sábado, 1 de abril de 2023

Homem processa mulheres que ajudaram sua ex-esposa a abortar no Texas

Um homem do Texas, nos Estados Unidos, está processando três mulheres que ajudaram sua ex-esposa a obter pílulas para fazer um aborto no ano passado.

A ação movida por Marcus Silva alega que, de acordo com as leis do Texas, "uma pessoa que auxilia uma mulher grávida a fazer um aborto autoadministrado comete o crime de assassinato".

Em 24 de junho de 2022, a Suprema Corte americana reviu decisão de 1973 do tribunal que garantia às mulheres o direito ao aborto em todo o território americano.

Com isso, leis de vários Estados dos EUA que vetavam ou restringiram o acesso à interrupção da gestação passaram a ter eficácia.

É o caso do Texas, onde a legislação local proíbe o acesso ao aborto. A ação movida por Silva se baseia fortemente em mensagens de texto trocadas entre sua ex-esposa e as três mulheres que estão agora sendo processadas.

É o primeiro processo do tipo no Texas desde que a Suprema Corte aboliu a proteção constitucional ao aborto. Silva pede U$S 1 milhão (cerca de R$ 5,23 milhões) em indenização.

O homem acusa as amigas de sua ex-mulher de enviar a ela mensagens com informações sobre o Aid Access, um grupo internacional que entrega medicamentos abortivos por correio.

A troca de mensagens mostra que a ex-esposa, que na época ainda era casada com Silva, tinha receio que o homem tentasse fazê-la continuar com ele se soubesse da gravidez.

Segundo a ação movida por Silva, uma das mulheres entregou o remédio abortivo à sua ex-esposa.

A ação diz que o fabricante da droga também vai ser alvo da mesma ação quando for identificado. No processo, o homem também acusa as três mulheres de "conspiração", por terem supostamente recomendado sua ex-esposa a esconder dele a gravidez e mensagens de texto sobre o assunto.

·         O que diz a legislação no Texas

A ex-esposa de Silva não é acusada na ação por que, pela lei do Texas, a própria mulher que passa pelo aborto não pode ser alvo de processo, mas sim outras pessoas que a auxiliarem na interrupção da gravidez.

Silva e a ex-mulher têm duas filhas, conforme os dados do processo. Ela entrou com pedido de divórcio em maio de 2022 e o divórcio foi finalizado em fevereiro de 2023.

Na ação, o homem diz que a ex-esposa soube da gravidez em julho de 2022, depois que a Suprema Corte já havia derrubado a proteção do direito ao aborto, mas um mês antes de entrar em vigor no Texas uma lei que transformou a interrupção da gravidez em crime com pena de até prisão perpétua. A exceção é para abortos realizados para salvar a vida da mãe.

Já havia, no entanto, uma lei de 2021 no Texas que tornava ilegais quase todas as hipóteses de aborto após seis semanas de gestação.

Essa legislação dava aos cidadãos o direito de processar qualquer pessoa que "conscientemente engajar em conduta que ajuda ou estimula a realização ou indução de um aborto".

Silva está sendo representado na ação pelo deputado estadual republicano Briscoe Cain e por Jonathan Mitchel, um ex-procurador-geral que ajudou a redigir uma das regras restritivas ao aborto no Texas.

As três mulheres acusadas no processo ainda não responderam ao pedido da BBC News Brasil para comentar sobre o caso.

Na semana passada, outras cinco mulheres processaram o Estado do Texas por acesso limitado ao aborto quando corriam risco de vida.

O processo alega que os médicos estão se recusando a realizar o procedimento, mesmo em casos extremos, por medo de serem processados.

Um juiz do Texas também deve decidir em breve sobre uma ação judicial que visa derrubar a aprovação pela FDA, a agência sanitária dos EUA, da pílula abortiva mifepristona.

Se o juiz anular a aprovação do FDA para o mifepristone, isso poderá afetar a disponibilidade do medicamento em todo o país e limitar ainda mais o acesso ao aborto, mesmo nos casos em que ele é permitido.

 

Ø  O que pode mudar com saída do Brasil de 'aliança antiaborto'

 

O governo brasileiro confirmou seu desligamento da Declaração do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família, uma aliança conservadora formada por 37 países e que se posiciona pelo direito à vida, contra o aborto e pelo reconhecimento da família como base da sociedade.

Em nota, os ministérios das Relações Exteriores, da Saúde, das Mulheres, dos Direitos Humanos e da Cidadania afirmaram que o governo considera que o documento possui "entendimento limitativo dos direitos sexuais e reprodutivos e do conceito de família".

Segundo as pastas, esse entendimento pode comprometer a plena implementação da legislação nacional sobre o tema, incluindo os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS).

Ao mesmo tempo, o governo comunicou à Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e à Comissão Interamericana de Mulheres da OEA (Organização dos Estados Americanos) a decisão de se associar ao Compromisso de Santiago e à Declaração do Panamá - entendimentos criados para a promoção da igualdade e da equidade de gênero.

·         O que é o Consenso de Genebra?

O grupo foi criado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump em outubro de 2020, quando 32 países assinaram a declaração em uma cerimônia virtual.

O entendimento foi reafirmado em 2021 e, antes da saída do Brasil, já contava com 37 nações integrantes.

O grupo buscava uniformizar a atuação de governos conservadores em votações sobre a temática dos direitos reprodutivos, educação sexual, legalização do aborto e defesa da família em órgão internacionais.

A declaração de sete pontos enfatiza, entre outras coisas, a união dos países em torno da ideia de que o aborto não "deve ser promovido como método de planejamento familiar" e que "quaisquer medidas ou mudanças relacionadas ao aborto dentro do sistema de saúde só podem ser determinadas em nível nacional ou local de acordo com o processo legislativo nacional".

O texto cita em vários momentos o comprometimento das nações em promover o "mais alto padrão de saúde", além de segurança e direitos iguais para as mulheres, mas sem incluir o aborto.

Os signatários ainda reafirmam que "não há direito internacional ao aborto, nem qualquer obrigação internacional por parte dos Estados de financiar ou facilitar o aborto".

A iniciativa foi liderada pelos Estados Unidos ao lado de Brasil, Egito, Hungria, Indonésia e Uganda.

Na cerimônia virtual de assinatura do documento, em 2020, o Brasil foi representado pelos então ministros das Relações Exteriores e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro, Ernesto Araújo e Damares Alves.

Em 2021, após a eleição de Joe Biden, os EUA deixaram a iniciativa e, a partir dali, o Brasil assumiu maior protagonismo entre o grupo.

·         O que pode mudar com o desligamento da declaração?

A BBC News Brasil consultou pessoas envolvidas com o tema - favoráveis e contrárias à assinatura do Consenso de Genebra - para entender quais podem ser os impactos da saída do Brasil.

Para a antropóloga Lia Zanotta Machado, professora da Universidade de Brasília (UnB) e defensora da ampliação do acesso ao aborto no país, o desligamento será positivo para a ampliação dos direitos femininos.

"A saída representa um alívio para que os direitos das mulheres e a interrupção da gravidez dentro do que postulam o Código Penal e o STF (Supremo Tribunal Federal) voltem a ser encaminhados no Brasil sem todas as dificuldades impostas nos últimos anos", diz.

"Estar fora da aliança contra o aborto é estar fora dos movimentos ultraconservadores, que são conservadores não só nos costumes, mas também em termos de justiça social."

Segundo Zanotta, após se juntar ao grupo, o governo brasileiro passou a aprovar diversas portarias que dificultaram o acesso das mulheres ao aborto mesmo nos casos em que o procedimento é permitido - quando a gravidez é decorrente de estupro, quando há risco à vida da gestante ou quando há um diagnóstico de anencefalia do feto.

Entre elas está a portaria GM/MS nº 2.561, de 23 de setembro de 2020, que estabelecia a necessidade de o médico comunicar o aborto à autoridade policial responsável.

O texto também destacava que era preciso preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro, como fragmentos do embrião ou feto. Ela foi revogada pelo Ministério da Saúde nesta semana.

Para a antropóloga, o desligamento é também "um sinal verde" para que o STF possa desengavetar uma ação que pede a legalização total do aborto nas 12 primeiras semanas de gestação, a ADPF 442.

A saída do Brasil do grupo deve significar ainda uma mudança de posição em organismos internacionais - o que, para a especialista, "é um alívio".

"As extremas-direitas estão forçando posições cada vez mais conservadoras nos organismos internacionais, o que cria cada vez mais condições para impedir os direitos e a dignidade das mulheres", afirmou à BBC.

Já para a advogada Angela Gandra Martins, ex-secretária Nacional da Família do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, a saída do Brasil do Consenso trará prejuízos para o trabalho na área de direitos humanos e desenvolvimento familiar.

"O Consenso deu origem a uma plataforma de debate e intercâmbio em termos de direitos humanos, de forma positiva e compositiva", afirma a professora da Universidade Mackenzie, que participou dos esforços de coordenação e redação da declaração e afirma que vários marcos positivos foram alcançados pelos países do grupo.

Para ela, o desligamento deve impactar diretamente no funcionamento de uma série de projetos impulsionados pela aliança, principalmente daqueles relacionados à promoção do desenvolvimento familiar e da co-responsabilidade no lar como forma de apoio às mulheres. "Nós vamos voltar às políticas familiares de assistencialismo. Mas a família precisa de autonomia, não de assistencialismo", diz.

Além disso, a professora de Direito acredita que a decisão do novo governo pode levar à "estaca zero na autonomia humana". "Estão planejando acabar com tudo que o movimento pró-vida fez. Não exigir boletim de ocorrência para a realização de um aborto em caso de estupro é uma incoerência jurídica", diz.

"Eles vão lutar por legalizar aborto no Brasil, mas vai haver muita oposição."

Gandra Martins ainda recusa a ideia de que o Consenso de Genebra seja uma "aliança antiaborto". Segundo ela, o documento trata de muitas questões além dessa, tal como a defesa da projeção da mulher na sociedade, a formação de novas famílias e a defesa da vida de forma geral.

"O aborto não é padrão de saúde - para muitas mulheres que abortaram, foi na verdade um déficit para a saúde", diz.

Para a deputada federal Chris Tonietto (PL), campeã de proposições de temas relacionados ao aborto na Câmara nos últimos anos e que se define como pró-vida e pró-família, a mudança de governo e a retirada do Brasil da aliança é "um retrocesso gigantesco".

"O novo governo deixou claro, mais uma vez, que não envidará esforços para flexibilizar o aborto no país, além de ter demonstrado seu compromisso com o avanço da cultura da morte, o que contraria a vontade da esmagadora maioria da população brasileira", afirmou a deputada à BBC.

Algumas das últimas pesquisas feitas sobre o tema mostram um crescimento na aceitação da população em relação ao aborto da forma como ele está previsto na lei atualmente, ou seja, legal apenas em casos de estupro, risco à vida da gestante ou diagnóstico de anencefalia do feto, do que à ampliação do direito.

Uma pesquisa do Datafolha divulgada no início de junho mostrou que 39% dos brasileiros entrevistados consideram que a lei deve permanecer como está, enquanto 26% disseram acreditar que o aborto deve ser permitido em mais situações ou em todas as situações.

Por outro lado, 32% disseram concordar com a total restrição da interrupção da gravidez no país. Em dezembro de 2018, a taxa era de 41%.

Em termos globais, a edição de 2021 do estudo Global Views on Abortion, da Ipsos, classificou o Brasil como o quinto país menos favorável à legalização total do aborto em um conjunto de 27 nações analisadas.

Na pesquisa, 31% dos brasileiros disseram ser favoráveis à descriminalização do aborto sempre que for o desejo da mulher — a média nos países pesquisado foi de 46%.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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