Crise no GSI visa
atingir Lula por sua posição sobre Ucrânia, diz ex-funcionário do órgão
A
veiculação de imagens do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional
(GSI), Gonçalves Dias, por emissora de origem norte-americana tem o objetivo de
desestabilizar governo Lula, em função de sua posição sobre o conflito na
Ucrânia, disse pesquisador e ex-funcionário do órgão à Sputnik Brasil.
A
recente demissão do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional
(GSI), general Gonçalves Dias, abre as portas para a total reformulação do
trabalho deste órgão da Presidência da República, ou até mesmo sua extinção.
Criado
em 1999, o GSI assessora o presidente da República no gerenciamento e previsão
de crises em áreas vitais para o país, como transportes, disponibilidade
hídrica, crise climática, criminalidade urbana, narcotráfico e pandemias.
Desde
o governo de Michel Temer, no entanto, o órgão passou a desempenhar novas
funções e basear-se na forte presença de militares da ativa e da reserva nos
seus quadros.
Criticado
por membros da administração petista do planalto, o órgão vive crise intensa
após a emissora norte-americana CNN Brasil divulgar imagens do seu ministro-chefe,
general Gonçalves Dias, no Palácio do Planalto durante a invasão de
bolsonaristas no dia 8 de janeiro.
Próximo
a Lula, Gonçalves Dias negou conivência com os atos, mas foi substituído
interinamente pelo civil Ricardo Cappelli, secretário-executivo do Ministério
da Justiça e ex-interventor na segurança do Distrito Federal.
Para
o professor de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
Francisco Carlos Teixeira da Silva, que trabalhou no GSI durante as gestões
petistas e de Fernando Henrique Cardoso, o gabinete é essencial para a
Presidência da República e não deveria ser extinto.
"Eu
defendo a manutenção do GSI, que é um órgão necessário para que o presidente da
República tenha acesso a briefings diários sobre a possibilidade de
crises", disse Teixeira da Silva à Sputnik Brasil. "O Presidente não
pode ficar sem um grupo de assessoria imediata que diga a ele o que se passa em
áreas vitais para nação."
O
pesquisador, no entanto, reconhece que o gabinete precisa retomar suas funções
originais e deixar de atuar como órgão de inteligência privada da Presidência
da República.
"Durante
a gestão Augusto Heleno, no governo Bolsonaro, o GSI deixou de atuar como órgão
de prevenção de crises e passou a ser um partido de apoio ao presidente", argumentou
Teixeira da Silva. "O GSI chegou a comprar equipamentos israelenses para
espionar cidadãos brasileiros, o que é uma violação flagrante das leis."
Teixeira
da Silva, coautor do livro "Como não fazer um golpe de Estado no
Brasil", coloca a responsabilidade sobre os acontecimentos de 8 de janeiro
nas gestões de Augusto Heleno no GSI e, sobretudo, na Agência Brasileira de
Inteligência (ABIN), "que não produziu briefings sobre a iminência das
invasões".
"Mas
o general Gonçalves Dias, ao assumir, não alterou a estrutura do GSI que
recebeu de Augusto Heleno", considerou Teixeira Gonçalves. "Não
acredito que Gonçalves Dias tenha agido por deslealdade, conspiração ou
traição, mas, infelizmente, por incompetência."
A
administração de Cappelli deve reverter a militarização do GSI, que atualmente
conta com cerca de 900 militares, revelou Teixeira Gonçalves.
"Capelli
deve avançar claramente na direção de desmilitarizar o GSI", declarou o
especialista. "Mas não vejo nenhuma ação no sentido de extinguir o
órgão."
• Crise na Ucrânia
A
publicação das imagens do general Gonçalves Dias, que integra o círculo próximo
do presidente Lula, por uma emissora de origem norte-americana, meses após as
invasões de 8 de janeiro, suscitou questionamentos.
"Há
uma vontade de criar crises dentro do governo Lula em função da questão da
Ucrânia", acredita Teixeira Gonçalves.
O
especialista lembra que membros do próprio GSI vazaram as imagens veiculadas
pela CNN Brasil, o que configura "um levante interno contra a diretoria do
órgão".
"A
CNN Brasil recebeu recentemente o embaixador da União Europeia no Brasil [...]
que fez críticas descabidas para seu cargo às posições do Brasil sobre a
Ucrânia e à proposta de criação de grupo de países para negociar a paz",
lembrou o especialista.
Segundo
ele, pouco depois a emissora entrevistou a embaixadora dos EUA no Brasil, que,
no dia seguinte, recebeu condecoração do Comando do Leste do Exército
Brasileiro, sediado no Rio de Janeiro.
"Há
uma coordenação para criar um mal-estar e não podemos descartar que esse
episódio da exoneração do Gonçalves Dias seja uma forma de atingir o Lula por
causa da questão da Ucrânia", concluiu o especialista.
No
dia 19 de abril, a emissora de origem norte-americana CNN Brasil veiculou
imagens do então ministro do GSI, general Gonçalves Dias, no Palácio do
Planalto durante as invasões do dia 8 de janeiro. A veiculação das imagens
gerou a demissão do general, substituído interinamente pelo secretário do
Ministério da Justiça Ricardo Capelli. No dia 21 de abril, Gonçalves Dias
prestou depoimento à Polícia Federal.
Exército defende GSI com missões
retiradas por Lula e estrutura ampliada com civis
Após
a saída do general Gonçalves Dias da chefia do GSI (Gabinete de Segurança
Institucional), integrantes da cúpula do Exército defendem que o órgão siga sob
o comando de um militar e retome atribuições que eram da pasta até o início do
ano.
O
GSI tinha debaixo do seu guarda-chuva a Abin (Agência Brasileira de
Inteligência) e era responsável pela segurança pessoal do presidente e do
vice-presidente da República.
Ambas
as funções, porém, foram retiradas de lá, no contexto de crise de confiança
entre o governo eleito e os militares. A Abin passou a responder à Casa Civil.
Já a coordenação da segurança pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) ficou à cargo da Polícia Federal.
A
avaliação dos militares é que o GSI ficou esvaziado. Essa visão é compartilhada
pelo general da reserva Marcos Antônio Amaro, o principal cotado para suceder
Gonçalves Dias, pelo comandante do Exército, Tomás Paiva, e pelo ministro da
Defesa, José Múcio Monteiro.
Dias
pediu demissão da chefia do GSI após a divulgação de imagens do circuito de
segurança do Palácio do Planalto registradas durante os ataques golpistas de 8
de janeiro.
Amaro
indicou em conversas com aliados que defenderá o retorno da Abin e do comando
da segurança do presidente ao GSI, caso seja escolhido para chefiar o órgão. Se
a pasta seguir esvaziada, há dúvidas se toparia assumir o posto.
Lula
esteve com Amaro na última quinta-feira (20), pouco antes de embarcar para
Portugal. Na rápida conversa, o presidente deixou claro que Amaro estava cotado
para comandar o órgão, mas afirmou que o governo ainda estudava a estrutura da
pasta para decidir o que fazer com ela.
O
petista ainda disse, segundo relatos, que tomaria a decisão final quando
retornasse da viagem à Europa, na noite de quarta (26), e que procuraria Amaro
novamente na volta.
Como
mostrou a Folha de S.Paulo, alas do governo divergem sobre quem deve comandar o
GSI. Uma parte defende que a estrutura passe a ser chefiada por um civil, outra
alega que é melhor que continue sob a tutela de um general para evitar atritos
com as Forças Armadas. Há ainda quem defenda a extinção do órgão.
Segundo
ministros do Palácio do Planalto, a tendência é que Lula mantenha o comando do
GSI com um militar, com o intuito de preservar a relação com os fardados. Ainda
é considerado o fato de o órgão cuidar de assuntos ligados às Forças, como
monitoramento de fronteiras, usinas nucleares e ataques cibernéticos.
No
Exército, a avaliação é que o órgão deveria ser comandado por um general quatro
estrelas da reserva, para garantir que o chefe tenha patente superior à de seus
subordinados —o GSI possui ao menos um general três estrelas.
A
cúpula da Força ainda se mostrou favorável a aumentar o número de civis em
cargos de comando no órgão.
Generais
ouvidos pela reportagem afirmam que Gonçalves Dias (três estrelas) não foi
indicado pelo Exército para assumir o GSI, tendo sido uma escolha do próprio
Lula pela proximidade que os dois tinham.
Amaro,
porém, é indicação pessoal do general Tomás Paiva. A indicação foi feita na
última quinta durante reunião entre os ministros Múcio, Flávio Dino (Justiça) e
Ricardo Cappelli (GSI, interino), além do comandante militar e do ex-ministro
Gonçalves Dias.
"O
general Tomás Paiva tem longa história de prestação de serviços ao país. Foi
ajudante de ordens do presidente FHC, é um democrata. Ele se mostrou
absolutamente aberto e pronto a colaborar com qualquer decisão, encaminhamento
que a gente der aqui sob a orientação do presidente", afirmou Cappelli à
Folha.
"Foi
uma reunião para que não restasse qualquer dúvida ou insegurança com relação a
essa harmonia e colaboração", continuou.
Cappelli
apresentará a Lula um estudo sobre como definir melhor as funções do GSI, que,
para ele, tem como principais atribuições atuar na segurança e fornecer
informações de inteligência ao presidente.
Na
segunda-feira (24), o ministro interino disse que o presidente não pediu a ele
que houvesse uma desmilitarização da pasta. "O GSI ao longo de seus mais
de 85 anos de história sempre foi liderado por generais do Exército brasileiro.
E eu creio que é preciso a gente superar no Brasil esse falso antagonismo entre
civis e militares."
O
importante, defendeu Cappelli, é definir melhor as atribuições do gabinete.
"E é plenamente possível que militares e civis, como já acontece hoje,
convivam harmonicamente, independente de quem vai ter a liderança no
processo", completou.
Cappelli
também afirmou na tarde de segunda que recebeu de Lula a missão de
"acelerar a renovação de quadros" do GSI.
"Isso
é absolutamente natural em toda mudança de governo. Estamos acelerando e, em
paralelo, estamos reunindo informações sobre as funções, as atribuições do GSI,
para que o presidente possa tomar a decisão sob a manutenção da atual estrutura
—eventuais ajustes, alterações— na sua volta ao Brasil."
Ainda
na segunda, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) afirmou que
não há "debate no governo sobre mudança ou não no perfil do GSI".
Favorito
para assumir o GSI, Marcos Antônio Amaro dos Santos já havia sido cotado
anteriormente para ocupar essa função, durante a transição. Após uma primeira
sondagem, não foi procurado novamente.
Amaro
chegou ao segundo cargo mais importante do Exército, a chefia do Estado-Maior da
Força, antes de ir para a reserva em abril de 2022. Com quatro estrelas, ainda
comandou o Comando Militar do Sudeste.
Ele
desenvolveu relação próxima com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Os laços
foram criados quando o general assumiu a Secretaria de Segurança Presidencial
em 2010 —função que ocupou por cinco anos.
Ainda
participou do processo de criação da Casa Militar, em 2015, sendo nomeado chefe
do órgão por Dilma. Deixou o cargo após o processo de impeachment contra a
presidente.
Amaro
deveria ter ido à reserva antes do fim de seu período como oficial-general
quando, em março de 2021, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) decidiu nomear o
general Paulo Sérgio Nogueira para o Comando do Exército.
Pelos
critérios utilizados na Força, Amaro era mais antigo que Paulo Sérgio e, pela
tradição militar, deveria ser levado à reserva após um militar mais moderno
assumir o principal cargo do Exército.
Num
arranjo interno, porém, ele conseguiu permanecer na Força por mais um ano.
Jeferson Miola: Manter o GSI e, ainda,
comandado por militar equivale a parar terapia para câncer; recidiva é certa e
pode ser mortal
O
ministro da Defesa e as cúpulas militares não escondem a prioridade máxima –
para não dizer obsessão doentia – em manter o GSI e, ainda, sob controle
fardado.
O
ministro Múcio Monteiro, que advoga os interesses dos militares junto ao
governo ao invés de coordenar as Forças Armadas a partir das diretrizes
presidenciais e do poder civil, declarou que o GSI “pode até mudar o nome,
outra sigla; mas acabar com o GSI, não”!
Já
as cúpulas militares, por meio de transmissões em off à imprensa, mandam o
recado de que “até aceitam” que a estrutura do GSI seja “ampliada com civis”,
mas defendem que “o órgão deveria ser comandado por um general quatro estrelas
da reserva, para garantir que o chefe tenha patente superior a de seus
subordinados” [Folha, 25/4/2023].
Esta
posição revela com nitidez a percepção castrense de que para eles o GSI é, em
essência, uma instalação militar encravada no coração do poder civil, onde o
critério de hierarquia deve ser observado.
Manter
esta estrutura de poder militar é especialmente funcional às cúpulas militares
partidarizadas e conspiradoras, como são as brasileiras, mas é prejudicial à
democracia.
A
invasão seguida da vandalização do Palácio do Planalto na intentona
fascista-militar de 8 de janeiro comprova a funcionalidade do GSI controlado
por militares em atentados à democracia e ao Estado de Direito.
Os
perpetradores daqueles atentados criminosos tiveram enorme facilidade na
invasão e devastação da sede do governo justamente devido à cumplicidade dos
militares do GSI nomeados ainda pelo general ultradireitista Augusto Heleno.
Se
o GSI não fosse um órgão colonizado por oficiais conspiradores e cumprisse à
risca e com profissionalismo suas atribuições com o emprego adequado da força
de contenção dos criminosos, a invasão do Planalto seria absolutamente
improvável e os criminosos seriam contidos e presos.
As
evidências recentes e históricas sobre a conduta dos militares atestam que eles
não têm, rigorosamente, respeito e submissão à democracia e ao Estado de
Direito, porque aspiram um projeto próprio de poder.
A
obsessão dos militares na manutenção do GSI não deriva do compromisso
democrático e profissional deles, mas da estratégia de manterem uma trincheira
de guerra dentro da institucionalidade civil, a partir de onde podem atuar para
corroer e destruir a própria democracia por dentro, como assistimos no 8 de
janeiro.
A
extinção do GSI não está imune a fortes pressões e tensões exercidas pelos
militares e pela extrema-direita fascista.
É
difícil antever o nível de tensão que poderão criar e, inclusive, da
desestabilização que poderão promover, mas o fracasso desmoralizador da
intentona de 8 de janeiro criou a conjuntura política mais favorável para o
governo extinguir o GSI.
O
governo já iniciou uma terapia de esvaziamento do GSI ao atribuir à PF a
responsabilidade pela segurança presidencial ainda na transição e, após o 8 de
janeiro, ao transferir a ABIN para a Casa Civil.
O
GSI perdeu totalmente relevância institucional do ponto de vista da
institucionalidade civil e democrática.
Suas
atribuições residuais, de segurança militar das residências oficiais e Palácios
poderão ser naturalmente absorvidas por uma Casa Militar, de caráter meramente
técnico-operacional.
Manter
o GSI; e, ainda por cima, comandado por oficiais militares, equivale à
interrupção da quimioterapia no tratamento de um câncer: a recidiva da doença é
certa, e pode ser mortal para um organismo chamado democracia.
Fonte:
Sputnik Brasil/FolhaPress/Viomundo
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