sábado, 25 de março de 2023

Por que sentimos mais dores à noite

Como diz a canção do musical Os Miseráveis, baseado no romance de Vítor Hugo, "os tigres saem à noite, com suas vozes suaves como o trovão".

Todos nós já fomos miseráveis em alguma noite, quando ficamos nos revirando na redor da cama, olhando para o teto com uma dor insuportável nas costas (ou de cabeça, ouvido, joelho...). A dor estava ali durante o dia, mas agora não nos deixa descansar, abocanhando-nos como um tigre selvagem.

A questão é: por que sentimos dores com mais intensidade à noite? O que a ciência tem a dizer a respeito?

Antes de tudo, o que é a dor?

Todos nós já sentimos dor em algum momento e muitos certamente alguns estão sentindo alguma dor agora mesmo. Por isso, a dor não é um fenômeno desconhecido para ninguém.

Mas, quando precisarmos definir a dor, o assunto começa a se complicar.

Depois de diversas alterações ao longo dos anos, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP, na sigla em inglês) convencionou em 2020 defini-la como "uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada ou similar à associada a uma lesão real ou potencial dos tecidos".

Por isso, o consenso atual é que a dor é uma experiência dos sentidos, que possui um componente emocional desagradável e relembra, ou está relacionada ao que se sente no caso de um dano físico qualquer.

Para que ela serve?

Temos a tendência de pensar nessa sensação como algo negativo, já que, por definição, trata-se de uma experiência desagradável. Mas o ser humano é uma máquina complexa e bem engrenada, que raramente tem funções que estão disponíveis sem que saiba por quê.

A finalidade da dor consiste em nos avisar que algo não está bem. É um mecanismo de sobrevivência que ajuda a nos manter a salvo de perigos que podem ameaçar nossa integridade física.

Para fazer uma analogia, trata-se de um sistema de alarme que nosso cérebro possui para dizer que estamos em risco e precisamos nos colocar a salvo. E é desagradável justamente para sentirmos a necessidade de evitá-la.

Mas não é uma resposta a um estímulo, como se pensava no tempo de Descartes (por exemplo, quando toco em algo ardente e a dor me salva de me queimar porque faz com que eu retire a mão). A concepção moderna entende a dor como um produto do nosso cérebro, que é o órgão que nos diz onde, quanto e de que forma sentimos dor.

É claro que os estímulos externos (como o calor que comentamos antes) enviam um sinal para os nervos periféricos conectados ao cérebro. E, em seguida, o cérebro irá processar esse sinal e convertê-lo em outra coisa: a chamada nocicepção.

Mas esta é apenas uma parte da experiência, já que o conceito de dor inclui nossa interpretação cognitiva e emocional da nocicepção.

Definitivamente, a dor nem sempre está relacionada diretamente à quantidade de estímulos dolorosos que recebemos, já que ela pode ser percebida na sua ausência. Um exemplo extremo é o fenômeno do membro fantasma: existem pessoas cujo cérebro produz uma dor muito real em uma parte do corpo que foi amputada.

A teoria da porta de controle

Por que, então, a sensação aumenta à noite, quando estamos a salvo na nossa cama? Como isso ajuda a sobrevivência? A explicação tem relação com os sistemas de processamento do nosso cérebro e com a ciência da percepção.

Perto dos anos 1960, o psicólogo Ronald Melzack e o neurocientista Patrick Wall propuseram sua teoria das comportas da dor. Segundo a teoria, existe na medula espinhal uma comporta que permite ou não a passagem dos estímulos dolorosos para o cérebro.

Em outras palavras, haverá certas coisas que farão com que a comporta se feche e sintamos menos dor e outras farão com que a comporta se abra e sintamos a dor com maior intensidade. Um exemplo é o ato mecânico de friccionar a pele quando recebemos um golpe. A sensação de fricção concorre com a dor e reduz sua intensidade.

No silêncio da noite, as vozes desses tigres soam mais alto, da mesma forma que nos lembramos de alguma situação incômoda que experimentamos durante o dia e quase já tínhamos esquecido.

Sozinhos na escuridão, não há nada que nos distraia e ajude a fechar a comporta: nem imagens, nem sons, nem interações com os demais.

O pior momento: 4 da madrugada

Desde os anos 1960, novas teorias, técnicas e descobertas foram alimentando a ciência da dor.

Um estudo publicado na revista Brain no último mês de setembro também indica os ritmos circadianos como um possível agente importante no fenômeno da intensificação noturna da dor.

A pesquisadora Inès Daguet e seus colaboradores conduziram um estudo de laboratório inovador que descobriu que o momento do dia em que a dor é percebida com mais intensidade (também experimentalmente, neste caso) é às 4 horas da madrugada.

Uma possível explicação é a falta de sono, já que sua influência também foi demonstrada. Mas, no modelo de Daguet, o peso dos ritmos circadianos foi muito maior.

Essas mudanças podem estar relacionadas aos níveis críticos de hormônios que temos durante o dia, como o cortisol, relacionado ao sistema imunológico e às inflamações, e a melatonina.

Apesar de tudo, é preciso não esquecer que se trata de um estudo experimental, em um ambiente de laboratório. Os participantes não se encontram no seu ambiente natural (dormindo na sua cama) e recebem estímulos dolorosos de forma artificial (por meio de uma máquina indutora de calor).

Alertas à ameaça de predadores

Os pesquisadores Hadas Nahman-Averbuch e Christopher D. King publicaram um comentário ao estudo anterior, indicando que, do ponto de vista evolutivo, somos mais vulneráveis aos predadores à noite, quando estamos dormindo. Por isso, faz sentido que uma menor intensidade de estímulos seja suficiente para nos despertar de um perigo em potencial.

Definitivamente, ainda são necessárias novas pesquisas para entender por que sentimos mais dores à noite, mas parece que o nosso cérebro continua tentando nos proteger para que os tigres (neste caso, de verdade) não nos comam enquanto dormimos.

 

Ø  7 coisas estranhas que podem acontecer enquanto você dorme

 

Todo mundo adora uma boa noite de sono, mas, para alguns, conseguir isso é mais complexo do que apenas apagar as luzes e fechar os olhos.

A Associação Mundial de Medicina do Sono (WASM, na sigla em inglês) diz que problemas para dormir são uma "epidemia global" que afeta 45% das pessoas.

Conheça a seguir alguns eventos que podem ocorrer enquanto estamos dormindo e contribuir para esse fenômeno.

·         1. Paralisia do sono

Uma em cada 20 pessoas pode ter alucinações enquanto está dormindo ou ao acordar, ficando totalmente incapaz de se mover. A paralisia do sono ocorre durante a fase REM do sono, um estágio associado a sonhos vívidos.

Nele, nossos músculos ficam paralisados, possivelmente para nos impedir de nos movimentarmos conforme nos sonhos. Mas, na paralisia do sono, algo sai erradi e o cérebro acorda, mas o corpo não.

Quem passa por isso pode abrir os olhos e ver o que está ao seu redor, mas não consegue se mover, e vê imagens do sonho se confundirem com as do mundo real. O resultado pode ser aterrorizante: pessoas já descreveram sentir um medo profundo ou ver figuras sobrenaturais.

·         2. Sonhos recorrentes

Sonhos são uma forma do nosso subconsciente reavaliar e processar experiências, então, um sonho recorrente pode indicar um assunto mal resolvido na vida. Se ele cessa, o conflito pode ter sido solucionado.

Um tema comum desse tipo de sonho é estar nu em uma situação inapropriada, o que pode indicar que uma pessoa está preocupada em ficar exposta em um determinado contexto social.

·         3. Síndrome da cabeça explosiva

Costuma ocorrer quando a pessoa está adormecendo ou despertando. Conforme cai no sono, parece ouvir um barulho extremamente alto, muitas vezes uma "explosão" ou sons de fogos de artifício, gritos ou portas batendo.

Às vezes, isso vem acompanhado por um flash. Trata-se de uma alucinação que acorda a pessoa de repente.

·         4. Espasmos hipnagógicos

Enquanto adormecemos, uma súbita sensação de que estamos caindo nos desperta rapidamente. A causa dessa contração involuntária dos músculos ainda não é um consenso, mas uma das teorias aponta para nossos ancestrais primatas.

Seria um instinto primitivo que nos indica que relaxar os músculos nos fará cair de uma árvore?

·         5. Falar dormindo

Alguns de nós gostam de bater papo durante a noite, mesmo se estão dormindo. Quem fala durante o sono normalmente não sabe que está fazendo isso.

O que é dito pode ser desde algo coerente e complicado a completas baboseiras. Isso pode deixar a pessoa envergonhada ou irritar seu parceiro.

Vale lembrar que normalmente o que é dito durante o sono não é considerado como produto de uma mente consciente e racional e não costuma ser levado em consideração para fins legais.

·         6. Sonambulismo

Uma pessoa costuma caminhar ou realizar outras tarefas enquanto dorme em um período de sono profundo. A causa desse fenômeno é desconhecida, mas parece ser algo transmitido entre as gerações de uma família. É mais comum nos mais jovens: 20% das crianças têm sonambulismo ao menos uma vez.

Apesar dos sonâmbulos fazerem normalmente coisas simples e repetitivas, com sentar na cama, abrir armários ou se vestir, já houve casos em que dirigiram, assaltaram a geladeira e até mesmo subiram em um guindaste.

·         7. Síndrome das pernas inquietas

Enquanto dorme, a pessoa faz movimentos repetidos, com frequência usando os membros inferiores, em intervalos regulares, de normalmente 20 a 40 segundos. Esses pequenos espasmos podem ocorrer ao longo de alguns minutos ou até mesmo por várias horas. As pessoa não sabe até ser informada por alguém.

A causa ainda é desconhecida, mas cientistas acreditam ser algum mecanismo do sistema nervoso. Ainda que não seja uma condição grave, pode deixar a pessoa cansada durante o dia, porque seu sono é interrompido sistematicamente.

 

Fonte: Por Rocío de la Vega de Carranza, para The Conversation/BBC News Brasil

 

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