quarta-feira, 26 de abril de 2023

'Absurdo o que ouvi até agora', diz passista que teve o braço amputado e que acredita ter sido vítima de erro médico

A trancista e passista da Grande Rio Alessandra dos Santos Silva, que teve parte do braço esquerdo amputado após ser internada para tratar de um problema no útero, ficou contrariada ao saber que um dos médicos que a atenderam negou um possível erro do hospital.

"Alguns médicos foram dar depoimento já e o que eu tô percebendo é que parece que fui eu que pedi pra ficar com o braço amputado. É um absurdo o que eu ouvi até agora", comentou Alessandra.

A primeira intervenção médica de Alessandra aconteceu no Hospital da Mulher Heloneida Studart, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, no dia 3 de fevereiro, quando ela retirou miomas do útero.

Após o procedimento, a passista apresentou complicações, como os dedos escuros, e acabou tendo parte do braço amputado após ser transferida para o Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (Iecac), em Botafogo, na Zona Sul do Rio.

Ao g1, a passista disse que o atendimento no segundo hospital salvou sua vida. Segundo ela, o problema aconteceu no Hospital da Mulher.

"Se eu tive o braço amputado foi para salvar a minha vida do estado que eu cheguei lá. Se eu tivesse chegado em bom estado, não teriam que ter feito isso", concluiu.

"Acabaram com a minha autoestima, acabaram com meu psicológico, acabaram com meu noivado. Me destruíram. É muito doloroso. Eles destruíram minha profissão. Cabeleireira, trancista, implantista. Como que eu trabalho agora? Vou sobreviver de que?", questionou Alessandra.

Gustavo Machado, o médico responsável pela primeira cirurgia na passista, prestou depoimento na última terça-feira (25), na 64ª DP (Meriti). Ele disse que não houve negligência em seu atendimento.

A Fundação Saúde, órgão ligado ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, instaurou uma sindicância administrativa para avaliar os procedimentos realizados em Alessandra. A Fundação diz que, apesar de todo empenho da equipe, "lamentavelmente, a evolução clínica da paciente foi desfavorável". Segundo a fundação, foi preciso aplicar medicação para conter uma hemorragia, mas que pode ter gerado a complicação no braço e que levou à amputação.

·         Recuperação difícil

Durante a retirada de 19 miomas (tumores benignos) no Hospital da Mulher, Alessandra sofreu uma hemorragia interna. Em seguida, a unidade de saúde de São João de Meriti avisou a família da paciente que seria necessário fazer a retirada completa do útero.

Após a nova cirurgia, a passista começou a apresentar problemas vasculares, como dedos escurecidos, segundo relatou a família. Alessandra então foi transferida para o Iecac, onde os médicos identificaram que a necrose iria se alastrar pelo corpo, caso o braço não fosse amputado.

A cirurgia foi feita e após o período de recuperação Alessandra foi liberada, mas orientada a retornar ao Hospital da Mulher para que eles explicassem o que teria ocorrido. A família da passista se recusou a retornar à unidade. Alessandra então conseguiu uma vaga no Hospital Maternidade Fernando Magalhães e depois foi transferida para o Hospital Municipal Souza Aguiar, onde ainda ficou por mais um mês até ser liberada.

Na última terça, Alessandra retornou ao Souza Aguiar, no Centro do Rio, para a retirada dos pontos da barriga.

"Eu tô melhor esteticamente, mas psicologicamente eu continuo no mesmo estágio. Muito abalada, sem planos, sem saber o que eu vou fazer pra sobreviver", contou Alessandra.

"Nunca tive problema de saúde. Uma pessoa alegre, brincalhona e minha vida mudou completamente. Não sei o que eu vou fazer. Só quero correr atrás dos meus direitos", completou.

·         Investigação

Além do depoimento do cirurgião Gustavo Machado, os investigadores da 64ª DP (Meriti) também ouviram um ginecologista que participou da operação e um médico do CTI para onde Alessandra foi levada — todos do Hospital da Mulher Heloneida Studart.

Nos próximos dias, a Polícia Civil também deve ouvir os profissionais do Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (Iecac), a segunda unidade onde a passista se internou e onde foi feita a amputação do braço.

Alessandra dos Santos Silva no salão — Foto: Reprodução/TV Globo

O delegado Bruno Enrique de Abreu Menezes, titular da 64ª DP, comentou sobre o andamento das investigações. A polícia investiga se houve alguma negligência ou imperícia.

"Só vamos ter essa reposta após uma perícia médico legal. O prontuário médico será analisado e o IML nos dará uma resposta. Se houver negligência e imperícia será imputada uma responsabilidade penal ao responsável que iremos identificar. Vamos ouvir o responsável pelo CTI e o médico responsável pela retirada do membro", comentou o delegado.

·         O que dizem os envolvidos

Em nota, A Fundação Saúde, responsável pelo Hospital da Mulher Heloneida Studart, informou que está apurando o caso e colaborando com as investigações. A unidade declarou que Alessandra sofreu hemorragia interna e complicações que causaram o problema no braço.

Ainda segundo a fundação, após a transferência para o Hospital Aluísio de Castro, manteve contato para acompanhar a evolução do quadro da paciente e, depois, ofereceu assistência ambulatorial.

RELEMBRE O CASO:

·         Passista da Grande Rio se interna para retirar miomas no útero e volta para casa com braço amputado

Uma passista da Acadêmicos do Grande Rio se internou para retirar miomas no útero e teve alta dias depois com parte do braço esquerdo amputado.

“Só lembro mesmo disso, de acordar em outro hospital sem o braço”, disse Alessandra dos Santos Silva, de 35 anos, que também é trancista.

A família de Alessandra disse que até agora, dois meses e meio depois dos procedimentos, nenhuma autoridade explicou a causa que levou à amputação — apenas foi dito que ela corria risco de necrose.

A Secretaria Estadual de Saúde e a Polícia Civil do RJ investigam o caso.

<<<< Cronologia do caso

  • Agosto de 2022: Alessandra sente dores e tem sangramentos. Exames apontam miomas no útero, e especialistas recomendam a retirada imediata. Ela começa a se preparar e passa a tentar agendar o procedimento na rede pública.
  • 30 de janeiro: Quase seis meses depois, Alessandra recebe uma ligação do Hospital da Mulher Heloneida Studart, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, convocando-a para a cirurgia.
  • 3 de fevereiro: Alessandra se interna e é operada pela manhã. À noite, médicos detectam uma hemorragia.
  • 4 de fevereiro: o Hospital da Mulher avisa à família que terá de fazer em Alessandra uma histerectomia total — a retirada completa do útero.
  • 5 de fevereiro: parentes foram visitar Alessandra, mas ela estava intubada e, segundo eles, com as pontas dos dedos esquerdo escurecidas. Braços e pernas estavam enfaixados. Segundo a mãe, falaram que a paciente “estava com frio”.
  • 6 de fevereiro: a família é avisada de que Alessandra — ainda intubada — terá que ser transferida para o Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (Iecac), em Botafogo. Segundo parentes, o braço da passista estava praticamente preto. Um médico lhes diz que iria drenar o braço, “que já estava começando a necrosar”.
  • 10 de fevereiro: o Iecac informa que a drenagem não deu certo e que “ou era a vida de Alessandra, ou era o braço”, porque a necrose iria se alastrar. A família autoriza a amputação. A cirurgia é feita, mas o estado da mulher se agrava, com o rim e o fígado quase parando e com risco de uma infecção generalizada.

“Ela subiu com os médicos apavorados para salvá-la, ou não ia sair dali viva. Chamaram a gente no canto: ‘Queríamos que vocês olhassem a mão dela. Ou tirava, ou ela ia morrer’”, lembrou a mãe, Ana Maria.

  • 12 de fevereiro: Alessandra é extubada.
  • 15 de fevereiro: A passista recebe alta.
  • 28 de fevereiro: A mulher volta ao Iecac para a revisão da cirurgia de amputação. Segundo a mãe, o médico se assusta com o estado dos pontos no braço e na barriga e recomenda que elas voltem ao Heloneida Studart. A família, porém, decide não retornar à unidade e passa a buscar alternativas.
  • 4 de março: após ser recusada em diferentes hospitais, Alessandra é internada no Hospital Maternidade Fernando Magalhães e transferida para o Hospital Municipal Souza Aguiar.
  • 4 de abril: Alessandra recebe alta.

<<<< Ajuda dos amigos

A família da Alessandra também diz que ela só está viva graças à ajuda dos amigos, que foram incansáveis.

“A gente correu muitos hospitais para tentar que ela entrasse, mas todos alegaram que ela tinha que voltar para o lugar onde ela passou pela cirurgia”, disse Lukas Matarazzo. Mas a família não quis retornar para o Heloneida Studart e só conseguiu a vaga na rede municipal.

Agora, a família ainda conta com a ajuda dos amigos para arcar com todos os medicamentos e com a fisioterapia.

A família fez um boletim de ocorrência na delegacia.

“Já fizemos um requerimento nos hospitais para pegar os prontuários. A partir desse documento, a gente vai entrar com uma ação contra o Estado”, afirmou a advogada Bianca Kald.

Alessandra está noiva há 11 anos e tinha o sonho — agora impossível — de engravidar. Ela também não sabe como vai conseguir trabalhar em salões de cabeleireiro sem uma das mãos.

“Eu quero que os responsáveis paguem, que o hospital se responsabilize, porque eles conseguiram acabar com a minha vida. Destruíram meu trabalho, minha carreira, meu sonho... tudo”, declarou Alessandra.

·         O que dizem as autoridades

A Secretaria Estadual de Saúde disse que vai abrir uma sindicância para apurar o que aconteceu no Hospital da Mulher Heloneida Studart.

A Polícia Civil informou que o caso foi registrado na 64ª DP (São João de Meriti) e que os agentes requisitaram o laudo médico de atendimento na unidade para fazer uma análise.

·         Caso semelhante em hospital particular

Um caso semelhante aconteceu em outubro do ano passado. Gleice Kelly Silva deu entrada no Hospital da Mulher Intermédica de Jacarepaguá para dar à luz e, dias depois, teve o braço amputado.

Gleice teve uma hemorragia depois do parto e, segundo os familiares da jovem, os médicos decidiram criar um acesso venoso na mão dela para introduzir a medicação. Mas, durante o procedimento, a jovem relata que começou a sentir muita dor e incômodo.

Logo depois, a mão foi ficando roxa e inchada. O quadro de saúde da jovem foi se agravando, e os médicos decidiram transferi-la para outro hospital da mesma rede, em São Gonçalo, na Região Metropolitana.

Três dias após o nascimento da bebê, ela e os familiares receberam a notícia de que a mulher teria que amputar a mão.

 

Fonte: g1

 

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