A megaestrada que
ligará Brasil e Chile cruzando 'inferno verde' no Paraguai
"É
um novo Canal do Panamá". É assim que Egon Neufeld descreve o corredor
bioceânico, um gigantesco projeto de infraestrutura que tentará ligar a costa
do oceano Pacífico no Chile com a costa atlântica no Brasil.
Neufeld,
um rico proprietário de vastas terras no Paraguai, diz que a rodovia – que terá
cerca de 2.200 quilômetros e cortará Argentina, Brasil, Chile e Paraguai –
facilitará a vida dos fazendeiros e camponeses da região no transporte de gado
e na exportação de produtos de exportação aos portos que estão no Atlântico e
no Pacífico.
Os
governos de cada um dos países envolvidos no projeto manifestaram apoio, mas o
presidente paraguaio, Mario Abdo, foi um de seus principais impulsores.
"O
Paraguai é o quarto maior exportador de soja do mundo. Para que a soja chegue
ao Oceano Pacífico é preciso passar pelo Canal do Panamá. Com a nova rodovia
pronta, haverá uma economia para todo o setor produtivo em cerca de 25% nos
custos de logística", disse entusiasmado o presidente à BBC.
Cerca
de 525 quilômetros dessa nova rodovia passam pela região conhecida como Gran
Chaco, uma das principais reservas ambientais do país, povoada por cerrados e
zonas úmidas.
É
o lar de onças, onças-pardas, tamanduás e milhares de espécies de plantas, um
dos lugares de maior biodiversidade do planeta.
Esse
lugar nem sempre foi amado por aqueles que quiseram se estabelecer nessas
terras.
Quando
os menonitas, uma comunidade cristã protestante, desembarcaram ali no início do
século 20, eles o chamaram de "inferno verde".
O
avô de Neufeld foi um dos menonitas que se estabeleceram no Chaco em 1930,
depois de escapar da perseguição na Ucrânia.
Quase
100 anos depois, seu neto continua lutando contra o ambiente hostil.
·
O
que é o corredor bioceânico?
O
corredor bioceânico é um projeto de infraestrutura desenvolvido desde 2015
pelos governos da Argentina, Brasil, Paraguai e Chile para ligar quatro portos
localizados no Oceano Pacífico – sendo eles Antofagasta, Mejillones, Tocopilla
e Iquique – ao porto da cidade brasileira de Santos.
Estima-se
que a rodovia terá cerca de 2.200 quilômetros de extensão e o custo aproximado
do investimento total é de US$ 10 bilhões.
A
rodovia cruzará as regiões do Mato Grosso do Sul no Brasil, Gran Chaco no
Paraguai, as províncias de Salta e Jujuy na Argentina e as regiões de
Antofagasta e Tarapacá no Chile.
Cada
país tem a responsabilidade de cumprir alguns trechos e prazos, porém não está
claro qual é o prazo final para a conclusão do projeto.
De
fato, em janeiro deste ano, os presidentes do Brasil e do Chile, Lula e Gabriel
Boric, confirmaram que iriam acelerar a construção dos trechos que correspondem
aos seus territórios.
Talvez
um dos países que está mais avançado na execução dos projetos seja o Paraguai,
que já tem um dos três trechos de seu território pronto.
"O
trecho um do corredor bioceânico, que está pronto, já permitiu um acesso muito
mais fácil para os comércios, porque antes a estrada era de terra e quando
chovia era difícil transitar. Agora você pode chegar facilmente às diferentes
cidades menonitas e suas colônias", disse à BBC o engenheiro Alfredo
Sánchez, porta-voz do governo para a questão do corredor.
"Para
nós, o maior problema é que temos que retirar o mato dos campos. Se você não
cuidar, esse mato volta e toma conta de tudo", explicou.
Para
Neufeld, a rodovia dará mais oportunidades de trabalho que atrairão pessoas de
outras partes do Paraguai.
Sua
comunidade conseguiu se estabelecer com sucesso em algumas seções do
"inferno verde", especialmente eles conseguiram construir uma
lucrativa indústria de gado e laticínios, que agora são transportados em
caminhões 4x4 e não em carroças puxadas por cavalos como em outras comunidades
Mas
o que para alguns é atrativo, para outros é preocupante.
Taguide
Picanerai, um jovem líder da comunidade indígena Ayoreo, uma das primeiras a
habitar o Chaco, a comunidade já está sofrendo os efeitos do desmatamento,
porque milhares de árvores foram derrubadas em razão da pecuária.
Cerca
de 20% da floresta do Gran Chaco, o equivalente à área do estado de Nova York,
foi convertida em terras para pastagem de gado e produção agroindustrial desde
1985, segundo fotografias de satélite da NASA.
"A
nova rodovia vai significar mais criação de gado, o que leva a uma grande perda
de biodiversidade", diz Picanerai, acrescentando que também está
preocupado com a perda de território dos Ayoreo.
Ele
explica que no passado os produtores se mudaram para os territórios ancestrais
dos Ayoreo, impediram o acesso à água e restringiram o espaço de caça para as
comunidades indígenas.
A
vida dos Ayoreo mudou significativamente em apenas uma geração. Os pais de
Picanerai viviam na floresta impenetrável, onde caçavam javalis e tartarugas.
A
comunidade foi convencida por missionários americanos que vieram para o
Paraguai na década de 1960 a abandonar a vida de caçadores, vestir roupas e se
estabelecer com outras comunidades indígenas.
E
grande parte de suas terras foi vendida a fazendeiros e pecuaristas, o que
levou a batalhas legais de anos para recuperar parte dessas terras para que a
comunidade pudesse se restabelecer.
"Esse
território é vital para nós", declarou Picanerai.
·
A
ameaça ambiental
O
presidente Abdo reconhece que a nova rodovia "aumentará a população no
Chaco" e gerará "mais atividade comercial". Mas ele acredita
que, desde que as leis sejam cumpridas, o impacto será positivo.
Ele
disse à BBC que já existiam regras rígidas para os proprietários de terras,
incluindo uma cláusula que estipulava que "o máximo que as pessoas podem
desmatar no Chaco é 50% de seu latifúndio, e menos se a biodiversidade da área
for considerada mais delicada".
Para
o ambientalista Miguel Lovera, essas medidas não são suficientes.
"A
construção de novas estradas leva a um maior desmatamento e derrubada de
florestas em pequenos trechos, o que coloca uma enorme pressão sobre o frágil
ecossistema", disse Lovera, que dirige uma organização que luta pela
proteção de grupos indígenas no Chaco.
Por
outro lado, para Bianca Orqueda, jovem cantora e compositora do grupo indígena
Nivaclé, a estrada tem alguns aspectos positivos.
Orqueda,
que dirige uma escola de música infantil na periferia da cidade menonita de
Filadelfia, divide seu tempo entre sua comunidade e a capital do Paraguai,
Assunção.
E
a rodovia a ajudará a encurtar os tempos de viagem.
Ela
não está convencida de que seja possível que sua comunidade continue vivendo
isolada, acrescentando que os Nivaclé precisam "progresir", o que
para alguns pode significar deixar o Chaco e seu modo de vida para trás.
"Eu
digo às crianças que, se quiserem ser médicas, arquitetas, dentistas ou
musicistas, terão que sair assim que terminarem a escola e irem para outra
cidade."
"Aqui
na Filadélfia não há universidades, não há nada a menos que você queira ir para
a agricultura", disse Orqueda.
Para
Picanerai, a conservação do Chaco é mais do que apenas o modo de vida de sua
comunidade indígena.
"A
rica biodiversidade do Chaco significa que é um problema global que deveria
preocupar a todos", comentou ele, acrescentando que está determinado a
proteger sua terra dos recém-chegados que se mudarem para a região após o fim
das obras da nova rodovia.
Ø
Taiwan
ou China? Paraguai enfrenta dilema em disputa eleitoral
Da
capital paraguaia Assunção a Taipé e Washington, diplomatas, autoridades - e
produtores agrícolas - estão acompanhando de perto uma disputa eleitoral
acirrada que pode determinar os futuros laços do Paraguai com Taiwan.
O
Paraguai escolherá em seu próximo presidente em 30 de abril, entre um candidato
do partido governista que promete estender relações diplomáticas de décadas com
Taiwan e um rival da oposição que é a favor de mudar os laços rumo à China para
impulsionar a economia agrícola do país sem saída para o mar.
A
pressão dentro do país sul-americano tem aumentado, especialmente de seu
poderoso lobby agrícola, para mudar os laços com a China e abrir os lucrativos
mercados do país asiático para a soja e a carne bovina do Paraguai, seus
principais produtos de exportação.
"Somos
uma nação produtora de alimentos que não está vendendo para o maior comprador
mundial de alimentos", disse Pedro Galli, chefe da Associação Rural
Paraguaia (ARP), à Reuters. Sua organização representa cerca de 3.000
agricultores locais.
Se
o Paraguai reconhecer a China, seria um golpe para Taiwan, que enfrenta uma
batalha difícil contra a força econômica de Pequim para manter seus 13 aliados
restantes em todo o mundo, e um novo sinal da crescente influência da China em
uma área que Washington há muito considera seu quintal.
O
candidato da oposição Efraín Alegre, que representa uma coalizão de
centro-esquerda, disse à Reuters em janeiro e novamente em abril que
favoreceria as relações com a China, o maior importador mundial de carne bovina
e soja, se eleito presidente.
O
candidato conservador do Partido Colorado, Santiago Peña, prometeu ficar com
Taiwan. Uma delegação multipartidária visitou a ilha em fevereiro, buscando
acalmar o nervosismo taiwanês.
Taipé,
que afirma fornecer apoio econômico a seus aliados, disse na semana passada que
estava "perplexa" com a posição da oposição paraguaia e que faria o
possível para manter suas relações diplomáticas com o país.
Fonte:
BBC News Brasil/Reuters
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