Xeroderma
pigmentoso: 'Troco dia pela noite', diz mulher que sofre com doença rara
Com dois anos de idade, a dona de casa Juliana
Flores, atualmente com 30, começou a apresentar manchas no corpo que pareciam
"borrões".
No
início, sua família pensou que fossem inofensivas, até que os sinais começaram
a se espalhar cada vez mais.
As
marcas cresciam e os tumores na pele começaram a nascer.
"Tinha
muito mau cheiro. Eram tipo verrugas, só que com o tamanho de uma bolinha de
gude", relembra à BBC News Brasil.
Na
época, sua mãe não sabia muito o que podia ser o problema e foi atrás de
médicos, que deram o diagnóstico de xeroderma pigmentoso, uma doença genética
rara. Além de Juliana, seu irmão, que é três anos mais novo que ela, também
nasceu com a condição.
A
enfermidade foi atribuída ao casamento consanguíneo de seus pais, que eram
primos de primeiro grau. "Não tinha tanto conhecimento. Como eles eram
primos, potencializou", destaca.
Ao
longo dos anos, as manchas foram aumentando e, desde criança, a jovem precisava
ter cuidado com o sol e com atividades no dia a dia. Por causa da doença,
entrou atrasada na escola. "Comecei a estudar com sete anos de vida e
tinha medo do preconceito", diz.
Logo
nos primeiros anos do colégio, ela sofreu com bullying.
"Tinha
criança que me agredia por eu ser assim e faziam rodinha para me bater. Mas
tinha crianças que me defendiam, que brigavam por causa de mim. Foi
triste."
·
O dia pela noite
Como
o problema deixa sua pele muito vulnerável, Juliana conta que precisa inverter
sua rotina para conseguir fazer algumas coisas. Às vezes, dorme durante o dia e
procura realizar atividades na rua à noite.
"O
mais difícil é sair durante o dia, pois tenho fotofobia nos olhos e a claridade
afeta muito. Mas viver de noite e dormir de dia é meio complicado. Não estou
muito acostumada", conta.
Quando
precisa ir ao médico para consultas e realizar cirurgias, ela sai pela manhã,
mas sempre com boné, protetor solar, óculos e roupas apropriadas. Morando na
cidade de Iporá, Goiás, ela conta que o local é muito quente, o que dificulta
seu dia a dia.
Mesmo
tendo que evitar o sol, ela diz que em alguns casos não têm como escapar da
claridade e as coisas da casa são feitas ao longo do dia.
·
Centenas cirurgias
Por
causa da doença, além das manchas na pele, Juliana convive com o surgimento de
tumores frequentemente ocasionados pelo xeroderma pigmentoso. Ela conta que
precisa fazer cirurgias de três em três meses e realizar biópsias para avaliar
se algum tumor é maligno.
Ao
longo desses 30 anos, ela conta que já realizou, pelo menos, 300 cirurgias.
"Já retirei tumores de várias partes do corpo. Da língua, da perna, da
barriga, do braço. Quando sai o resultado da biópsia e o tumor é maligno, me
interno e fico uns três, quatro dias no hospital", diz.
Nos
primeiros anos de vida, ela chegou a fazer quimioterapia para tratar a
condição. "Eu chorava porque queria ir para escola, mas Graças a Deus,
concluí o ensino médio e consegui terminar a escola", conta.
Devido
aos inúmeros procedimentos cirúrgicos, ela já perdeu parte dos lábios, nariz e
também teve problemas com o olho direito. "Hoje só enxergo de um olho. Eu
retirei o tumor do olho, mas voltou depois de um ano e grudou no globo ocular.
Provavelmente vou ter que retirar também, pois meu olho está sendo puxado para
baixo", conta.
Para
realizar todos esses procedimentos, Juliana faz tratamento no SUS (Sistema
Único de Saúde) e recebe auxílio-doença, já que por conta do problema não
consegue trabalhar e ao longo da vida realizou alguns "bicos".
Embora
tenha acesso a acompanhamento médico gratuito, ela ainda tem muitas despesas
com cosméticos. "Eu moro de aluguel e o tratamento é muito caro. O
protetor solar que eu uso custa R$ 150 e tem 50 ml. Quando faço as cirurgias
tenho que comprar remédios que custam, em média, R$ 200".
Ela
também descobriu, após o nascimento do seu segundo filho, que tem insuficiência
cardíaca.
·
Autoestima e conscientização nas redes sociais
Mesmo
já adulta, ela ainda sofre com olhares e julgamentos das pessoas. Juliana ressalta
que lida bem com o seu corpo e hoje se aceita, mas nem sempre foi assim.
"É
uma luta diária e não é fácil se manter e gostar da gente, mas eu sempre me
levanto. Eu penso que esse corpo é emprestado e eu estou aqui por alguma
missão", diz.
Diante
dessas adversidades, a dona de casa chegou a sofrer com o preconceito até de
pessoas próximas.
Para
tentar levar mais informação às pessoas sobre a condição que sofre, ela
resolveu criar um perfil no TikTok e, por meio de lives, fazia
"vaquinhas" para arrecadar dinheiro e seguir com o tratamento. Antes
da exposição na internet, pedia ajuda financeira nos ônibus da cidade em que
mora.
Por
meio da rede social, ela conseguia arrecadar quantias em dinheiro e também
presentes dos usuários. Além disso, recebia feedbacks positivos de outras mães
que também estavam lidando com o diagnóstico de xeroderma pigmentoso em seus
filhos pequenos.
"Algumas
pessoas falavam que não conheciam uma pessoa com essa doença. Já outras diziam
que bom que estavam recebendo informações. Tem seguidora que está descobrindo o
problema do filho agora. Antes não tinha ideia do que poderia ser",
afirma.
Mesmo
tendo um efeito positivo, ela ainda tinha que lidar com mensagens
preconceituosas e de haters que queriam "derrubar" as lives que ela
fazia. "As pessoas denunciavam meu perfil por besteira e me chamavam de
morta viva. Era bem ruim", diz.
Mesmo
assim, ela não se intimidou, seguiu com os conteúdos e hoje seu perfil já tem
pouco mais de 500 mil seguidores. Seu maior desejo é que mais pessoas possam
ter acesso à informação e diagnóstico precoce.
·
O que é xeroderma pigmentoso?
É
uma doença genética rara que provoca manchas bem pequenas na pele e podem ser
claras e hipopigmentadas nos dorsos das mãos, pés, face e em outras regiões
onde há exposição solar. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, a
prevalência no Brasil é em torno de um para 100 mil pessoas. Mas, vale lembrar,
que a condição não é contagiosa.
"A
célula não aceita a agressão celular e não consegue fazer o reparo do DNA
quando recebe radiação", explica Valéria Franzon, dermatologista e
professora de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Por
ser uma doença autossômica recessiva, sua causa está ligada, principalmente, a
casamentos consanguíneos.
"Esse
tipo de casamento aumenta a incidência de doenças recessivas. O reparo do DNA é
defeituoso", explica a especialista. Ainda de acordo com a dermatologista,
quando o paciente tem a doença, a chance do filho nascer com a condição é de
25%.
"Se
o paciente que tem um traço de gene recessivo casar com uma pessoa saudável,
sem nenhum traço recessivo, a chance é nula", acrescentou.
Os
primeiros sinais podem aparecer logo nos primeiros meses de vida e se espalham
rapidamente no corpo ao longo dos anos. Por causa disso, o paciente começa a
ter manifestações de câncer de pele logo na primeira década de vida.
"Quanto
mais exposto ao sol, maior a chance. É mais frequente no rosto. Os tumores mais
comuns são os carcinomas que vão comendo o tecido e desfigurando o paciente.
Com o tempo, vão aparecendo outros tipos que podem matar. Também pode surgir
melanoma", destaca João Duprat, líder do Centro de Referência em Tumores
Cutâneos do A.C.Camargo Cancer Center.
Alguns
pacientes também podem ter a expectativa de vida reduzida e viver somente até
18 ou 19 anos.
Duprat
afirma ainda que é uma doença difícil de tratar, pois muitos pacientes têm
condições socioeconômicas ruins, dificultando o acesso a medidas de saúde.
"São pessoas carentes e há um problema social enorme. Acho que deveria ter
serviços que tratam esse paciente e com acompanhamento multidisciplinar",
opina o médico.
A
doença, em alguns casos, pode causar atrasos de desenvolvimento e até cegueira.
"É muito frequente pacientes sofrerem com catarata. A própria córnea vai
ficando opaca", diz o especialista A.C.Camargo Cancer Center.
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Sinais que chamam atenção
- Pintas
- Manchas
- Enrugamento da
pele
- Envelhecimento
da pele
- Surgimento de
feridas que não cicatrizam e que podem evoluir para câncer de pele
·
Como funciona o tratamento?
O
tratamento é multidisciplinar e envolve diversos cuidados. O principal deles é
a fotoproteção.
"Não
é exclusivamente uso de proteção solar. Tem que ser feito com chapéu ou boné,
protetor solar, ver a hora que vai se expor ao sol, guarda-sol e outros. Tudo
isso é importante para evitar o surgimento", diz Mauro Yoshiaki Enokihara,
presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
O
diagnóstico precoce também é importante para evitar a progressão da doença e
melhor qualidade de vida do paciente. Os procedimentos cirúrgicos para retirada
de tumores também fazem parte da linha terapêutica.
"Os
tratamentos dos cânceres como carcinoma podem ser conseguidos pelo SUS, mas é
paliativo, já que não é oferecido nenhum tratamento de mudança genética",
conclui a especialista da PUC Paraná.
Fonte:
BBC News Brasil
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