijos dos que continuam escondidos
e escapando.
Os
esconderijos são conhecidos, os criminosos escondidos são manjados, os crimes
cometidos já foram provados.
Falta
chegar a civis e militares que ainda não foram alcançados pelo esforço de
contenção das ações coordenadas pelo ministro Alexandre de Moraes.
Ainda
falta saber o que o Ministério Público reuniu de provas e indícios,
principalmente dos que lideraram e financiaram o bloqueio de estradas, os
acampamentos e a invasão de Brasília.
Falta
chegar além dos caminhoneiros patriotas de chinelo de dedo e dos acampados em
transe que tentavam conversar com marcianos.
Falta
enquadrar quem não estava em Brasília, para que os agora transformados em réus
não sejam apenas os que tentaram se proteger ao lado do QG do Exército. E os
outros? Os outros são a maioria ainda escondida.
Falta
iluminar as sombras em que se escondem os que, como diz Flávio Dino, não têm
coragem nem mesmo para prestar solidariedade aos presos na Papuda.
As
sombras são frondosas para os que, desde muito antes do 8 de janeiro, desde a
articulação do gabinete do ódio, escondem-se da Justiça, mesmo que estejam
sendo investigados.
Buscam
sombras até perto do governo os que, depois de fazer discurso golpista em
churrascarias de beira de estrada, tentam se aproximar do poder e pedir trégua.
É
preciso muito holofote para que os escondidos não continuem sendo apenas
cercados. É preciso tirar idealizadores, planejadores e financiadores dos seus
esconderijos.
Muitos
deles são milionários que Alexandre de Moraes já identificou e determinou que
ficassem quietos, antes da eleição.
É
gente com habeas corpus econômico. Extremistas de grife mandam avisos sobre os
‘riscos sociais’ representados por suas eventuais prisões.
E
apostam de novo que no fim todos ficarão impunes. Consideram-se protegidos pelo
poder do dinheiro.
Assim
como os militares se acham inalcançáveis porque usam fardas, incluindo os de
pijama.
Dino
enxerga os golpistas escondidos um dia na cadeia, o que hoje parece pouco
provável para quem já não espera tanta reparação.
Mas
de fato não bastará, para alguns deles, que sejam indiciados, tornados réus e
condenados. Terão de ser enjaulados.
“Alguns
destes permanecerão muitos anos no cárcere”, disse o ministro da Justiça nas
redes sociais. Na CPI do Genocídio, diziam o mesmo.
Metade
do Brasil foi contagiada pelo otimismo dos senadores Omar Aziz, Renan
Calheiros, Randolfe Rodrigues, Humberto Costa, Fabiano Contarato. Ninguém foi
preso até hoje, nem ao menos indiciado.
Golpistas
com dinheiro, que ocuparam a partir de 2018 e ainda ocupam posições
estratégicas em suas cidades, nem sempre são vistos longe das luzes de
Brasília.
Mas
continuam operando, rearticulando bases regionais para as eleições municipais e
aguardando o momento para dar o bote de novo.
É
uma realidade incômoda. Um dos piores sentimentos na luta em defesa da
democracia é o de que não há avanços.
Há
escaramuças, há polvadeira e até algumas baixas entre o inimigo. Há vitória em
algumas batalhas.
Mas
a sensação destruidora para os que lutam é a mesma que tirava forças dos
soldados na Primeira Guerra. É a de estar no mesmo lugar.
Eles
transformavam buracos cavados na terra úmida em moradia, porque não conseguiam
sair dali e avançar em direção ao inimigo.
Na
eleição do ano passado, as trincheiras abertas contra o golpe conseguiram
fragilizar o fascismo.
Mas
pode ser pouco, se não houver, depois das baixas entre eles, a conquista de
terreno.
A
CPI do Golpe pode fortalecer o sistema de Justiça, para que todos sigam em
frente, como pode afundar na armadilha do lamaçal armado pela extrema direita.
Os
democratas não podem se contentar em morar dentro das trincheiras.
Fonte:
Brasil 247
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