'Absurdo o que ouvi
até agora', diz passista que teve o braço amputado e que acredita ter sido
vítima de erro médico
A
trancista e passista da Grande Rio Alessandra
dos Santos Silva, que teve parte do braço esquerdo amputado após ser
internada para tratar de um problema no útero, ficou contrariada ao saber que
um dos médicos que a atenderam negou um
possível erro do hospital.
"Alguns
médicos foram dar depoimento já e o que eu tô percebendo é que parece que fui
eu que pedi pra ficar com o braço amputado. É um absurdo o que eu ouvi até
agora", comentou Alessandra.
A
primeira intervenção médica de Alessandra aconteceu no Hospital da Mulher
Heloneida Studart, em São João de
Meriti, na Baixada Fluminense, no dia 3 de fevereiro, quando ela
retirou miomas do útero.
Após
o procedimento, a passista apresentou complicações, como os dedos escuros, e
acabou tendo parte do
braço amputado após ser transferida para o Instituto Estadual
de Cardiologia Aloysio de Castro (Iecac), em Botafogo, na Zona Sul do Rio.
Ao g1, a passista disse que o
atendimento no segundo hospital salvou sua vida. Segundo ela, o problema
aconteceu no Hospital da Mulher.
"Se
eu tive o braço amputado foi para salvar a minha vida do estado que eu cheguei
lá. Se eu tivesse chegado em bom estado, não teriam que ter feito isso",
concluiu.
"Acabaram
com a minha autoestima, acabaram com meu psicológico, acabaram com meu noivado.
Me destruíram. É muito doloroso. Eles destruíram minha profissão. Cabeleireira,
trancista, implantista. Como que eu trabalho agora? Vou sobreviver de que?",
questionou Alessandra.
Gustavo
Machado, o médico responsável pela primeira cirurgia na passista, prestou
depoimento na última terça-feira (25), na 64ª DP (Meriti). Ele disse que
não houve negligência em seu atendimento.
A
Fundação Saúde, órgão ligado ao Governo do Estado do Rio de
Janeiro, instaurou uma sindicância administrativa para avaliar os
procedimentos realizados em Alessandra. A Fundação diz que, apesar de todo
empenho da equipe, "lamentavelmente, a evolução clínica da paciente foi
desfavorável". Segundo a fundação, foi preciso aplicar medicação para
conter uma hemorragia, mas que pode ter
gerado a complicação no braço e que levou à amputação.
·
Recuperação difícil
Durante
a retirada de 19 miomas (tumores benignos) no Hospital da Mulher, Alessandra
sofreu uma hemorragia interna. Em seguida, a unidade de saúde de São João de
Meriti avisou a família da paciente que seria necessário fazer a retirada
completa do útero.
Após
a nova cirurgia, a passista começou a apresentar problemas vasculares, como
dedos escurecidos, segundo relatou a família. Alessandra então foi transferida
para o Iecac, onde os médicos identificaram que a necrose iria se alastrar pelo
corpo, caso o braço não fosse amputado.
A
cirurgia foi feita e após o período de recuperação Alessandra foi liberada, mas
orientada a retornar ao Hospital da Mulher para que eles explicassem o que
teria ocorrido. A família da passista se recusou a retornar à unidade.
Alessandra então conseguiu uma vaga no Hospital Maternidade Fernando Magalhães
e depois foi transferida para o Hospital Municipal Souza Aguiar, onde ainda
ficou por mais um mês até ser liberada.
Na
última terça, Alessandra retornou ao Souza Aguiar, no Centro do Rio, para a
retirada dos pontos da barriga.
"Eu
tô melhor esteticamente, mas psicologicamente eu continuo no mesmo estágio.
Muito abalada, sem planos, sem saber o que eu vou fazer pra sobreviver",
contou Alessandra.
"Nunca
tive problema de saúde. Uma pessoa alegre, brincalhona e minha vida mudou
completamente. Não sei o que eu vou fazer. Só quero correr atrás dos meus
direitos", completou.
·
Investigação
Além
do depoimento do cirurgião Gustavo Machado, os investigadores da 64ª DP
(Meriti) também ouviram um ginecologista que participou da operação e um médico
do CTI para onde Alessandra foi levada — todos do Hospital da Mulher Heloneida
Studart.
Nos
próximos dias, a Polícia Civil também deve ouvir os profissionais do Instituto
Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (Iecac), a segunda unidade onde a
passista se internou e onde foi feita a amputação do braço.
Alessandra
dos Santos Silva no salão — Foto: Reprodução/TV Globo
O
delegado Bruno Enrique de Abreu Menezes, titular da 64ª DP, comentou sobre o
andamento das investigações. A polícia investiga se houve alguma negligência ou
imperícia.
"Só
vamos ter essa reposta após uma perícia médico legal. O prontuário médico será
analisado e o IML nos dará uma resposta. Se houver negligência e imperícia será
imputada uma responsabilidade penal ao responsável que iremos identificar.
Vamos ouvir o responsável pelo CTI e o médico responsável pela retirada do
membro", comentou o delegado.
·
O que dizem os envolvidos
Em
nota, A Fundação Saúde, responsável pelo Hospital da Mulher Heloneida Studart,
informou que está apurando o caso e colaborando com as investigações. A unidade
declarou que Alessandra sofreu hemorragia interna e complicações que causaram o
problema no braço.
Ainda
segundo a fundação, após a transferência para o Hospital Aluísio de Castro,
manteve contato para acompanhar a evolução do quadro da paciente e, depois,
ofereceu assistência ambulatorial.
RELEMBRE
O CASO:
·
Passista
da Grande Rio se interna para retirar miomas no útero e volta para casa com
braço amputado
Uma
passista da Acadêmicos do
Grande Rio se internou para retirar miomas no útero e teve alta
dias depois com parte do braço esquerdo amputado.
“Só
lembro mesmo disso, de acordar em outro hospital sem o braço”, disse Alessandra dos Santos Silva, de 35
anos, que também é trancista.
A
família de Alessandra disse que até agora, dois meses e meio depois dos
procedimentos, nenhuma autoridade explicou a causa que levou à amputação —
apenas foi dito que ela corria risco de necrose.
A
Secretaria Estadual de Saúde e a Polícia Civil do RJ investigam o caso.
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Cronologia do caso
- Agosto de
2022: Alessandra
sente dores e tem sangramentos. Exames apontam miomas no útero, e
especialistas recomendam a retirada imediata. Ela começa a se preparar e
passa a tentar agendar o procedimento na rede pública.
- 30 de janeiro: Quase
seis meses depois, Alessandra recebe uma ligação do Hospital da Mulher
Heloneida Studart, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense,
convocando-a para a cirurgia.
- 3 de
fevereiro: Alessandra
se interna e é operada pela manhã. À noite, médicos detectam uma
hemorragia.
- 4 de
fevereiro: o
Hospital da Mulher avisa à família que terá de fazer em Alessandra uma
histerectomia total — a retirada completa do útero.
- 5 de
fevereiro: parentes
foram visitar Alessandra, mas ela estava intubada e, segundo
eles, com as pontas dos dedos esquerdo escurecidas. Braços e pernas
estavam enfaixados. Segundo a mãe, falaram que a paciente “estava com
frio”.
- 6 de
fevereiro: a
família é avisada de que Alessandra — ainda intubada — terá que ser
transferida para o Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro
(Iecac), em Botafogo. Segundo parentes, o braço da passista estava
praticamente preto. Um médico lhes diz que iria drenar o braço, “que
já estava começando a necrosar”.
- 10 de
fevereiro: o
Iecac informa que a drenagem não deu certo e que “ou era a vida de
Alessandra, ou era o braço”, porque a necrose iria se alastrar. A família
autoriza a amputação. A cirurgia é feita, mas o estado da mulher se
agrava, com o rim e o fígado quase parando e com risco de uma
infecção generalizada.
“Ela
subiu com os médicos apavorados para salvá-la, ou não ia sair dali viva.
Chamaram a gente no canto: ‘Queríamos que vocês olhassem a mão dela. Ou tirava,
ou ela ia morrer’”, lembrou a mãe, Ana Maria.
- 12 de
fevereiro: Alessandra
é extubada.
- 15 de
fevereiro: A
passista recebe alta.
- 28 de
fevereiro: A
mulher volta ao Iecac para a revisão da cirurgia de amputação. Segundo a
mãe, o médico se assusta com o estado dos pontos no braço e na
barriga e recomenda que elas voltem ao Heloneida Studart. A família,
porém, decide não retornar à unidade e passa a buscar alternativas.
- 4 de março: após ser
recusada em diferentes hospitais, Alessandra é internada no Hospital
Maternidade Fernando Magalhães e transferida para o Hospital Municipal
Souza Aguiar.
- 4 de abril: Alessandra
recebe alta.
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Ajuda dos amigos
A
família da Alessandra também diz que ela só está viva graças à ajuda dos
amigos, que foram incansáveis.
“A
gente correu muitos hospitais para tentar que ela entrasse, mas todos alegaram
que ela tinha que voltar para o lugar onde ela passou pela cirurgia”, disse
Lukas Matarazzo. Mas a família não quis retornar para o Heloneida Studart e só
conseguiu a vaga na rede municipal.
Agora,
a família ainda conta com a ajuda dos amigos para arcar com todos os
medicamentos e com a fisioterapia.
A
família fez um boletim de ocorrência na delegacia.
“Já
fizemos um requerimento nos hospitais para pegar os prontuários. A partir desse
documento, a gente vai entrar com uma ação contra o Estado”, afirmou a advogada
Bianca Kald.
Alessandra
está noiva há 11 anos e tinha o sonho — agora impossível — de engravidar. Ela
também não sabe como vai conseguir trabalhar em salões de cabeleireiro sem uma
das mãos.
“Eu
quero que os responsáveis paguem, que o hospital se responsabilize, porque eles
conseguiram acabar com a minha vida. Destruíram meu trabalho, minha carreira,
meu sonho... tudo”, declarou Alessandra.
·
O que dizem as autoridades
A
Secretaria Estadual de Saúde disse que vai abrir uma sindicância para apurar o
que aconteceu no Hospital da Mulher Heloneida Studart.
A
Polícia Civil informou que o caso foi registrado na 64ª DP (São João de Meriti)
e que os agentes requisitaram o laudo médico de atendimento na unidade para
fazer uma análise.
·
Caso semelhante em hospital particular
Um
caso semelhante aconteceu em
outubro do ano passado. Gleice Kelly Silva deu entrada no Hospital
da Mulher Intermédica de Jacarepaguá para dar à luz e, dias depois, teve o
braço amputado.
Gleice
teve uma hemorragia depois do parto e, segundo os familiares da jovem, os
médicos decidiram criar um acesso venoso na mão dela para introduzir a
medicação. Mas, durante o procedimento, a jovem relata que começou a sentir
muita dor e incômodo.
Logo
depois, a mão foi ficando roxa e inchada. O quadro de saúde da jovem foi se
agravando, e os médicos decidiram transferi-la para outro hospital da mesma
rede, em São Gonçalo, na Região Metropolitana.
Três
dias após o nascimento da bebê, ela e os familiares receberam a notícia de que
a mulher teria que amputar a mão.
Fonte:
g1
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