quinta-feira, 30 de março de 2023

Mergulho revela as mil aquarelas submarinas dos recifes de Salvador

Fora dos olhos de quem passa pela orla, há uma aquarela que pouca gente conhece em Salvador. Vê-la vai além da vontade. É preciso, literalmente, enfiar a cabeça na água em locais onde o fundo do mar espelha toda riqueza cromática que caracteriza a capital. Mas não só isso. É necessário também ter o mínimo de familiaridade com equipamentos e técnicas básicas de mergulho. Mas a recompensa vale, e muito, o esforço.

Com auxílio da equipe de profissionais da Galeão Sacramento, uma das mais tradicionais e especializadas escolas de mergulho da cidade, o CORREIO visitou a multicolorida vida subaquática da costa soteropolitana na manhã da última quinta-feira, 23 de março. Na ocasião, as condições do tempo, água e maré se mostravam razoavelmente boas para contemplá-la.

A viagem pela aquarela soteropolitana no fundo do mar, feita com tanque de oxigênio, é conduzida pelo mergulhador Andre Neri, 57 anos, que integra o time de instrutores de alto nível da Galeão Sacramento, e acompanhada pelo fotógrafo Edvaldo Júnior, responsável pelas imagens que ilustram a reportagem. O ponto escolhido para a incursão de aproximadamente uma hora, o Porto da Barra, não foi à toa.

É naquele trecho da orla da cidade que a usina marinha de cores se torna mais próxima da visão humana. Entre as duas pontas que abrigam a Praia do Porto, há dois grandes recifes de corais, responsáveis diretos pelo caleidoscópio de múltiplas tonalidades que vão do vermelho intenso ao lilás vibrante em poucos centímetros. A primeira delas está situada a cerca de 50 metros da areia.

Batizada pelos mergulhadores mais antigos com o nome de corais de Santa Maria, em homenagem ao forte homônimo que avança sobre a margem esquerda da praia, a bancada se assemelha à versão submarina de uma tela de Van Gogh, tamanha a variedade colorida que exibe. Embora o uso de cilindro de oxigênio permita contato bem mais próximos com o recife, é possível vê-lo apenas com máscara e respirador. Basta que a luminosidade do dia e o grau de limpeza da água permitam.

O segundo conjunto de corais do Porto da Barra fica exatamente atrás do Forte de Santa Maria. “A gente chama tal ponto de Jardim Secreto. Ninguém sabe ao certo quem deu o nome nem quando ele foi batizado, mas é assim que o conheço desde que comecei a mergulhar aqui, em 1987. Talvez porque apenas um pequeno grupo o conhecia e tinha acesso a esse recife”, conta o carioca Neri, que iniciou na profissão como mergulhador do Exército em Manaus e hoje atua também na formação de novos colegas.

O colorido do Jardim Secreto é de impressionar e tem origem na simbiose entre os corais e as algas unicelulares, através dos pigmentos fotossintéticos que elas possuem, como explica o biólogo Igor Cruz, professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) com cerca de duas décadas dedicadas a pesquisas sobre os recifes de corais da Baía de Todos os Santos. É como se a luz solar fosse um tipo de pincel.

•        Muito além do Porto

Fora o Porto da Barra, existem outros pontos onde é possível vislumbrar a aquarela que margeia a costa de Salvador sem que seja preciso percorrer grandes distâncias. Contornando o pequeno penhasco rochoso à direita da praia, desponta a bancada de corais situada aos fundos do Yatch Clube da Bahia, área de intensa vida marinha e fácil de ver com um simples mergulho de superfície.

Na sequência, surge o recife popularmente conhecido como Tira-Pombo, localizado nos arredores da Bahia Marina. Mais adiante, destaca-se a bancada entre o Porto de Salvador e a praia de Boa Viagem, próximo ao naufrágio do lendário navio Blackadder. A praia de Tubarão e o litoral das ilhas de Maré e dos Frades estão entre os pontos que compõe a lista de locais mais conhecidos por mergulhadores profissionais, amadores e iniciantes (veja mapa ao lado).

•        Usina de tons

A multiplicidade cromática não é reflexo apenas da relação com os pigmentos das algas.

“Os corais são excelentes construtores. Nesse processo, são formados recifes muito irregulares, que viram abrigos para crustáceos e espécies como polvos e moreias. São também fonte de alimento para peixes herbívoros. Quanto mais buracos, maior será diversidade”, destaca o biólogo Igor Cruz.

De acordo com o pesquisador, a biodiversidade dos corais da Baía de Todos os Santos, incluindo os da capital, é semelhante à do Parque Marinho de Abrolhos, no Extremo-Sul do estado, considerada a maior de todo Atlântico Meridional, ou seja, a porção sul do oceano. Daí a dança colorida dos peixes que vivem em volta dos recifes da região e dão movimento a esse rico mosaico de tons, em um passeio diário pelas mil aquarelas submarinas.

•        Ameaçada por dois vilões

Apesar de séculos de perdas causadas por ação predatória e agressões ao meio ambiente marinho, os recifes de corais da Baía de Todos os Santos, basicamente concentrados ao longo das costas de Salvador e Mar Grande, na Ilha de Itaparica, apresentam bom estado de conservação. No entanto, enfrentam ameaças de inimigos externos e caseiros.

“Mesmo que se tenha observado um ligeiro declínio nos últimos anos, a condição ambiental dos recifes da região ainda é boa”, aponta o biólogo Igor Cruz, professor da Ufba e tido entre pesquisadores da área como uma das principais autoridades em estudos científicos sobre os corais da Baía de Todos os Santos. Por outro lado, ressalta, o perigo continua por perto.

O topo da lista de inimigos, segundo o biólogo, é ocupado hoje pelos chamados bioinvasores. Na verdade, parentes agressivos ao extremo que habitam as águas dos oceanos Pacífico e Índico. “O coral-azul se tornou um risco para o Parque Marinho da Barra. Já o coral-sol afeta as demais áreas da Baía.

Os invasores exóticos, que provavelmente chegaram ao  país através do alto fluxo de embarcações transoceânicas do comércio de  aquários, se reproduzem com intensa rapidez e costumam exterminar todos os parentes à sua volta.

Na segunda colocação, está a pesca com bomba. Embora seja tipificada como crime ambiental, a prática ainda persiste entre pescadores da Baía de Todos os Santos. Redes que ainda despejam esgoto no mar, mudanças climáticas e a atividade industrial também integram a relação. As vítimas principais são os quatro tipos mais encontrados de corais da região. Além do Coral de Fogo e do Coral Cérebro (veja fotos abaixo), há também o Montastraea cavernosa o Siderastrea stellata.

•        Pontos de contemplação

Estimativas dos mais recentes estudos publicados por pesquisadores do Instituto de Biologia da Ufba apontam que os recifes de corais da Baía de Todos os Santos têm extensão projetada de 30,7 quilômetros quadrados, sendo quase metade, 13 quilômetros quadrados, na região interna de Salvador, ou seja, perto da zona praieira da capital. Os mais conhecidos são:

## Corais de Santa Maria   

Situados a menos de 50 metros da faixa de areia da praia do Porto da Barra e próximos ao forte homônimo, integram o cardápio de roteiros mais fáceis para iniciantes no universo do mergulho.

## Jardim Secreto 

Recife de corais com grande variedade cromática e vida marinha localizado nos fundos do Forte de Santa Maria. Para ser contemplado por inteiro, é necessário uso de cilindro de oxigênio e acompanhamento de profissionais certificados, devido à profundidade que atinge até dez metros, a depender da maré.

## Bancada do Yatch Clube da Bahia 

Conjunto de corais de coloração vibrante que margeia o fundo do clube e serve de abrigo para uma  variedade grande de peixes, crustáceos e espécies como moreias, polvos e cavalos-marinhos. Pode ser visto a pouco centímetros abaixo da superfície com snorkel, respirador e nadadeiras por quem tem alguma experiência em mergulho.

## Tira-Pombo 

Recife em em volta da Bahia Marina também apropriado para contemplação submarina.

## Trecho do Blackadder 

Bancada encravada entre o Porto de Salvador e a Praia da Boa Viagem, nos arredores do local onde o célebre navio naufragou.

## Ilhas de Maré e dos Frades 

Corais formados por grande biodiversidade e variação cromática circundam a costa das duas ilhas pertencentes ao município de Salvador.

## Aventura na Galeão Sacramento

A escola e operadora de mergulho criada em 2004   conta com time qualificado e certificados. Está situada na Avenida Sete de setembro, 3835, Porto da Barra.

O pacote de serviços inclui o mergulho de batismo nos corais de Santa Maria; curso básico de mergulho Scuba, com oito aulas; e o mergulho de batismo embarcado, com aula teórica, equipamento Scuba, barco, lanche, fotos e mergulho com vida marinha em naufrágio. Saiba mais pelo (71) 3264-2065.

 

Fonte: Correio

 

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