quarta-feira, 26 de abril de 2023

Crise no GSI visa atingir Lula por sua posição sobre Ucrânia, diz ex-funcionário do órgão

A veiculação de imagens do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias, por emissora de origem norte-americana tem o objetivo de desestabilizar governo Lula, em função de sua posição sobre o conflito na Ucrânia, disse pesquisador e ex-funcionário do órgão à Sputnik Brasil.

A recente demissão do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, abre as portas para a total reformulação do trabalho deste órgão da Presidência da República, ou até mesmo sua extinção.

Criado em 1999, o GSI assessora o presidente da República no gerenciamento e previsão de crises em áreas vitais para o país, como transportes, disponibilidade hídrica, crise climática, criminalidade urbana, narcotráfico e pandemias.

Desde o governo de Michel Temer, no entanto, o órgão passou a desempenhar novas funções e basear-se na forte presença de militares da ativa e da reserva nos seus quadros.

Criticado por membros da administração petista do planalto, o órgão vive crise intensa após a emissora norte-americana CNN Brasil divulgar imagens do seu ministro-chefe, general Gonçalves Dias, no Palácio do Planalto durante a invasão de bolsonaristas no dia 8 de janeiro.

Próximo a Lula, Gonçalves Dias negou conivência com os atos, mas foi substituído interinamente pelo civil Ricardo Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça e ex-interventor na segurança do Distrito Federal.

Para o professor de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Francisco Carlos Teixeira da Silva, que trabalhou no GSI durante as gestões petistas e de Fernando Henrique Cardoso, o gabinete é essencial para a Presidência da República e não deveria ser extinto.

"Eu defendo a manutenção do GSI, que é um órgão necessário para que o presidente da República tenha acesso a briefings diários sobre a possibilidade de crises", disse Teixeira da Silva à Sputnik Brasil. "O Presidente não pode ficar sem um grupo de assessoria imediata que diga a ele o que se passa em áreas vitais para nação."

O pesquisador, no entanto, reconhece que o gabinete precisa retomar suas funções originais e deixar de atuar como órgão de inteligência privada da Presidência da República.

"Durante a gestão Augusto Heleno, no governo Bolsonaro, o GSI deixou de atuar como órgão de prevenção de crises e passou a ser um partido de apoio ao presidente", argumentou Teixeira da Silva. "O GSI chegou a comprar equipamentos israelenses para espionar cidadãos brasileiros, o que é uma violação flagrante das leis."

Teixeira da Silva, coautor do livro "Como não fazer um golpe de Estado no Brasil", coloca a responsabilidade sobre os acontecimentos de 8 de janeiro nas gestões de Augusto Heleno no GSI e, sobretudo, na Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), "que não produziu briefings sobre a iminência das invasões".

"Mas o general Gonçalves Dias, ao assumir, não alterou a estrutura do GSI que recebeu de Augusto Heleno", considerou Teixeira Gonçalves. "Não acredito que Gonçalves Dias tenha agido por deslealdade, conspiração ou traição, mas, infelizmente, por incompetência."

A administração de Cappelli deve reverter a militarização do GSI, que atualmente conta com cerca de 900 militares, revelou Teixeira Gonçalves.

"Capelli deve avançar claramente na direção de desmilitarizar o GSI", declarou o especialista. "Mas não vejo nenhuma ação no sentido de extinguir o órgão."

•        Crise na Ucrânia

A publicação das imagens do general Gonçalves Dias, que integra o círculo próximo do presidente Lula, por uma emissora de origem norte-americana, meses após as invasões de 8 de janeiro, suscitou questionamentos.

"Há uma vontade de criar crises dentro do governo Lula em função da questão da Ucrânia", acredita Teixeira Gonçalves.

O especialista lembra que membros do próprio GSI vazaram as imagens veiculadas pela CNN Brasil, o que configura "um levante interno contra a diretoria do órgão".

"A CNN Brasil recebeu recentemente o embaixador da União Europeia no Brasil [...] que fez críticas descabidas para seu cargo às posições do Brasil sobre a Ucrânia e à proposta de criação de grupo de países para negociar a paz", lembrou o especialista.

Segundo ele, pouco depois a emissora entrevistou a embaixadora dos EUA no Brasil, que, no dia seguinte, recebeu condecoração do Comando do Leste do Exército Brasileiro, sediado no Rio de Janeiro.

"Há uma coordenação para criar um mal-estar e não podemos descartar que esse episódio da exoneração do Gonçalves Dias seja uma forma de atingir o Lula por causa da questão da Ucrânia", concluiu o especialista.

No dia 19 de abril, a emissora de origem norte-americana CNN Brasil veiculou imagens do então ministro do GSI, general Gonçalves Dias, no Palácio do Planalto durante as invasões do dia 8 de janeiro. A veiculação das imagens gerou a demissão do general, substituído interinamente pelo secretário do Ministério da Justiça Ricardo Capelli. No dia 21 de abril, Gonçalves Dias prestou depoimento à Polícia Federal.

 

       Exército defende GSI com missões retiradas por Lula e estrutura ampliada com civis

 

Após a saída do general Gonçalves Dias da chefia do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), integrantes da cúpula do Exército defendem que o órgão siga sob o comando de um militar e retome atribuições que eram da pasta até o início do ano.

O GSI tinha debaixo do seu guarda-chuva a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e era responsável pela segurança pessoal do presidente e do vice-presidente da República.

Ambas as funções, porém, foram retiradas de lá, no contexto de crise de confiança entre o governo eleito e os militares. A Abin passou a responder à Casa Civil. Já a coordenação da segurança pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ficou à cargo da Polícia Federal.

A avaliação dos militares é que o GSI ficou esvaziado. Essa visão é compartilhada pelo general da reserva Marcos Antônio Amaro, o principal cotado para suceder Gonçalves Dias, pelo comandante do Exército, Tomás Paiva, e pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.

Dias pediu demissão da chefia do GSI após a divulgação de imagens do circuito de segurança do Palácio do Planalto registradas durante os ataques golpistas de 8 de janeiro.

Amaro indicou em conversas com aliados que defenderá o retorno da Abin e do comando da segurança do presidente ao GSI, caso seja escolhido para chefiar o órgão. Se a pasta seguir esvaziada, há dúvidas se toparia assumir o posto.

Lula esteve com Amaro na última quinta-feira (20), pouco antes de embarcar para Portugal. Na rápida conversa, o presidente deixou claro que Amaro estava cotado para comandar o órgão, mas afirmou que o governo ainda estudava a estrutura da pasta para decidir o que fazer com ela.

O petista ainda disse, segundo relatos, que tomaria a decisão final quando retornasse da viagem à Europa, na noite de quarta (26), e que procuraria Amaro novamente na volta.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, alas do governo divergem sobre quem deve comandar o GSI. Uma parte defende que a estrutura passe a ser chefiada por um civil, outra alega que é melhor que continue sob a tutela de um general para evitar atritos com as Forças Armadas. Há ainda quem defenda a extinção do órgão.

Segundo ministros do Palácio do Planalto, a tendência é que Lula mantenha o comando do GSI com um militar, com o intuito de preservar a relação com os fardados. Ainda é considerado o fato de o órgão cuidar de assuntos ligados às Forças, como monitoramento de fronteiras, usinas nucleares e ataques cibernéticos.

No Exército, a avaliação é que o órgão deveria ser comandado por um general quatro estrelas da reserva, para garantir que o chefe tenha patente superior à de seus subordinados —o GSI possui ao menos um general três estrelas.

A cúpula da Força ainda se mostrou favorável a aumentar o número de civis em cargos de comando no órgão.

Generais ouvidos pela reportagem afirmam que Gonçalves Dias (três estrelas) não foi indicado pelo Exército para assumir o GSI, tendo sido uma escolha do próprio Lula pela proximidade que os dois tinham.

Amaro, porém, é indicação pessoal do general Tomás Paiva. A indicação foi feita na última quinta durante reunião entre os ministros Múcio, Flávio Dino (Justiça) e Ricardo Cappelli (GSI, interino), além do comandante militar e do ex-ministro Gonçalves Dias.

"O general Tomás Paiva tem longa história de prestação de serviços ao país. Foi ajudante de ordens do presidente FHC, é um democrata. Ele se mostrou absolutamente aberto e pronto a colaborar com qualquer decisão, encaminhamento que a gente der aqui sob a orientação do presidente", afirmou Cappelli à Folha.

"Foi uma reunião para que não restasse qualquer dúvida ou insegurança com relação a essa harmonia e colaboração", continuou.

Cappelli apresentará a Lula um estudo sobre como definir melhor as funções do GSI, que, para ele, tem como principais atribuições atuar na segurança e fornecer informações de inteligência ao presidente.

Na segunda-feira (24), o ministro interino disse que o presidente não pediu a ele que houvesse uma desmilitarização da pasta. "O GSI ao longo de seus mais de 85 anos de história sempre foi liderado por generais do Exército brasileiro. E eu creio que é preciso a gente superar no Brasil esse falso antagonismo entre civis e militares."

O importante, defendeu Cappelli, é definir melhor as atribuições do gabinete. "E é plenamente possível que militares e civis, como já acontece hoje, convivam harmonicamente, independente de quem vai ter a liderança no processo", completou.

Cappelli também afirmou na tarde de segunda que recebeu de Lula a missão de "acelerar a renovação de quadros" do GSI.

"Isso é absolutamente natural em toda mudança de governo. Estamos acelerando e, em paralelo, estamos reunindo informações sobre as funções, as atribuições do GSI, para que o presidente possa tomar a decisão sob a manutenção da atual estrutura —eventuais ajustes, alterações— na sua volta ao Brasil."

Ainda na segunda, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) afirmou que não há "debate no governo sobre mudança ou não no perfil do GSI".

Favorito para assumir o GSI, Marcos Antônio Amaro dos Santos já havia sido cotado anteriormente para ocupar essa função, durante a transição. Após uma primeira sondagem, não foi procurado novamente.

Amaro chegou ao segundo cargo mais importante do Exército, a chefia do Estado-Maior da Força, antes de ir para a reserva em abril de 2022. Com quatro estrelas, ainda comandou o Comando Militar do Sudeste.

Ele desenvolveu relação próxima com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Os laços foram criados quando o general assumiu a Secretaria de Segurança Presidencial em 2010 —função que ocupou por cinco anos.

Ainda participou do processo de criação da Casa Militar, em 2015, sendo nomeado chefe do órgão por Dilma. Deixou o cargo após o processo de impeachment contra a presidente.

Amaro deveria ter ido à reserva antes do fim de seu período como oficial-general quando, em março de 2021, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu nomear o general Paulo Sérgio Nogueira para o Comando do Exército.

Pelos critérios utilizados na Força, Amaro era mais antigo que Paulo Sérgio e, pela tradição militar, deveria ser levado à reserva após um militar mais moderno assumir o principal cargo do Exército.

Num arranjo interno, porém, ele conseguiu permanecer na Força por mais um ano.

 

       Jeferson Miola: Manter o GSI e, ainda, comandado por militar equivale a parar terapia para câncer; recidiva é certa e pode ser mortal

 

O ministro da Defesa e as cúpulas militares não escondem a prioridade máxima – para não dizer obsessão doentia – em manter o GSI e, ainda, sob controle fardado.

O ministro Múcio Monteiro, que advoga os interesses dos militares junto ao governo ao invés de coordenar as Forças Armadas a partir das diretrizes presidenciais e do poder civil, declarou que o GSI “pode até mudar o nome, outra sigla; mas acabar com o GSI, não”!

Já as cúpulas militares, por meio de transmissões em off à imprensa, mandam o recado de que “até aceitam” que a estrutura do GSI seja “ampliada com civis”, mas defendem que “o órgão deveria ser comandado por um general quatro estrelas da reserva, para garantir que o chefe tenha patente superior a de seus subordinados” [Folha, 25/4/2023].

Esta posição revela com nitidez a percepção castrense de que para eles o GSI é, em essência, uma instalação militar encravada no coração do poder civil, onde o critério de hierarquia deve ser observado.

Manter esta estrutura de poder militar é especialmente funcional às cúpulas militares partidarizadas e conspiradoras, como são as brasileiras, mas é prejudicial à democracia.

A invasão seguida da vandalização do Palácio do Planalto na intentona fascista-militar de 8 de janeiro comprova a funcionalidade do GSI controlado por militares em atentados à democracia e ao Estado de Direito.

Os perpetradores daqueles atentados criminosos tiveram enorme facilidade na invasão e devastação da sede do governo justamente devido à cumplicidade dos militares do GSI nomeados ainda pelo general ultradireitista Augusto Heleno.

Se o GSI não fosse um órgão colonizado por oficiais conspiradores e cumprisse à risca e com profissionalismo suas atribuições com o emprego adequado da força de contenção dos criminosos, a invasão do Planalto seria absolutamente improvável e os criminosos seriam contidos e presos.

As evidências recentes e históricas sobre a conduta dos militares atestam que eles não têm, rigorosamente, respeito e submissão à democracia e ao Estado de Direito, porque aspiram um projeto próprio de poder.

A obsessão dos militares na manutenção do GSI não deriva do compromisso democrático e profissional deles, mas da estratégia de manterem uma trincheira de guerra dentro da institucionalidade civil, a partir de onde podem atuar para corroer e destruir a própria democracia por dentro, como assistimos no 8 de janeiro.

A extinção do GSI não está imune a fortes pressões e tensões exercidas pelos militares e pela extrema-direita fascista.

É difícil antever o nível de tensão que poderão criar e, inclusive, da desestabilização que poderão promover, mas o fracasso desmoralizador da intentona de 8 de janeiro criou a conjuntura política mais favorável para o governo extinguir o GSI.

O governo já iniciou uma terapia de esvaziamento do GSI ao atribuir à PF a responsabilidade pela segurança presidencial ainda na transição e, após o 8 de janeiro, ao transferir a ABIN para a Casa Civil.

O GSI perdeu totalmente relevância institucional do ponto de vista da institucionalidade civil e democrática.

Suas atribuições residuais, de segurança militar das residências oficiais e Palácios poderão ser naturalmente absorvidas por uma Casa Militar, de caráter meramente técnico-operacional.

Manter o GSI; e, ainda por cima, comandado por oficiais militares, equivale à interrupção da quimioterapia no tratamento de um câncer: a recidiva da doença é certa, e pode ser mortal para um organismo chamado democracia.

 

Fonte: Sputnik Brasil/FolhaPress/Viomundo

 

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