quarta-feira, 8 de março de 2023

 

Políticas externa e interna não são assimétricas

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Adeus, senhor presidente, do ex-ministro de Planejamento chileno Carlos Matus, é um romance-ensaio inspirado no governo de Salvador Allende, que assumiu o poder com grandes expectativas de mudança e foi destituído no sangrento golpe de Estado do general Augusto Pinochet. Na ficção, o protagonista é um ex-presidente que fracassou, e seu consolo é que o sucessor também está fracassando em meio a reuniões ministeriais surreais e até a uma tentativa frustrada de golpe militar. Sindicalistas, políticos de esquerda e de direita, empresários, tecnocratas, acadêmicos, idealistas, jornalistas e amigos corruptos tecem a trama, em meio a polêmica sobre como equilibrar as finanças e estimular o crescimento.

Em outra obra — O líder sem Estado-Maior —, Matus faz uma critica profunda aos governantes latino-americanos, na qual compara seus imponentes e frágeis gabinetes a uma "jaula de cristal", o presidente se isola e se torna prisioneiro de uma pequena corte. "Um homem sem vida privada, sempre na vitrine da opinião pública, obrigado a representar um papel que não tem horário. Não pode aparecer ante os cidadãos que representa e dirige como realmente é, nem transparecer seu estado de ânimo."

"O governante sente-se satisfeito com seu gabinete: nem sente que precisaria melhorá-lo nem saberia como fazê-lo porque o desacerto está no comando", descreve. Na tentativa de realizar o impossível, continua Matus, "deteriora a governabilidade do sistema e não aprende, porque não sabe que não sabe. Encontra-se entorpecido por uma prática que acredita dominar, mas que, na realidade o domina. Acumula experiência, mas não adquire perícia; tem o direito de governar, sem ter a capacidade para governar. Nesse caso, pode ser que seu período eficaz de governo resulte nulo, pela impossibilidade de combinar, ao mesmo tempo, o poder para fazer e a capacidade cognitiva para fazer".

Com pouco nais de 50 dias de governo, é muito cedo para um diagnóstico sobre o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nessa direção. Entretanto, a "jaula de cristal" parece em construção. Velhos companheiros do presidente da República, sobreviventes da crise ética, do colapso do governo Dilma Rousseff e do tsunami eleitoral de 2018 que levou Jair Bolsonaro ao poder, avaliam que Lula não tem um estado-maior. Aparentemente, não o deseja, embora não falte gente capaz na sua equipe de governo. Até agora, Lula não cometeu nenhum erro grave, mas a repetição de pequenos erros também desgasta.

É preciso distanciamento dos interesses imediatos para uma boa avaliação do processo em curso. A primeira comparação deve ser entre o desgoverno que tínhamos, com um projeto político "iliberal", e o novo governo, democrático e civil. A mudança de rumo foi de 180 graus, do desmonte das políticas públicas e do permanente conflito institucional para o resgate dos direitos humanos e uma relação de equilíbrio e harmonia entre os Poderes.

Entretanto, com apenas uma semana de governo, Lula se viu diante de uma tentativa de golpe de Estado, cuja face mais visível foi a depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), em 8 de janeiro. A resposta democrática civil foi a demonstração de força das nossas instituições políticas; e a solidariedade internacional nos reposicionou no Ocidente.

·         Cadeias globais

Políticas externa e interna não são assimétricas. A viagem de Lula aos Estados Unidos consolidou sua aliança com o presidente democrata Joe Biden, em torno da defesa da democracia e da questão ambiental. Retirou o Brasil da rota dos regimes "iliberais" do Oriente, mas isso não significa a superação das contradições e conflitos da globalização nem supera as dificuldades da nossa inserção nas novas cadeias de produção global.

Nosso principal parceiro comercial não são mais os Estados Unidos, é a China. Parceiros comerciais mais competitivos dominaram o nosso mercado e deslocaram a produção brasileira de mercados tradicionais de nossas exportações industriais, como a América Latina. Esse é o grande cenário.

A China emerge como grande potência do Oriente e emula o Ocidente. Os países do G-7, há 30 anos, tinham cerca de 70% da renda mundial. Hoje, detêm algo em torno de 45% ou menos. Esse deslocamento de renda se deveu à fragmentação da produção e à expansão de cadeias globais de valor.

Além da China, mais cinco países em desenvolvimento se beneficiaram fartamente desse processo: Coreia do Sul, Índia, México, Polônia e Tailândia. O Brasil ficou à margem, desperdiçou o ciclo de commodities ao aumentar o consumo sem ampliar seus investimentos. Tentou adensar cadeias locais antes de se integrar ao dinâmico processo de formação de cadeias globais e fracassou.

O discurso de Joe Biden sobre o Estado da Nação aponta aos Estados Unidos o caminho da reverticalização de suas cadeias de produção. Isso oferece mais ou menos oportunidades ao Brasil? Em vez de questionar a integração, precisamos estudar como nos inserirmos nas novas cadeias globais da indústria 4.0 e transitar para a economia verde, por meio da democracia, explorando a formação de cadeias de valor regionais, a nova tendência da globalização. É preciso um novo consenso nacional.

Muito se discute a questão dos juros altos e os desencontro entre as políticas econômica e monetária. Lula se depara com a ameaça de recessão e a emergência da situação social no país, cujos exemplos extremos são 40 mil moradores de rua na cidade de São Paulo, a nossa maior e mais rica metrópole, e o genocídio dos ianomâmis em Roraima.

O governo estuda três medidas para ativar a economia: a elevação do salário mínimo, a mudança na tabela do Imposto de Renda e a rolagem das dívidas de 80 milhões de cidadãos insolventes. São medidas emergenciais, focadas nos brasileiros que mais precisam do governo, porém, recolocam em discussão a relação entre equilíbrio fiscal e gasto público.

 

Ø  O entulho e a ignorância. Por Aduemar Bahadian

 

A passo firme, sem histrionismo nem jactância, os três Poderes da República retomam a trilha democrática interrompida por quatro anos de entulho autoritário e ignorância atávica. Tanto Rosa Weber quanto Rodrigo Pacheco, presidentes do Poder Judiciário e do Congresso Nacional, reafirmaram o compromisso das Instituições com o Estado Democrático de Direito e sobretudo com a Constituição de 1988.

Não é pouca coisa diante dos ataques verbais e materiais sofridos por ambas as Casas, juntamente com a sede do Poder Executivo, no vergonhoso e insultante 8 de janeiro próximo passado.

Pouco a pouco, nossa bandeira nacional reassume sua dignidade de símbolo de nossa nacionalidade e perde a coloração amesquinhante a que foi levada durante quatro anos de vivência totalitária.

Pouco a pouco, o Brasil retoma diante de nossos parceiros nas Nações Unidas seu perfil de país amante da Paz, expresso muito antes de assinar a Carta de São Francisco, documento seminal do compromisso dos povos civilizados contra as ideologias nazi-fascistas derrotadas na Segunda Guerra Mundial.

Ilusório, porém, pensar que estamos livres de traições como as que vimos neste janeiro de 2023, quando nossa Democracia foiassaltada por bandos de saltimbancos impulsionados pela má-fé e pela criminalidade lesa-Pátria.

Somos hoje um país ainda mal saído de uma aventura traiçoeira destinada a subverter a ordem constitucional, a soberania popular e a determinação de consolidar neste país o ideal de crescermos como irmãos, senhores de um destino de grandeza inscrito em nosso hino pátrio, mas infelizmente ainda longe de se tornar realidade.

Não nos iludamos. A mordida da moreia assassina que nos golpeou ainda sangra e exige que o poder da Justiça se faça sentir de forma exemplar, em estrita observância do direito de defesa dos acusados. Não somos torquemadas. Não caçamos bruxas nem somos signatários de inquisições medievais, suas torturas e suas fogueiras.

Os inquéritos e diligências do Poder Público, longe de serem mecanismos de vingança, são a expressão da legítima defesa da cidadania submetida durante quatro anos aos ataques sórdidos dos que solertemente pretendem instalar no Brasil um regime tão odioso quanto totalitário.

Um regime que, sob a epiderme de uma nomenclatura democrática, erige um pódio ao destempero mais sórdido e ignorante de defesa à guerra fratricida em nome de uma hipotética luta por direitos já sobejamente inscritos em nossa Carta Constitucional.

Vivemos no Brasil nos quatro últimos anos uma desfaçatez à Carta Constitucional, uma tentativa de fazê-la explodir com a ajuda de bombas terroristas nos pátios de aeroportos ou na demolição de torres de transmissão de energia elétrica no território nacional. E mais do que nunca é preciso que se saiba que a cidadania brasileira tem pelos agentes dessas ações criminosas, efetuadas ou simplesmente tentadas, a mais profunda repulsa, a mais contundente condenação, principalmente quando tiverem sua origem, material, intencional ou ideológica, nos mais altos escalões da República.

A retomada dos trabalhos do Judiciário e do Legislativo brasileiros não deixa dúvidas até mesmo pela leitura dos discursos de seus presidentes, Rosa Weber e Rodrigo Pacheco, de que as instituições da República defendem o legítimo debate político, salutar em qualquer Democracia. Mais até: as Instituições estão abertas aos que por ideologia pretendam substituir os cânones que nos orientam politicamente. Desde que o façam abertamente e que estejam igualmente abertos ao contraditório democrático, parlamentar, jornalístico e acadêmico. E sobretudo cívico.

O intolerável, o criminoso será reincidir nos atos covardes e hipócritas de defender uma liberdade econômica que na realidade perpetua uma desigualdade social a nos envergonhar como seres humanos.

Intolerável será valer-se desta ou daquela crença religiosa para perpetuar a ignorância ou para estigmatizar os que rezam por outras cartilhas, como se no Brasil fossemos uma teocracia fundamentalista a restringir o direito de minorias de viverem em paz com suas religiões, crenças ou afetos. Mesmo que os homens vistam rosa e as meninas ostentem o poder de seus corpos.

Intolerável será fazer do ensino em qualquer nível um apanágio de elites afortunadas em detrimento do legitimo direito fundamental inscrito na Constituição.

Intolerável será impedir o acesso a medicamentos em nome de execráveis regras oligopolísticas, revestidas do manto rasgado de um comércio internacional livre na doutrina e manipulado no mercado.

1) Até hoje ainda ressoam nos corredores do Instituto Rio-Branco, na época ainda sediado no velho Itamaraty, o debate-aula entre Cleonice Berardinelli e José Guilherme Merquior, então professora e aluno respectivamente daquele Instituto. Cleonice foi uma das professoras que mudam os destinos dos alunos. Como Santiago Dantas, Ebert Chamoun, Arthur Weiss, Mário Henrique Simonsen, e sobretudo, Portella Nunes, psiquiatra emérito e professor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ cujas aulas lotavam os auditórios e eram acompanhadas por alunos de veterinária, engenharia e até pelo pipoqueiro do Pinel. Todos nos deixaram. Mas vivem em nós. Sempre.

2) Releio pela terceira vez “O tempo e o Vento” de Érico Veríssimo. Desta vez, na ordem inversa; do fim para o começo. Érico me fez aprender a ler aos 15 anos com o seu “Olhai os lírios do Campo”, a primeira vez que atravessei a noite com um livro. Mas, isso foi antes do “Amor nos Tempos do Cólera” de Garcia Marques. Érico Veríssimo foi o mais injustiçado de nossos escritores pela crítica dogmática e pedante dos anos 40.

3) Lula, diante de um visitante germânico, disse alto e bom som. O Brasil não vai entrar na guerra da Ucrânia. Não vê o que de bom nos traria entrar na pretensiosa OCDE. Informa que o acordo Mercosul-União Europeia tem graves inconvenientes dentre os quais o capítulo sobre compras governamentais. Guedes, o posto Ipiranga, proclamou que, em dois meses, com a orientação dele, o Brasil assinou um acordo que negociava por vinte anos. Não foi a única irresponsabilidade que nos deixou o frentista.

4) Com a máxima vênia de meus colegas que acreditam no papel saneador da OMC, me permito dizer que sem uma boa sacudidela nas regras de propriedade intelectual no Acordo Trips, a reforma da saúde pública no Brasil continuará a ser para inglês ver e a Big Pharma aproveitar.

5) É só. As lojas Americanas explicam o resto.

 

Fonte: Correio Braziliense/Jornal do Brasil


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