quarta-feira, 8 de março de 2023


 Os adolescentes que desafiaram Stalin e sobreviveram para contar a história

 Quando o líder soviético Joseph Stalin morreu em 5 de março de 1953, parecia que toda a União Soviética havia mergulhado em luto. Mas por trás dessa imagem de pesar, havia sentimentos variados em relação ao líder sob o qual milhões de pessoas morreram por causa de fome ou perseguição. E outros milhões caíram na pobreza.

Houve um episódio em que a autoridade de Stalin foi contestada por três adolescentes.

Durante as quase três décadas que esteve no poder, Stalin procurou projetar uma autoridade inquestionável, reprimindo com brutalidade as vozes dissidentes.

No entanto, houve protestos na União Soviética. Eles não eram frequentes ou em grande escala, mas indicavam que muitos discordavam do regime totalitário.

Um desses episódios de contestação ocorreu em Chelyabinsk, uma cidade industrial nos Urais, uma região montanhosa que separa as partes europeia e asiática da Rússia. A cidade abrigava uma fábrica de construção de tratores.

Um dia, na primavera de 1946, três adolescentes começaram a espalhar panfletos no centro da cidade. Os residentes locais na fila para comprar comida os observavam com cansaço.

Os meninos não tinham cola, então usaram pão embebido em água para colar folhas de papel, arrancadas de seus cadernos escolares, em paredes e postes.

"Pessoas famintas, insurjam-se e lutem!", dizia um dos panfletos rabiscado a mão por um aluno.

Uma mulher na fila leu o panfleto. "Uma pessoa inteligente escreveu isso", comentou ela.

Os jovens eram Alexander (conhecido como Shura) Polyakov, Mikhail (Misha) Ulman e Yevgeny (Genya) Gershovich. Eles tinham 13 anos na época. Shura Polyakov era o líder do grupo.

Sua família era originária de Kharkiv, na Ucrânia, e ele foi levado para os Urais com sua mãe, avó, irmã e tia. Sua família de cinco pessoas dividia um quarto. A cidade tinha dificuldades para acomodar refugiados de guerra.

O pai de Shura havia sido morto na guerra. Sua mãe agora sustentava a família, trabalhando como advogada.

Genya Gershovich também estava crescendo sem a presença do pai, mas por um motivo diferente. Ele nasceu em Leningrado e, em 1934, seu pai foi preso, falsamente acusado de pertencer a uma rede clandestina que planejava derrubar o governo.

Ele morreu sem deixar vestígios.

Para manter seus dois filhos seguros, a mãe de Genya mudou-se para Chelyabinsk. Apesar de seu marido ser considerado "um inimigo do povo", ela conseguiu um emprego como professora do ensino médio.

O pai de Genya havia sido executado antes da guerra, mas a família ficou sabendo de sua morte muito depois.

Mikhail (ou Misha) Ulman — assim como Genya — também era de Leningrado. Mas sua família permanecia unida. Seus pais se mudaram para Chelyabinsk no início da guerra para trabalhar na fábrica de tratores, que na época fabricava tanques de guerra em vez de equipamentos agrícolas.

Em Chelyabinsk, a família de Misha vivia em um pequeno quarto e era obrigada a dividir o espaço com um estranho. A sala era dividida por um varal com um lençol pendurado.

Os três meninos frequentaram a mesma escola. Ulman e Gershovich chegaram a ser colegas de mesa na sala de aula.

Mesmo com apenas 13 anos, os meninos já liam as obras de Marx, Lenin e Stalin como parte do currículo escolar. Eles aprenderam com esses livros que aceitar injustiças era errado.

Eles também estudaram cuidadosamente a letra da Internacional, um hino do movimento operário escrito na década de 1870 por um revolucionário francês, que era entoado por todos que lutavam contra a injustiça social.

A música serviu como o hino nacional soviético entre 1922 e 1944. Os meninos não podiam acreditar que a letra — que convocava as massas a se levantarem contra a desigualdade social — não fosse proibida na União Soviética.

Os meninos e suas famílias enfrentaram graves dificuldades econômicas, vivendo à beira da fome com as rações alimentares do pós-guerra.

Havia uma piada popular na União Soviética sobre a época em que os líderes dos EUA, Reino Unido e União Soviética — reunidos na Conferência de Yalta em fevereiro de 1945 perto do fim da guerra — discutiam qual método deveria ser usado para executar Hitler.

Segundo a piada, Winston Churchill sugere o enforcamento. Franklin Roosevelt sugere a cadeira elétrica. E Stalin diz que a maneira mais eficaz seria alimentar Hitler com rações de comida soviética. Os outros dois concordam que esse seria o castigo mais cruel.

Mas nem todos na União Soviética eram obrigados a sobreviver com rações escassas. Os três meninos tinham um colega de classe cujo pai era diretor da fábrica local.

O estilo de vida do colega era completamente diferente do deles: ele era levado para a escola por um motorista, recebia comida muito mais saborosa em sua lancheira e, em sua festa de aniversário, os meninos puderam provar água com gás e assistir a filmes de Charlie Chaplin, projetados em uma parede.

Desnecessário dizer que a família do diretor não morava em um quarto compartilhado com um estranho, mas desfrutava de acomodações espaçosas e confortáveis. Tudo isso parecia algo saído de um conto de fadas.

As condições de vida dos trabalhadores da fábrica de Chelyabinsk eram difíceis mesmo antes da guerra — muitos viviam em porões e abrigos. Com o início da guerra, Chelyabinsk enfrentou uma invasão de refugiados das regiões ocidentais da Rússia, o que piorou as condições de vida de todos.

Em dezembro de 1943, a direção da fábrica descobriu que até 300 trabalhadores dormiam no chão de fábrica, pois não tinham para onde ir. Alguns disseram que não tinham roupas de inverno; outros, nenhum calçado. Eles não podiam deixar a fábrica.

Embora as pessoas estivessem preparadas para aguentar as adversidades da guerra, assim que o conflito terminou, a paciência se esgotou. Embora felizes com a derrota da Alemanha nazista, muitos em Chelyabinsk estavam cansados da constante humilhação de viver na miséria.

Os três meninos ouviam os adultos reclamarem de acomodações úmidas no porão, vazamentos nos telhados, sopa feita de urtigas, falta de sabão por quatro anos e muitos outros problemas. Eles viviam em pobreza extrema e sentiam que tinham muito pouco a perder.

Eles estavam cada vez mais irritados com a injustiça que observavam diariamente em contraste com a propaganda soviética.

Um dia, em abril de 1946, os meninos arrancaram uma página de um caderno escolar e escreveram: "Camaradas, trabalhadores, olhem ao seu redor! O governo vinha atribuindo seus problemas à guerra. Mas a guerra acabou. Suas condições melhoraram? Não! O que o governo deu a vocês? Nada! Seus filhos estão com fome, mas vocês estão tendo que ouvir histórias sobre uma infância feliz. Camaradas, olhem ao redor e percebam o que realmente está acontecendo!"

No começo, os meninos distribuíam e colavam seus panfletos apenas à noite, mas em poucos dias eles se tornaram mais ousados e pararam de se preocupar com as consequências. Eles até conseguiram alguns de seus colegas de classe para ajudar.

Os temidos agentes da NKVD — que posteriormente se tornaria a KGB e hoje se chama FSB — rapidamente souberam da situação e logo descobriram que os panfletos antigovernamentais eram feitos por crianças em idade escolar.

As escolas fizeram checagens na caligrafia de cada aluno para identificar os culpados. As crianças em Chelyabinsk foram obrigadas a escrever palavras como "camarada" e "infância feliz".

Yevgeny Gershovich foi o primeiro a ser preso. Depois foi Alexander Polyakov, E no final de maio de 1946, Mikhail Ulman. Suas famílias ficaram consternadas e apavoradas.

Os meninos enfrentaram questionamentos implacáveis por parte dos serviços de segurança, que tentaram condená-los por simpatia ao nazismo. Os adolescentes ficaram indignados: como marxistas devotos também podem ser nazistas?

Gershovich e Polyakov foram julgados em agosto de 1946 e considerados culpados de espalhar propaganda antissoviética. Eles foram condenados a três anos de prisão juvenil.

Quando já eram adultos, eles se lembraram daquela época horrenda, cheia de espancamentos e perseguições por parte de outros jovens internos que estavam presos por crimes.

Ulman teve sorte — como não tinha completado 14 anos na época da prisão, escapou completamente da punição. Seus pais voltaram para Leningrado rapidamente para ficar longe dos Serviços de Segurança de Chelyabinsk.

Gershovich e Polyakov também escaparam com relativa facilidade, pois foram soltos no final de 1946, com suspensão de suas penas.

Talvez a pouca idade dos meninos os tenha ajudado a escapar de consequências muito mais duras.

Mas também é possível que os serviços de segurança e os juízes tenham ficado surpresos com a seriedade dos jovens rebeldes que, apesar de viverem em um dos regimes mais totalitários da história, acreditaram que poderiam protestar contra a injustiça social e obrigar o governo a melhorar a vida dos trabalhadores.

Já adultos, tanto Ulman quanto Polyakov emigraram para Israel, onde este ainda mora com sua esposa. Foi onde a BBC conseguiu falar com ele.

Yevgeny Gershovich foi preso novamente no final dos anos 1940, logo depois de ser expulso da universidade, acusado de ter tendências antissoviéticas.

Ele foi condenado a dez anos de prisão, mas foi libertado logo após a morte de Stalin, junto com milhões de outras vítimas da repressão. Ele morreu na década de 2010.

 

       A fábrica secreta de veneno da KGB para 'liquidar' inimigos da URSS

 

Segundo alguns relatos, tudo começou quando, depois de sofrer um AVC em 1922, o líder da União Soviética, Vladimir Lenin, pediu ao seu sucessor, Josef Stalin, que desse a ele cianureto para cometer suicídio. E Stalin negou.

Outros garantem que foi depois que um revolucionário socialista disparou contra Lenin em 1918. Seus médicos determinaram que as balas haviam sido recobertas com uma resina venenosa, curare, o que gerou intrigas.

Mas as diversas fontes concordam que, por ordem de Lenin, foi criada, no início da década de 1920, uma fábrica de venenos do Kremlin.

Essa instituição de pesquisa dos soviéticos inventou novos métodos de envenenamento dos inimigos do Estado sem deixar rastros.

Ela começou como um segredo da Tcheka — a primeira organização de inteligência política e militar da União Soviética — e seu objetivo era "suprimir e liquidar" qualquer ato "contrarrevolucionário" ou oposto à linha política do país.

Assim como ocorreu com os serviços secretos soviéticos, o nome da fábrica de venenos também foi mudando com o passar do tempo. Originalmente, ela se chamava Sala Especial, depois Laboratório n° 1, Laboratório X e Laboratório n° 12, até que ficou conhecida simplesmente como Kamera, ou "a Câmara", sob o poder de Stalin.

Embora ainda paire um ar de mistério sobre a fábrica, alguns detalhes das suas operações secretas foram revelados depois do colapso da União Soviética, confirmando o que dissidentes haviam revelado anteriormente.

        Arma discreta e eficaz

O veneno como arma política é uma tradição antiga. Não é à toa que, ao longo da história, servidores foram encarregados de provar os alimentos dos poderosos antes das refeições.

Naturalmente, os soviéticos não foram os únicos a usar esse artifício e não serão os últimos. Em 1960, a CIA tentou assassinar o líder cubano Fidel Castro com charutos contaminados com toxina botulínica.

Quando o assunto é matar uma pessoa específica, venenos mortais e eficazes podem ser muito discretos.

Um dos objetivos da Kamera era fornecer venenos inodoros, insípidos e que não pudessem ser detectados em autópsias — características demonstradas por algumas das inovações desenvolvidas por aquele laboratório.

Uma de suas vítimas foi um emigrante da URSS, o escritor antissoviético Lev Rebet, morto em 1957. Acreditava-se que sua morte teria sido causada por um ataque cardíaco, até que o assassino da KGB desertou quatro anos depois e contou que havia lançado uma nuvem de gás venenoso de uma ampola de cianureto triturado no rosto de Rebet, ao encontrar com ele em uma escada em Munique, na então chamada Alemanha Ocidental.

Houve um outro político que foi assassinado por uma substância esfregada na sua lâmpada de leitura. O calor da lâmpada fez com que ela se dispersasse pelo quarto, sem deixar rastros.

Os agentes da KGB usavam também fluoreto de sódio, que, em certas doses, é letal e de difícil identificação como causa de morte — o que se deve ao seu uso mais comum, que é prevenir a cárie dental. Muitas pessoas já têm essa substância na sua corrente sanguínea.

Irradiações do elemento tálio também eram usadas por motivo similar. Os médicos conseguiam reconhecer os sintomas do envenenamento com tálio, que costumava ser usado em veneno para ratos.

Mas eles tratavam dos pacientes sem saber que, na verdade, eles estavam morrendo por exposição à radiação. Quando era realizada a autópsia, o tálio havia se desintegrado, sem deixar provas físicas do envenenamento.

Mas, até quando é detectado, o veneno protege o anonimato do assassino, já que o uso de uma arma invisível em um homicídio, observada apenas por toxicólogos, fica sujeito a explicações alternativas.

Enquanto um assassinato a tiros dificilmente pode ser confundido com um suicídio, a intoxicação frequentemente deixa aberta essa e outras possibilidades, que os próprios autores podem explorar a seu favor.

E, se a operação for cuidadosamente planejada e executada por agentes experientes, a culpa não pode ser definida de forma contundente na grande maioria dos casos.

Por outro lado, o veneno pode servir também de lição ou advertência para outras pessoas sobre o que as espera se cruzarem uma determinada linha.

Algumas misturas químicas podem causar a morte rápida e sem suspeitas, enquanto outras podem causar mortes horríveis e agonizantes, atormentando seus entes queridos, que acompanham o horror de ver as vítimas sucumbirem de forma lenta e dolorosa.

        Experimentos em seres humanos

Uma das primeiras menções da existência do laboratório de venenos chegou ao Ocidente em seis baús de anotações feitas secretamente à mão por Vasili Mitrokhin, ao longo dos 30 anos em que trabalhou como arquivista da KGB, no serviço de inteligência exterior e na Primeira Direção Geral.

E diversos ex-oficiais de inteligência soviéticos, aposentados e desertores, forneceram mais informações sobre as instalações ultrassecretas ao longo dos anos.

Mas talvez o mais perturbador foi a publicação das memórias de Pavel Sudoplatov, ex-chefe de espionagem de Stalin, que escreveu sobre o laboratório e seu diretor, o professor Grigory Mairanovsky.

No livro Operações Especiais, de 1994, Sudoplatov revelou que Mairanovsky injetava veneno nas pessoas, simulando verificações médicas de rotina.

Obedecendo às ordens do general Vasili Blokhin, supervisor do laboratório e principal carrasco do chefe da polícia secreta de Stalin, Lavrenti Beria, ele também testou os produtos da Kamera em prisioneiros dos campos de trabalhos forçados do sistema Gulag. Esses produtos incluíam gás mostarda, ricina, digitoxina, curare, cianureto e muitos outros.

As vítimas incluíram Raoul Wallenberg, diplomata sueco que morreu misteriosamente sob custódia soviética, bem como nacionalistas ucranianos e possíveis desertores. O próprio Sudoplatov foi encarregado de encobrir a operação posteriormente.

Especialistas indicam que, no apogeu da Guerra Fria, surgiu um padrão claro de uso, pelos soviéticos, de agentes nervosos e armas químicas contra rivais políticos, dissidentes, desertores, exilados e líderes de movimentos separatistas nas repúblicas soviéticas.

Foram "literalmente" incontáveis as quantidades de pessoas que tiveram esse destino, segundo Boris Volodarsky, veterano do serviço de inteligência militar russo e autor do livro The KGB's Poison Factory ("A fábrica de veneno da KGB", em tradução livre). Em artigo para o jornal norte-americano The Wall Street Journal, ele perguntou: "Quem pode contar as vítimas do veneno se nenhum veneno é detectado?"

Sabe-se que a KGB seguiu silenciando seus inimigos durante o último período soviético. O general da KGB Oleg Kalugin admitiu que os soviéticos participaram do complô para assassinar o jornalista Georgi Markov, do Serviço Búlgaro da BBC, em 1978.

A Kamera produzia ricina em pequenos grânulos, especialmente projetados para serem injetados sem que fossem detectados e sem gerar mais dor que uma picada de inseto, provocando a morte sem deixar rastros. Os búlgaros colocaram o veneno na ponta de um guarda-chuva e levaram a cabo a operação.

Mas o que não se sabe com certeza até hoje é se a fábrica de venenos da União Soviética realmente foi fechada, ou se ainda existe uma versão desse laboratório em algum lugar da Rússia.

 

Fonte: BBC News Mundo

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